Um salto no abismo com Clarice Lispector

Trechos de Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (Rio de Janeiro: Rocco, 1998), de Clarice Lispector.

Muitos trechos. Alguns bem longos. Maravilhada e chocada com tamanho mergulho. Respira fundo.

 

NOTA

Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte do que eu.

C. L.

 

sentou-se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus, não Lóri mas o seu nome secreto que ela por enquanto ainda não podia usufruir, faz de conta que vivia e não que estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que ela era sábia bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e uma luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranquilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro

– pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver. (p. 14-5)

 

Ele era um homem, ela era um mulher, e milagre mais extraordinário do que esse só se comparava à estrela cadente que atravessa quase imaginariamente o céu negro e deixa como rastro o vívido espanto de um Universo vivo. Era um homem e era uma mulher. […]

Ah! gritou-se muda de repente, que o Deus me ajude a conseguir o impossível, só o impossível me importa!

Nem sequer entendeu o que queria dizer com isso, mas como se tivesse sido atendida no maior apelo humano e de algum modo, só por desejá-lo, tivesse tocado no impossível, disse baixo, audível, humilde: – obrigada.

Através de seus graves defeitos – que um dia ela talvez pudesse mencionar sem se vangloriar – é que chegara agora a poder amar. Até aquela glorificação: ela amava o Nada. A consciência de sua permanente queda humana a levava ao amor do Nada. E aquelas quedas – como a de Cristo que várias vezes caiu ao peso da cruz – e aquelas quedas é que começavam a fazer sua vida. (p. 27)

 

“Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.” (p.29)

 

Como se uma manada de gazelas transparentes se transladassem no ar do mundo ao crepúsculo – foi isso o que Lóri conseguiu várias semanas depois. A vitória translúcida foi tão leve e promissora como o prazer pré-sexual.

Ela se tornara mais habilidosa: como se aos poucos estivesse se habituando à Terra, à Lua, ao Sol, e estranhamente a Marte sobretudo. Estava numa plataforma terrestre de onde por átimos de segundos parecia ver a super-realidade do que é verdadeiramente real. Mais real – disse-lhe Ulisses quando ela a seu jeito contou-lhe o quase não-acontecimento – mais real que a realidade.

No dia seguinte tentou pacientemente de novo o crepúsculo. Estava à espera. Com os sentidos aguçados pelo mundo que a cercava como se entrasse nas terras desconhecidas de Vênus. Nada aconteceu. (p. 30)

 

De Ulisses ela aprendera a ter coragem de ter fé – muita coragem, fé em quê? Na própria fé, que a fé pode ser um grande susto, pode significar cair no abismo, Lóri tinha medo de cair no abismo – em breve ela teria que soltar a mão menos forte do que a que a empurrava, e cair, a vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre.

A mais premente necessidade de um ser humano era tornar-se um ser humano. (p. 32)

 

Nesta madrugada fresca foi ao terraço e refletindo um pouco chegou à assustadora certeza de que seus pensamentos eram tão sobrenaturais como uma história passada depois da morte. Ela simplesmente sentira, de súbito, que pensar não lhe era natural. Depois chegara à conclusão de que ela não tinha um dia a dia mas sim uma vida a vida. E aquela vida que era sua nas madrugadas era sobrenatural com suas inúmeras luas banhando-a de um prateado líquido tão terrível.

Sobretudo aprendera agora a se aproximar das coisas sem ligá-las à sua função. Parecia agora poder ver como seriam as coisas e as pessoas antes que lhes tivéssemos dado o sentido da nossa esperança humana ou da nossa dor. Se não houvesse humanos na Terra, seria assim: chovia, as coisas se ensopavam sozinhas e secavam e depois ardiam secas ao sol e se crestavam em poeira. Sem dar ao mundo o nosso sentido, como Lóri se assustava! Tinha medo da chuva quando a separava da cidade e dos guarda-chuvas abertos e dos campos se embebendo de água. Então o que chamava de morte a atraía tanto que só poderia chamar de valoroso o modo como, por solidariedade e pena dos outros, ainda estava presa ao que chamava de vida. Seria profundamente amoral não esperar pela morte como os outros todos esperam por esta hora final. Teria sido esperteza dela avançar no tempo, e imperdoável ser mais sabida que os outros. Por isso, apesar da curiosidade intensa que tinha pela morte, Lóri esperava.

Amanheceu.

O que se passara no pensamento de Lóri naquela madrugada era tão indizível e intransmissível como a voz de um ser humano calado. Só o silêncio da montanha lhe era equivalente. […]

O silêncio é a profunda noite secreta do mundo. […]

Mas este primeiro silêncio, Ulisses, ainda não é o silêncio. Que se espere, pois as folhas das árvores ainda se ajeitarão melhor, algum passo tardio talvez se ouça com esperança pelas escadas.

Mas há um momento em que do corpo descansado se ergue o espírito atento, e da Terra e da Lua. Então ele, o silêncio, aparece. E o coração bate ao reconhecê-lo: pois ele é o de dentro da gente.

[…] Pode-se tentar enganá-lo também. Deixa-se como por acaso o livro de cabeceira cair no chão. Mas – horror – o livro cai dentro do silêncio e se perde na muda e parada voragem deste. E se um pássaro enlouquecido cantasse? Esperança inútil. O canto apenas atravessaria como uma leve flauta o silêncio. O que mais se parecia, no domínio do som, com o silêncio, era uma flauta.

Então, se há coragem, não se luta mais. Entra-se nele, vai-se nele para o Inferno? Vai-se com ele, nós os únicos fantasmas de uma noite em Berna. Que se entre. Que não se espere o resto da escuridão diante dele, só ele próprio. Será como se estivéssemos num navio tão descomunalmente enorme que ignorássemos estar num navio. E este singrasse tão largamente que ignorássemos estar indo. Mais do que isso um homem não pode. Viver na orla da morte e das estrelas é vibração mais tensa do que as veias podem suportar. Não há sequer um filho de astro e de mulher como intermediário piedoso. O coração tem que se apresentar diante do Nada sozinho e sozinho bater em silêncio de uma taquicardia nas trevas. Só se sente nos ouvidos o próprio coração. Quando este se apresenta todo nu, nem é comunicação, é submissão. Pois nós não fomos feitos senão para o pequeno silêncio, não para o silêncio astral.

Se não há coragem, que não se entre. Que se espere o resto da escuridão diante do silêncio, só os pés molhados pela espuma de algo que se espraia de dentro de nós. Que se espere. Um insolúvel pelo outro. Um ao lado do outro, duas coisas que não se veem na escuridão. Que se espere. Não o fim do silêncio mas o auxílio bendito de um terceiro elemento: a luz da aurora.

Depois nunca mais se esquece, Ulisses. Inútil até fugir para outra cidade. Pois quando menos se espera pode-se reconhecê-lo – de repente. Ao atravessar a rua no meio das buzinas dos carros. Entre uma gargalhada fantasmagórica e outra. Depois de uma palavra dita. Às vezes no próprio coração da palavra se reconhece o Silêncio. Os ouvidos se assombram, o olhar se esgazeia – ei-lo. E dessa vez ele é fantasma. (p. 34-9)

 

A própria Lóri tinha uma espécie de receio de ir, como se pudesse ir longe demais – em que direção? O que dificultava a ida. Sempre se retinha um pouco como se retivesse as rédeas de um cavalo que poderia galopar e levá-la Deus sabe aonde. Ela se guardava. Por que e para quê? Para o que estava ela se poupando? Era um certo medo da própria capacidade, pequena ou grande, talvez por não conhecer os próprios limites. Os limites de um humano eram divinos? Eram. Mas parecia-lhe que, assim como uma mulher às vezes se guarda intocada para dar-se um dia ao amor, que ela queria morrer talvez ainda toda inteira para a eternidade tê-la toda. (p. 41-2)

 

Sua alma incomensurável. Pois ela era o Mundo. E no entanto vivia o pouco. Isso constituía uma de suas fontes de humildade e forçada aceitação, e também a enfraquecia diante de qualquer possibilidade de agir.

Aliás sentir-se humilde demais era de onde paradoxalmente vinha a sua altivez de pessoa. É que sua altivez – que se refletia no modo flexível e tranquilo de andar – sua altivez vinha da certeza obscura de que suas raízes eram fortes, e que sua humildade não era apenas humildade humana: é que qualquer raiz era forte, e sua humildade vinha da certeza obscura de que todas as raízes eram humildes, terrosas e cheias de úmido vigor na sua modéstia nodosa de raiz.

É claro que tudo isso não era pensado: era vivido, com uma ou outra rápida passagem de luz de holofote na noite iluminando o céu por um átimo de segundo de pensamento a escuridão.

O que também salvara Lóri é que sentia que se o seu mundo particular não fosse humano, também haveria lugar para ela, e com grande beleza: ela seria uma mancha difusa de instintos, doçuras e ferocidades, uma trêmula irradiação de paz e luta, como era humanamente, mas seria de forma permanente: porque se o seu mundo não fosse humano ela seria um bicho. Por um instante então desprezava o próprio humano e experimentava a silenciosa alma da vida animal.

E era bom. “Não entender” era tão vasto que ultrapassava qualquer entender – entender era sempre limitado. Mas não entender não tinha fronteiras e levava ao infinito, ao Deus. Não era um não entender como um simples de espírito. O bom era ter uma inteligência e não entender. Era uma bênção estranha como a de ter loucura sem ser doida. Era um desinteresse manso em relação às coisas ditas do intelecto, uma doçura de estupidez.

Mas de vez em quando vinha a inquietação insuportável: queria entender o bastante para pelo menos ter mais consciência daquilo que ela não entendia. Embora no fundo não quisesse compreender. Sabia que aquilo era impossível e todas as vezes que pensara que se compreendera era por ter compreendido errado. Compreender era sempre um erro – preferia a largueza tão ampla e livre e sem erros que era não entender. Era ruim, mas pelo menos se sabia que se estava em plena condição humana.

No entanto às vezes adivinhava. Eram manchas cósmicas que substituíam entender. (p. 43-4)

 

Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficando do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. (p. 47-9)

 

Lavava o rosto devagar, penteava-se devagar, já de camisola para dormir. Adiava, adiava. Escovou mais uma vez os dentes. Sua testa estava franzida, sua alma trêmula. Ela sabia que ia tentar rezar e assustava-se. Como se o que fosse pedir a si mesma e ao Deus precisasse de muito cuidado: porque o que pedisse, nisso seria atendida. Foi à geladeira, bebeu um copo de água: agia como se tivesse sido hipnotizada por Ulisses. E ainda um ínfimo movimento de revolta contra o hipnotismo a que parecia ter sido sujeita fazia-a adiar o que viesse.

Pedir? Como é que se pede? E o que se pede?

Pede-se a vida?

Pede-se a vida.

Mas já não se está tendo vida?

Existe uma mais real.

O que é real?

E ela não sabia como responder. Às cegas tinha que pedir. Mas ela queria que, se fosse às cegas, pelo menos entendesse o que pedisse. Ela sabia que não devia pedir o impossível: a resposta não se pede. A grande resposta não nos era dada. É perigoso mexer com a grande resposta. Ela preferia pedir humilde, e não à sua altura que era enorme: Lóri sentia que era um enorme ser humano. E que devia tomar cuidado. Ou não devia? A vida inteira tomara cuidado em não ser grande dentro de si para não ter dor.

Não, não devia pedir mais vida. Por enquanto era perigoso. Ajoelhou-se trêmula junto da cama pois era assim que se rezava e disse baixo, severo, triste, gaguejando sua prece com um pouco de pudor: alivia a minha alma, faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária, faze com que eu não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que me lembre de que também não há explicação porque um filho quer o beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito, faze com que eu receba o mundo sem receio, pois para esse mundo incompreensível eu fui criada e eu mesma também incompreensível, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade por mim mesma pois senão não poderei sentir que Deus me amou, faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora de minha morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém.

Não era à toa que ela entendia os que buscavam caminho. Como buscava arduamente o seu! E como hoje buscava com sofreguidão e aspereza o seu melhor modo de ser, o seu atalho, já que não ousava mais falar em caminho. Agarrava-se ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde ela fosse finalmente ela, isso só em certo momento indeterminado da prece ela sentira. Mas também sabia de uma coisa: quando estivesse mais pronta, passaria de si para os outros, o seu caminho era os outros. Quando pudesse sentir plenamente o outro estaria salva e pensaria: eis o meu ponto de chegada.

Mas antes precisava tocar em si própria, antes precisava tocar no mundo. (p. 55-7)

 

Pois ela estava como na sua primeira infância e sem medo de que a angústia sobreviesse: estava em encantamento pelas cores orientais do Sol que desenhava figuras góticas nas sombras. Pois que o Deus foi nascido da Natureza e por sua vez Ele interferiu nela. […] Descobrindo o sublime no trivial, o invisível sob o tangível – ela própria toda desarmada como se tivesse naquele momento sabido que sua capacidade de descobrir os segredos da vida natural ainda estivesse intacta. E desarmada também pela leve angústia que lhe veio ao sentir que podia descobrir outros segredos, talvez um mortal. Mas sabia que era ambiciosa: desprezaria o sucesso fácil e quereria, mesmo com medo, subir cada vez mais alto ou descer cada vez mais baixo. (p. 70-1)

 

Vestiu o maiô e o roupão, e em jejum mesmo caminhou até a praia. Estava tão fresco e bom na rua!Onde não passava ninguém ainda, senão ao longe a carroça do leiteiro. Continuou a andar e a olhar, olhar, olhar, vendo. Era um corpo a corpo consigo mesma dessa vez. Escura, machucada, cega – como achar nesse corpo a corpo um diamante diminuto mas que fosse feérico, tão feérico como imaginava que deveriam ser os prazeres. Mesmo que não os achasse agora, ela sabia, sua exigência se havia tornado infatigável. Ia perder ou ganhar? Mas continuaria seu corpo a corpo com a vida. Nem seria com a sua própria vida, mas com a vida. Alguma coisa se desencadeara nela, enfim.

E aí estava ele, o mar. (p. 76-7)

 

Não havia aprendizagem de coisa nova: era só a redescoberta. (103)

 

Com a mão direita ele segurava o ferro que fazia as flamas crescerem. A mão esquerda, a livre, estava ao alcance dela. Lóri sabia que podia tomá-la, que ele não se recusaria: mas não a tomava, pois queria que as coisas “acontecessem” e não que ela as provocasse. Ela conhecia o mundo dos que estão tão sofridamente à cata de prazeres e que não sabiam esperar que eles viessem sozinhos. E era tão trágico: bastava olhar numa boate, à meia-luz, os outros: era a busca do prazer que não vinha sozinho e de si mesmo. Ela só fora, com alguns de seus homens do passado, umas duas ou três vezes e depois não quisera mais voltar. Porque nela a busca do prazer, nas vezes que tentara, lhe tinha sido água ruim: colava a boca e sentia a bica enferrujada, de onde escorriam dois ou três pingos de água amornada: era a água seca. Não, havia ela pensado, antes o sofrimento legítimo que o prazer forçado. Queria a mão esquerda de Ulisses e sabia que queria, mas nada fez, pois estava usufruindo exatamente do que precisava: poder ter essa mão se estendesse a sua. (p. 106-7)

 

Porque no Impossível é que está a realidade. (p. 108)

 

Milagres, não. Mas as coincidências. Vivia de coincidências, vivia de linhas que incidiam e se cruzavam e, no cruzamento, formavam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que era mais feito de segredo. Mal falasse das coincidências, e já estaria falando em nada.

Mas possuía um milagre, sim. O milagre das folhas. Estava andando na rua e do vento lhe caíra exatamente nos cabelos: a incidência de linha de milhões de folhas transformada em uma que caía, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-lo a ela. Isso lhe acontecia tantas vezes que passou a se considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tirara a folha dos cabelos e guardara-a na bolsa, como o mas diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontrara entre os mil objetos que sempre carregava a folha seca, engelhada e morta. Jogara-a fora: não lhe interessava o fetiche morto como lembrança. E também porque sabia que novas folhas iriam coincidir com ela. Um dia uma folha que caíra batera-lhe nos cílios. Achou então Deus de uma grande delicadeza. (p. 112-3)

 

Iniciada, pressentia a mudança de estação. E desejava a vida mais cheia de um fruto enorme. Dentro daquele fruto que nela se preparava, dentro daquele fruto que era suculento, havia lugar para a mais leve das insônias diurnas que era a sua sabedoria de bicho acordado: um véu de alerteza, esperta bastante para apenas pressentir. Ah pressentir era mais ameno do que o intolerável agudo do bom. E que ela não se esquecesse, naquela sua fina luta travada, que o mais difícil de se entender era a alegria.

Que ela não se esquecesse que a subida mais escarpada, e mais à mercê dos ventos, era sorrir de alegria. E que por isso era que aquilo que menos tinha cabido dentro dela: a delicadeza infinita da alegria. Pois quando se demorava demais nela e procurava se apoderar de sua levíssima vastidão, lágrimas de cansaço lhe vinham aos olhos: era fraca diante da beleza do que existia e do que ia existir.

E não conseguia, nesse adestramento contínuo, apoderar-se do primeiro regozijo da vida.

Conseguiria dessa vez captar o regozijo infinitamente doce que era como morrer? Ah como se inquietava de não conseguir viver o melhor, e assim poder um dia enfim morrer o melhor. Como se inquietava que alguém pudesse não compreender que morreria numa ida para uma tonta felicidade de primavera. Mas não apressaria de um instante a vinda dessa felicidade – pois esperá-la vivendo era sua vigília de castidade.

Dia e noite não deixava apagar a vela – para prolongá-la na melhor das esperas.

A primeira calidez da primavera… mas aquilo era amor! A felicidade a deixava com um sorriso de filha. Cortara os cabelos e andava toda bem penteada. Só que a espera quase que não cabia mais nela. Era tão bom que Lóri corria o risco de se ultrapassar, de vir a perder a sua primeira morte primaveril, e, no suor de tanta espera tépida, como que morrer antes. Por curiosidade, morrer antes: pois já queria saber como era a nova estação.

Mas ia esperar. Ia esperar comendo com delicadeza e recato e avidez controlada cada mínima migalha de tudo, queria tudo pois nada era bom demais para a sua morte que era a sua vida tão eterna que hoje mesmo ela já existia e já era. (p. 118-9)

 

Então de súbito se acalmara. Nunca, até então, tivera a sensação de calma absoluta. Estava sentindo agora uma clareza tão grande que a anulava como pessoa atual e comum: era uma lucidez vazia, assim como um cálculo matemático perfeito do qual não se precisasse. Estava vendo claramente o vazio. E nem entendia aquilo que parte dela entendia. Que faria dessa lucidez? Sabia também que aquela sua clareza podia se tornar o inferno humano. Pois sabia que – em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade – essa clareza de realidade era um risco: “Apagai pois a minha flama, Deus, porque ela não me serve para os dias. Ajudai-me de novo a consistir de um modo mais possível. Eu consisto, eu consisto.”

De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário. E que a ela cabia sofrer o dia ou ter o prazer nele. Ela queria o prazer do extraordinário que era tão simples de encontrar nas coisas comuns: não era necessário que a coisa fosse extraordinária para que nela se sentisse o extraordinário.

Durante dias parecia meditar profundamente mas não meditava em nada: só sentia o leve prazer, inclusive físico, de bem-estar. (p. 121-2)

 

Era como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não era a morte, era a vida incomensurável que chegava a ter a grandeza da morte. (p.123)

 

De novo Ulisses a ajudara, sobretudo com o tom de sua voz que era muito rica em inflexões. E Lóri pensou que talvez essa fosse uma das experiências humanas e animais mais importantes: a de pedir mudamente socorro e mudamente este socorro ser dado. Pois, apesar das palavras trocadas, fora mudamente que ele a havia ajudado. Lóri se sentia como se fosse um tigre perigoso com uma flecha cravada na carne, e que estivesse rondando devagar as pessoas medrosas para descobrir quem lhe tiraria a dor. E então um homem, Ulisses, tivesse sentido que um tigre ferido não é perigoso. E aproximando-se da fera, sem medo de tocá-la, tivesse arrancado com cuidado a flecha fincada.

E o tigre? Não, certas coisas nem pessoas nem animais podiam agradecer. Então ela, o tigre, dera umas voltas vagarosas em frente ao homem, hesitara, lambera uma das patas e depois, como não era a palavra ou o grunhido o que tinha importância, afastara-se silenciosamente. Lóri nunca esqueceria a ajuda que recebera quando ela só conseguiria gaguejar de medo. (p. 124)

 

Um dia procurou entre os seus papéis espalhados pelas gavetas da casa a prova do melhor aluno de sua classe, que ela queria rever para poder guiar mais o menino. E não achava, embora se lembrasse de que, na hora de guardá-la, prestara atenção para não perdê-la, pois era muito preciosa a composição. A procura se tornava inútil. Então ela se perguntou, como antes fazia, já que perdia tanto as coisas, que guardava: se eu fosse eu e tivesse um documento importante para guardar que lugar eu escolheria? Na maioria das vezes isso a guiava a achar o perdido.

Mas desta vez ficou tão impressionada pela frase “se eu fosse eu” que a procura da prova se tornara secundária, e ela começava sem querer a pensar, o que nela era sentir.

E não se sentia cômoda. “Se eu fosse eu” provocara um constrangimento: a mentira em que se havia acomodado acabava de ser levemente locomotiva do lugar onde se acomodara. No entanto já lera biografias de pessoas que de repente passam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida, pelo menos de vida interior. Lóri achava que se ela fosse ela, os conhecidos não a cumprimentariam na rua porque até sua fisionomia teria mudado. “Se eu fosse eu” parecia representar o maior perigo de viver, parecia a entrada nova do desconhecido.

No entanto, Lóri tinha a intuição de que, passadas as primeiras perturbações da festa íntima que haveria, ela teria enfim a experiência do mundo. Bem sabia, experimentaria enfim em pleno a dor do mundo. E a sua própria dor de criatura mortal, a dor que aprendera a não sentir. Mas também seria por vezes tomada de um êxtase de prazer puro e legítimo que ela mal podia adivinhar. Aliás já estava adivinhando porque se sentiu sorrindo e também sentiu uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais. Ser-se o que se é, era grande demais e incontrolável. Lóri tinha uma espécie de receio de ir longe demais. Sempre se retinha um pouco como se retivesse as rédeas de um cavalo que poderia galopar e levá-la Deus sabe aonde. Ela se guardava. Por que e para quê? Para o que estava ela se poupando? Era um certo medo de sua capacidade, pequena ou grande. Talvez se contivesse por medo de não saber os limites de uma pessoa. (p. 129)

 

Foi no dia seguinte que entrando em casa viu a maçã solta sobre a mesa.

Era uma maçã vermelha, de casca lisa e resistente. Pegou a maçã com as duas mãos: era fresca e pesada. Colocou-a de novo sobre a mesa para vê-la como antes. E era como se visse a fotografia de uma maçã no espaço vazio.

Depois de examiná-la, de revirá-la, de ver como nunca vira a sua redondez e sua cor escarlate – então devagar, deu-lhe uma mordida.

E, oh Deus, como se fosse a maçã proibida do paraíso, mas que ela agora já conhecesse o bem, e não só o mal como antes. Ao contrário de Eva, ao morder a maçã entrava no paraíso.

Só deu uma mordida e depositou a maçã na mesa. Porque alguma coisa desconhecida estava suavemente acontecendo. Era o começo – de um estado de graça.

Só quem já tivesse estado em graça, poderia reconhecer o que ela sentia. Não se tratava de uma inspiração, que era uma graça especial que tantas vezes acontecia aos que lidavam com arte.

O estado de graça em que estava não era usado para nada. Era como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existia. Nesse estado, além da tranquila felicidade que se irradiava de pessoas lembradas e de coisas, havia uma lucidez que Lóri só chamava de leve porque na graça tudo era tão, tão leve. Era uma lucidez de quem não adivinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. Que não lhe perguntassem o que, pois só poderia responder do mesmo modo infantil: sem esforço, sabe-se.

E havia uma bem-aventurança física que a nada se comparava. O corpo se transformava num dom. E ela sentia que era um dom porque estava experimentando, de uma fonte direta, a dádiva indubitável de existir materialmente.

No estado de graça, via-se a profunda beleza, antes inatingível, de outra pessoa. Tudo, aliás, ganhava uma espécie de nimbo que não era imaginário: vinha do esplendor da irradiação quase matemática das coisas e das pessoas. Passava-se a sentir que tudo o que existe – pessoa ou coisa – respirava e exalava uma espécie de finíssimo resplendor de energia. Esta energia é a maior verdade do mundo e é impalpável.

Nem de longe Lóri podia imaginar o que devia ser o estado de graça dos santos. Aquele estado ela jamais conhecera e nem sequer conseguia adivinhá-lo. O que lhe acontecia era apenas o estado de graça de uma pessoa comum que de súbito se torna real, porque é comum e humana e reconhecível e tem olhos e ouvidos para ver e ouvir.

As descobertas naquele estado eram indizíveis e incomunicáveis. Ela se manteve sentada, quieta, silenciosa. Era como uma anunciação. Não sendo porém precedida pelos anjos que, supunha ela, antecediam a graça dos santos. Mas era como se o anjo da vida viesse anunciar-lhe o mundo.

Depois lentamente saiu daquela situação. Não como se tivesse estado em transe – não houvera nenhum transe – saía-se devagar, com um suspiro de quem teve o mundo como este o é. Também já era um suspiro de saudade. Pois tendo experimentado ganhar um corpo e uma alma e a terra e o céu, queria-se mais e mais. Mas era inútil desejar: só vinha espontaneamente.

Lóri não sabia explicar por que, mas achava que os animais entravam com mais frequência na graça de existir do que os humanos. Só que aqueles não sabiam, e os humanos percebiam. Os humanos tinham obstáculos que não dificultavam a vida dos animais, como raciocínio, lógica, compreensão. Enquanto que os animais tinham esplendidez daquilo que é direto e se dirige direto.

O Deus sabia o que fazia: Lóri achava que estava certo o estado de graça não nos ser dado frequentemente. Se fosse, talvez passássemos definitivamente para o “outro lado” da vida, que esse outro lado também era real mas ninguém nos entenderia jamais: perderíamos a linguagem em comum.

Também era bom que não viesse tantas vezes quantas queria: porque ela poderia se habituar à felicidade. Sim, porque em estado de graça se era muito feliz. E habituar-se à felicidade, seria um perigo social. Ficaríamos mais egoístas, porque as pessoas felizes o eram, menos sensíveis à dor humana, não sentiríamos a necessidade de procurar ajudar os que precisavam – tudo por termos na graça a compreensão e o resumo da vida.

Não, nem que dependesse de Lóri, ela não quereria ter com muita frequência o estado de graça. Seria como cair num vício, iria atraí-la como um vício, ela se tornaria contemplativa como os tomadores de ópio. E se aparecesse mais a miúdo, Lóri tinha a certeza de que abusaria: passaria a querer viver permanentemente em estado de graça. E isto representaria uma fuga imperdoável ao destino humano, que era feito de luta e sofrimento e perplexidade e alegrias.

Também era bom que o estado de graça demorasse poucos momentos. Se durasse mais, ela bem sabia, ela que conhecia suas ambições quase infantis terminaria tentando entrar nos mistérios da Natureza. No que ela tentasse, aliás, tinha a certeza de que a graça despareceria. Pois a graça era uma dádiva e, se nada exigia, se desvaneceria se passássemos a exigir dela uma resposta. Era preciso não esquecer que o estado de graça era apenas uma pequena abertura para o mundo que era uma espécie de paraíso – mas não era uma entrada nele, nem dava o direito de se comer dos frutos de seus pomares.

Lóri saiu do estado de graça com o rosto liso, os olhos abertos e pensativos e, embora não tivesse sorrido, era como se o corpo todo acabasse de sair de um sorriso suave. E saíra melhor criatura do que entrara.

Havia experimentado alguma coisa que parecia redimir a condição humana, embora ao mesmo tempo ficassem acentuados os estreitos limites dessa condição. E exatamente porque depois da graça a condição humana se revelava na sua pobreza implorante, aprendia-se a amar mais, a esperar mais. Passava-se a ter uma espécie de confiança no sofrimento e em seus caminhos tantas vezes intoleráveis.

Havia dias que eram tão áridos e desérticos que ela daria anos de sua vida em troca de uns minutos de graça. (p. 135-7)

 

Foi beber devagar o copo d’água no terraço. Sentiu pelo cheiro do ar e pela inquietação dos ramos das árvores que ia chover dali a pouco. Não se via a lua. O ar estava abafado, o cheiro de jasmim vinha forte do jasmineiro da vizinha. Lóri ficou de pé no terraço, um pouco sufocada pelo perfume intenso. Através da embriaguez do jasmim, por um instante uma revelação lhe veio, sob a forma de um sentimento – e no instante seguinte ela esquecera o que soubera através da revelação. Era como se o pacto com o Deus fosse este: ver e esquecer, para não ser fulminada pelo intolerável saber.

Ali em pé na semiescuridão do terraço, de repente mais suave, veio-lhe outra revelação que durou pois era o resultado intuitivo de coisas que ela pensara antes racionalmente. O que lhe veio foi a levemente assustadora certeza de que os nossos sentimentos e pensamentos são tão sobrenaturais como uma história passada depois da morte. E ela não compreendeu o que queria dizer com isso. Ela o deixou ficar, ao pensamento, porque sabia que ele encobria outro, mais profundo e mais compreensível. Simplesmente, com o copo de água na mão, descobria que pensar não lhe era natural. Depois refletiu um pouco, com a cabeça inclinada para um lado, que não tinha um dia a dia. Era uma vida a vida. E que a vida era sobrenatural.

Naquela hora da noite conhecia esse grande susto de estar viva, tendo como único amparo apenas o desamparo de estar viva. A vida era tão forte que se amparava no próprio desamparo. De estar viva – sentiu ela – teria de agora em diante, que fazer o seu motivo e tema. Com curiosidade meiga, envolvida pelo cheiro de jasmim, atenta à fome de existir, e atenta à própria atenção, parecia estar comendo delicadamente viva o que era muito seu. A fome de viver, meu Deus. Até que ponto ela ia na miséria da necessidade: trocaria uma eternidade de depois da morte pela eternidade enquanto viva. (p. 142-3)

 

Então começou finalmente a chover.

Antes uma chuva rala, depois tão densa que fazia barulho em todos os telhados.

Já sei, pensou de repente. Soube que estava procurando na chuva uma alegria tão grande que se tornasse aguda, e que a pusesse em contato com uma agudez que se parecia com a agudez da dor. Mas fora inútil a procura. Estava à porta do terraço e só acontecia isto: ela via a chuva e a chuva caía de acordo com ela. Ela e a chuva estavam ocupadas em fluir com violência. […]

Nunca imaginara que uma vez o mundo e ela chegassem a esse ponto de trigo maduro. A chuva e Lóri estavam tão juntas como a água da chuva estava ligada à chuva. E ela, Lóri, não estava agradecendo nada. Não tivesse ela, logo depois de nascer tomado por acaso e forçosamente o caminho que tomara – qual? – e teria sido sempre o que realmente ela estava sendo: uma camponesa que está num campo onde chove. Nem sequer agradecendo ao Deus ou à Natureza. A chuva também não agradecia nada. Sem gratidão ou ingratidão, Lóri era uma mulher, era uma pessoa, era uma atenção, era um corpo habitado olhando a chuva grossa cair. Assim como a chuva não era grata por não ser dura como uma pedra: ela era a chuva. Talvez fosse isso, porém exatamente isso: viva. E apesar de apenas viva era de uma alegria mansa, de cavalo que come na mão da gente. Lóri estava mansamente feliz. (p. 145)

 

– Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão? Pois é a coisa mais última que se pode dar de si, disse Ulisses. (p. 158)

 

Para Lóri a atmosfera era de milagre. Ela havia atingido o impossível de si mesma. (p. 158)

 

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