Archive for the ‘poesias’ Category

Dos meus anseios

sexta-feira, março 11th, 2011

Pra onde o vento me levar…
Mundo, vasto mundo.

A vida é muito dura,
a vida é muito linda,
a vida é muito.

Chuto o balde, mudo tudo,
só pra seguir meu coração (discreto e inquieto).
Sei que sou nada, sei que sou tudo,
sei que às vezes nem sei quem sou.

Mas vou.
Dando meus passos tortos, expelindo meus poemas baratos.
Na fluidez.

Deixei minhas certezas pra trás pra conseguir ver melhor de longe.
Com a certeza de que não há certezas.

Onde vou parar?
Vou parar?

A vida só é viva se em movimento.
Por que insistem em algemá-la?
Medi-la
Pesá-la
Classificá-la
Programá-la.

Até não ser mais vida.

Vou fazer uma sopa desse quebra-cabeças.
As peças não se encaixam. Não são de encaixar.

Um pouco mais de
Tolerância
Vontade
Confiança
Criatividade.
Amor.

Capacidade de enxergar que as coisas sempre mudam,
o eterno movimento,
os ciclos evolutivos.

Não só pode ser diferente como vai ser diferente.
Mas diferente como?

O mundo depende (um pouco) de mim.
Eu, pequenino microorganismo do cosmos.
Eu dependo (um muito) do mundo.
O mundo, pequena célula do todo.

E é lindo. É foda mas é lindo.

E quem disse que ia ser fácil?

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Singelo

segunda-feira, novembro 15th, 2010

Meu grito ecoa, corre, voa
se evade de mim sem pedir passagem.

Pareço tão forte, dispenso ajuda
mas ainda sou aquela que aponta com o dedo a flor lilás.

Sozinha com minhas contemplações, me emociono:
cores de fim de tarde,
estrela brilhando forte abaixo do pálido riso amarelo.

Não preciso de muito dinheiro, graças à Pacha
só um pouco de diversão, silêncio e poesia.

04360007

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A Flor e a Náusea

quinta-feira, agosto 19th, 2010

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Uma flor nasceu na rua!

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
Ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Carlos Drummond de Andrade

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Aqui e ali

quinta-feira, agosto 12th, 2010

Sempre sinto que estou atrasada,
mas agem como se estivesse correndo demais.
Atrasada pra quê? Correndo pra onde?

Me engano fazendo de conta que controle meu destino,
que brinca comigo
– ao menos me faz acreditar que me gosta,
que zela por mim.

Sabe aquela coisa que não dá para explicar?
É bem isso.
Sou senhora, escrava e rebelde.
Me imponho, mas ignoro o que há dentro de mim.

E daí? E você? Sabe quem é?
Vou dançando. Cantando.
Se não sei quem sou, me invento.
Há coisas que ainda não é hora de abrir.

Me vou. Vamos?
O que será que há além daqui?

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Do portão da casa

segunda-feira, agosto 2nd, 2010

Abri o portão
O coração rangeu.
Rangeu
dentro de mim
e eu sorri
como um lavrador sorri
com seu rosto de terra
e a boca rasgada de riso
diante da terra lavrada.

Abri o portão partido. Partiu-me
em dois horizontes.
Em dois gomos de um fruto fugaz.
Igual e desigual.

Abri o portão da minha casa.
E a ferrugem (ou seria orvalho?)
desatou o nó da palavra
pendurada por um fio
no fundo da garganta.

Abri o portão da casa de minha infância.
Mapa dobrado dentro de mim
desdobrado,
mapa mudo
onde afundei
em areia movediça
palavra por palavra.

Abri o portão da casa.
A boca do jardim, a travessia
do mundo.
O tempo fendeu
dentro e fora de onde vim
e espatifou as asas de papel
que vesti em mim.

Manchei roupa, amor e ávidos tatos
em polpa de fruto proibido.

Puiu-se a pele nova na vivência,
no corpo dividido.
Entre sonhos, frêmitos, tristuras
e o real vivido.

Pois ainda que sonhe o tempo todo
ter o tempo de encontrar a verdade
em minhas mãos,
nada sei de mim
além de fotografias estampadas no jornal.
E pouca coisa mais saberei
ainda que acredite o contrário a cada instante
e que meu campo de batalha comigo mesmo
dure a vida inteira deste sonho
como dura o sonho a vida inteira
e, muitas vezes, se projete
além do horizonte aberto
do portão,
pouco mais ou nada mais
saberei.

A caixa vazia
de um velho relógio colonial
desliza sobre as águas do rio Itajaí-Açu
entre a lua cheia partida
e a nuvem veloz.

E todas estas palavras
e outras tantas nem escritas nem ditas
(esfacelada luz de uma estrela sem face nem foice)
fazem parte da minha biografia transparente.
Nada menos
nada mais.

Lindolf Bell, poeta catarinense pouco conhecido fora de suas terras, apesar de sua densa obra.

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quero quero quero

terça-feira, junho 15th, 2010

sim, quero mais, muito mais,
e daí?

por isso me movo, rosno, mordo
– antes a ferida aberta que o ser estagnado

por isso canto e ouço

não tenho metas, retas
somente ideais, curvas e setas

não quero me embalar em papel celofane
– me cansam as exigências do mundo
(por onde passo distraída enquanto observam vitrines)

eu quero a sorte de um amor tranquilo
com sabor de pera mordida

quero olhares entregues e mãos abertas
sonos pesados e passos leves

quero a terra livre e o diálogo franco

quero

quero

quero

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Tudo meu

quinta-feira, abril 1st, 2010

Sinto que penso que sei o que acho que sonho
Ouço o silêncio noturno contar-me segredos do tolo e do rei

Fecha os olhos
Sente o cheiro
A rosa que surge na praça brotou no cimento e se ergue no ar

A poesia, a rua, o beco
o castelo e o pedreiro
a bruxa e o cocar

É tudo meu
É meu cantar

O tempo parado na sala
o pão e a mortalha
o medo de amar

É tudo meu
É caminhar

É o equilíbrio entre o chão e o Universo
na tênue linha que corta o ar

Mal sei o que sou,
identidade entre névoas,
pistas discretas indicam meu Eu

Cultivo com carinho
os retalhos que me criam
colagem efêmera de fotografias de Deus

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Para quem?

terça-feira, janeiro 26th, 2010

Casa de Cultura de Paraty, eu e os funcionários

Nos quadros que retratam a colonização,
somente nomes de pintores europeus

“Engraçado que é sempre os outros que contam a nossa história”, desabafei

… silêncio …

“Não tem arte indígena?”

“Ahn?”

“Arte indígena.”

“O quê??”

“A-r-t-e i-n-d-í-g-e-n-a!”

“Acho que tem uma peça de artesanato lá em cima.
Mas foram os espertos que contaram a história.
Os índios não tinham papel e pincel.”

Artesanato indígena
no chão das ruas

Arte branca
em galerias e museus

Pedras, igrejas
e casarões coloniais
Macaquinhos pulando
sobre telhados e quintais

Montanhas de Mata Atlântica,
porto e cachoeira
Paraty, mas não para aqueles
de pele amarela e negra

Paraty, gringo
Paraty, elite branca

Paraty

mas não para nós

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Livra o nome de inúteis sons

segunda-feira, outubro 26th, 2009

Livra o nome
de inúteis sons
de letras a mais
ou a menos

Livra o destino
do nome gravado
Do nome escrito
em areia do tempo,
no imutável tempo
do nome

Livra a alma
de escudos, estrelas demais
De tudo supérfluo,
de toda superfície,
do aluamento do ser

Livra a liberdade
de todo lastro
De qualquer lustro
De vocábulos insólitos, grandiloqüentes,
feitos de nada,
vocábulos de enfeite, confeitos

Livra-te do palmo de terra
que te cabe
De panfletos do sentimentalismo
Dos improvisos da paixão

Livra-te de ti
antes de tudo
Livra-te a fio de navalha
Livra-te a fio de idéia
que da dor faz palha

Livra-te de idéias fixas
Porque a dor alheia
também é nossa

Lindolf Bell

Poeta catarinense, pouco conhecido fora de suas terras, apesar de sua densa obra. O primeiro de alguns poemas dele que disponibilizarei aqui.

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O Homem e o Tempo

segunda-feira, outubro 12th, 2009

Ele sonhava encontrar o Tempo
tirar suas sandálias
e convidá-lo a cear

O diálogo seria o silêncio
sem pratos, sem mesa
Ele e o Tempo
sentados no chão de luar

Na fogueira da criação
assariam seu jantar
comeriam a vida, a morte
e a semente do recomeçar

Ele sonhava encontrar o Tempo
enquanto o Tempo é o próprio sonhar

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