Manifesto do êxodo urbano

Chakana, a cruz andina.

Acho tão ~engraçado~ que a opção por deixar a cidade e ir morar no interior seja frequentemente encarada como fuga, anarcoprimitivismo, socialismo utópico ou meramente isolamento. Enquanto isso, as cidades incham e toda engrenagem pra girar essa vida completamente desconectada, ansiosa, apressada e desvairada vai tratorando a base natural que precisamos para viver.

E aí moramos em caixas de sapato, andamos pelas ruas olhando para o chão, nos trancamos em carros que se enfileiram em congestionamentos e mantemos a rotina trabalho-entretenimento pra conseguir preencher todo esse vazio. Isso quando temos sorte: a grande maioria vive à margem de qualquer dignidade – segundo a meritocracia, culpa deles mesmos, esses vagabundos. Para “vencer na vida” é preciso ter capacidade; capacidade de ignorar a miséria alheia, de negar-se a ver que a riqueza de um é, inevitavelmente, construída sobre a miséria de outros.

Nosso estilo de vida nos faz doentes. Até nossa alimentação nos deixa doentes. E quando questionamos o sentido dessa loucura toda, dizem pra não complicar, buscar uma terapia, se esforçar para ter sucesso. Aceitar de bom grado as leis, as normas do chefe e os dogmas da família. Aliás, família! É bom você construir a sua para não acabar sozinho, para não ter que lidar com sua própria solidão e assumir a responsabilidade pela sua própria vida.

Cronicamente inviável. O modelo de vida de nossa sociedade é, simplesmente, insustentável. Ninguém vê? Ou não quer ver? É difícil. Dói.  Exige encarar muitas comodidades – comodidades, que, no fim das contas, não são assim tão cômodas. Ao mesmo tempo que foram naturalizadas, nos fazem sofrer. Mas estão tão entramadas dentro da gente que fazem parte do que somos. É preciso morrer um pouquinho para se transformar.

A reconexão com a terra, com os ciclos da vida, com as sabedorias ancestrais – que foram desprezadas em nome da ciência e exterminadas em nome do progresso – e sim, com nós mesmos e com os outros, é elemento crucial para superarmos essa mentalidade fracassada que separa ser humano e natureza, indivíduo e comunidade, entre tantas outras dualidades engessantes (como cultura e política…). É preciso buscar ser um pouco mais índio, ter um pouco mais de humildade frente à vida, conseguir enxergar que estamos em tudo e tudo está em nós. É para o bem do mundo, para o bem da vida, para nosso próprio bem. É questão de felicidade, mas também de justiça e sobrevivência.

É hora de ouvir o que a terra tem pra nos falar.

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One Response to “Manifesto do êxodo urbano”

  1. José Luiz Dias Filho disse:

    Gostei muito desse artigo. Esse pensamento não tem nada de anarco primitivismo. Ao contrário disso, é pensar os graves problemas urbanos através das causas. É preciso enfrentar esse sofisma de composição com firmeza e lucidez. Venho me debruçando sobre o problema da concentração populacional em centros urbanos, uma situação realmente insustentável. Devemos pensar em medidas que promovam a distribuição populacional de forma mais homogênea no território. Não se trata de mero êxodo urbano. Tudo tem que ser feito de forma organizada, levando-se em conta os conhecimentos mais atualizados, sem marginalizar nenhum aspecto, seja ele social, econômico, ecológico, psicológico, de direito, humanitário e outros. Acredito que esse deveria ser o grande debate da atualidade. A precariedade da situação de vida da esmagadora maioria dos moradores dos aglomerados urbanos resulta na desumanização ou coisificação do ser humano. Tal situação tem como finalidade servir a interesse meramente materialistas.

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