sexta-feira, 25 de abril de 2014

Índice: Viajeros – nos fluxos da América do Sul

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Introdução

Questão de desordem

A vagabundagem em extinção

Borboletas no estômago

Pobre (e rico) Paraguai

Troca de pele

Malabares

Ruínas e “progresso”

Patriotismo multinacional

A lenda do ñanduti

Amém

O país da informalidade

Haciendo dedo

Vida de mochileiro

Admirável mundo novo

Homem primata

As várias faces de Buenos Aires

Mudança de tempo

Considerações finais sobre uma nação

El gaucho y el tango

Uma espiadinha no Chile

De Cochabamba à cidade mais alta do mundo

Sabedorias ancestrais, Oruro e deserto de sal

Entre passeatas e cachoeiras

Bolívia: um outro mundo

Peru andino

Um circo armado pra me convencer

As ruínas de Ollantaytambo

De volta ao Brasil

Vilarejo

Percepções culturais

No caminho de volta ao lar

Aquela tal malandragem não existe mais?

 

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segunda-feira, 10 de março de 2014

Paranoia

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Bater as botas.

Comer capim pela raiz.

Vestir o paletó de madeira.

Partir dessa pra uma melhor.

 

Morrer.

 

Aconteceu. Antes de dormir, no escuro, deitada na cama.

Em algum momento eu percebi, realmente, que sim, eu vou morrer.

Eu não vou mais existir.

E eu simplesmente não sei o que vai acontecer.

 

E pode ser a qualquer momento.

 

Pela primeira vez tive clareza disso, senti, soube. E tive medo. Muito medo.

Raul entende da morte. Engraçado que quando rolam esses revelações pessoais tão profundas sobre algo tão óbvio mas tão obscuro, normalmente Raul tem alguma coisa pra dizer sobre isso.

(Quando era criança eu achava muito esquisito imaginar que sempre tinha alguém vendo fazer tudo o que se faz dentro do banheiro.)

 

E pensei, sim, talvez o óbvio – mas o difícil óbvio -, que há de se conviver com a virtualidade da morte.

Até que ela se materialize. E o ciclo dessa individualidade se encerre.

 

Como?

Não sei.

 

Vivamos.

Ninguém morreu.

 

Dizem que um mestre espiritual conhece, de antemão, o momento de sua morte.

E consegue não enlouquecer com sua inexorabilidade.

 

 

Outro dia aconteceu outra coisa. Deitada na cama. Antes de dormir.

(Será essa a hora em que tudo acontece?)

Dessa vez a luz tava acesa.

 

eu ontem tive a impressão

que deus quis falar comigo

não lhe dei ouvidos

quem sou eu para falar com deus?

ele que cuide dos seus assuntos

eu cuido dos meus.

 

Paulo Leminski

 

 

Deus quis falar comigo, no teto do meu quarto.

Era como um pequeno redemoinho, uma tênue energia que girava.

Se movia, era vivo, ali, no teto do meu quarto, ao lado da luminária chinesa.

Ela se mexeu como se houvesse vento. Mas todas as portas e janelas estavam fechadas.

 

E eu tive medo. E não quis ver.

 

Ele que cuide dos seus.

 

 

 

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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Travessia

Estava eu na barca pra Superagui, 2h30 de viagem desde Paranaguá se o dia estiver bom, como estava – aquele céu azulão com o sol reinando orgulhoso no meio.

Muitos moradores da ilha, poucos turistas – e lá estava eu com minha câmera fotográfica, dessas que intimidam as pessoas, não deixando dúvidas de em qual grupo eu me encaixava. Sentei sozinha, num banco no meio do barco. Na minha frente, de costas para o mar, havia uma senhorinha bem velhinha, lá pelos 80 anos. Magrinha, cabelo quase todo branquinho, pequena, aparentemente cega de um olho. Usava roupas simples, uma blusa rosa, uma saia de algodão vermelha que acabava no meio da canela. A janela do barco fazia um moldura na qual ela ficava à esquerda e outra senhora, à direita, uma de cada lado.

Durante a viagem ela veio se sentar ao meu lado – deve ter cansado de ficar torcendo a coluna para olhar a paisagem. Estava bastante quente e em algum momento senti que ela sentou bem perto de mim. Bem perto mesmo. Eu me afastei. Ela parecia não se importar, ou melhor, nem perceber, e, por mais que eu me esquivasse, ela se aproximava de novo. Minha pequena batalha pareceu inútil e larguei mão – um pouco de calor a mais não ia fazer grande diferença. E a coisa foi indo desse jeito até que no final da viagem ela estava com a mão em cima da minha perna – e ainda parecia nem perceber. Tinha uma naturalidade no seu gesto, uma autoridade doce no toque daquela figura quase mítica que pousava a mão nessa moça da cidade desacostumada ao afeto espontâneo, ao toque “estranho”.

Quando o barco atracou ela se apoiou em mim para tentar se levantar. Tentou duas vezes e não conseguiu, mesmo com sua bengala que pressionava o chão e sua mão que empurrava minha coxa. Percebi que ela era ainda mais frágil do que eu pensava. Apoiei suas costas, dei um breve empurrão, e ela foi.

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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Poeminha da madrugada ou o que fazer da insônia depois de ler Paulo Leminski

Eu sinto
uma imensa vontade
de te abraçar

Eu sinto
uma ânsia
de viajar

Eu sinto
fome mas não tem
nada pro jantar

Eu sinto
que o tempo não volta
ao mesmo tempo que é circular

Eu sinto
que o sonho
não vai acabar

Eu sinto
que o mundo muda
mesmo que devagar

Eu sinto
que o amor existe
mas não sabe se mostrar

Eu sinto
muito.

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sábado, 12 de outubro de 2013

da constante crise

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

De quando a vista molha e tudo sente.

 

A crise existencial bimestral. É mais fácil rotular assim.

Mas a verdade é que “os objetivos pessoais” me são muito pequenos.

Não consigo admirar verdadeiramente a segurança. Ao menos, não em mim.

 

Me encanta o salto. Porque a mudança é tão necessária. O universo é tão grande.

E o mundo dos humanos é tão triste. Belo porém triste.

 

Talvez, realmente, o meu maior egoísmo seja a vontade de querer ajudar.

E sinto que ajudo quando me permito simplesmente ser.

Sem os personagens sociais, sem as diversas máscaras que,

inconscientemente ou conscientemente, alterno.

 

Me cansam as obrigações, os egos, os horários, os ritos da eletricidade.

Me cansa o que esperam de mim. Me cansam os planos que, no fim, me faço.

 

Talvez seja muito romantismo. Ou fuga, como dizem os analistas sobre os que não se adaptam.

Mas talvez ainda seja que a vida que pulsa dentro de mim se entristece com a falta de vida disso tudo.

Quem sabe a loucura tenha mais sentido que essa sanidade doente.

Mas já estive nessa encruzilhada. Já neguei a loucura e a solidão.

Pertenço a esse mundo. Me sinto filha e mãe dele.

Filha rebelde. Mãe zelosa.

 

A responsabilidade frente ao mundo

e o ímpeto expansivo de vida

se chocam.

 

Entre asas e raízes

tem um coração sufocado.

Ficou um bom tempo preso na garganta,

se escondeu, se perdeu e já não sabe mais como voltar.

 

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segunda-feira, 29 de julho de 2013

Imediação

O início, o fim, o meio. 2001: A Space Odyssey.

 

O desejo pelo contato imediato,

                          direto, sem mediação.

                                                  É possivel?

 

Mas se o ser humano possui,

inerentemente como ser natural e social,

ao menos duas formas de mediação – os sentidos e a cultura –

 

as únicas formas de relação imediata são

           o transe

                             o êxtase

                                             o nirvana.

ou ainda a morte.

“Morte, morte, morte que talvez seja o segredo dessa vida.”

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quinta-feira, 18 de julho de 2013

Decreto da abolição do trabalho pelo reencantamento da vida


no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

Paulo Leminski

Dancer in the dark

 

Decreto proibido que se trabalhe por algo em que não se acredita.

Decreto proibido o trabalho como tal.

 

De hoje em diante, todas e todos serão obrigados

a exercerem atividades que tenham sentido para si,

sendo estas não mais denominadas “trabalho”.

O referido sentido não precisa ser necessariamente lógico,

podendo ser também intuitivo-afetivo, de caráter abstrato.

 

Este decreto é irrevogável, dados a supremacia da vida sobre o mercado

e o direito de nos realizarmos plenamente enquanto seres humanos.

 

Toda forma de imposição de função a ser exercida,

devido a constrangimentos materiais e/ou ideológicos,

será punida com sua imediata suspensão e teatralização musical,

com o objetivo lúdico-pedagógico de demonstrar sua incoerência,

e também prático, sublimando qualquer resquício de dominação.

 

Este decreto entrará em vigor a partir do momento

em que a humanidade aceitar a dor e a delícia de ser livre,

não mais dando espaço à opressão dos seres uns sobre os outros

e ao aniquilamento da poesia.

 

 

Planeta Terra, 4.532.769.054 volta ao redor do Sol.

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domingo, 7 de julho de 2013

Insignificantes e sagrados ou A segunda versão do pecado original

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“Esta vida é uma viagem pena eu estar só de passagem.”

Paulo Leminski

 


O terceiro monolito. Frame do filme 2001: A Space Odyssey.

Quero ler muitos livros, conversar com várias pessoas sobre várias coisas, conhecer muitos lugares, viver inúmeras experiências, ouvir milhares de músicas, fazer as conexões mais loucas dentro do meu consciente e inconsciente inseparáveis. Quero aprender astronomia, astrologias, agricultura, fazer tudo o que puder com cultura e comunicação, escrever de um todo e me transmutar sempre e mais. Quero me entregar a ritos ancestrais e me confrontar com ciências ocultas e tradições milenares. Quero conhecer várias maneiras de as pessoas viverem e se organizarem. Quero viver e me organizar de várias maneiras. Quero me libertar do relógio e da obrigação; da insegurança, da desconfiança, da auto-censura. Do medo e da culpa.

 

Alguns acham que eu não faço nada, passo a vida bem tranquila sem querer trabalhar.

Outros acham que estou sempre envolvida em mil projetos e mil viagens e mil sonhos e vontades.

Há ainda os que não se importam.

Todos eles estão certos.

 

Tantas e tantas ânsias que uma só vida vai ser pouco por demais.

Despertam o sonho da eternidade. Inveja de Deus?

 

As fascinantes versões da imortalidade, tediosa e maldita, de borges e beuvoir perdem seu sentido.

Não há maldição.

 

“Ouça, foi isso que aconteceu: eles mentiram, venderam-lhe ideias de bem & mal, infundiram-lhe a desconfiança de seu próprio corpo & a vergonha pela sua condição de profeta do caos, inventaram palavras de nojo para seu amor molecular, hipnotizaram-no com a falta de atenção, entediaram-no com a civilização & todas as suas emoções mesquinhas.”*

 

Desipnotizada, eu seria imortalmente encantada.

Onde não há condicionamento, não há tédio.

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quinta-feira, 2 de maio de 2013

de mentirinha

te quero como que só pra preencher um vazio
te quero talvez só porque inventei de te querer
te quero compondo em ti um mosaico de outros três
te quero porque não quero mais não querer

te quero porque não te tenho
porque a poesia está em te querer

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segunda-feira, 25 de março de 2013

dérive

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O ato de dérive ou “andar a esmo” foi concebido como um exercício para deliberadamente revolucionar o dia-a-dia – uma espécie de vagar sem rumo através das ruas da cidade, um nomadismo visionário urbano que envolve uma abertura para a “cultura como natureza” (se compreendi a ideia corretamente) – que, por sua própria duração, inculcaria nos nômades uma propensão a examinar o maravilhoso; talvez nem sempre em sua forma benigna, mas, esperamos, sempre geradora de insights – seja através da arquitetura, do erótico, da aventura, bebidas & drogas, perigo, inspiração, o que quer que seja – da intensidade de percepções & experiências não mediadas.

O termo paralelo no sufismo seria “jornada para os horizontes distantes”, ou simplesmente “jornada”, um exercício espiritual que combina as energias urbanas & nômades do Islã numa única trajetória, algumas vezes chamada de “Caravana do Verão”. Os dervixes fazem votos de viajar num determinado ritmo, nunca passando de mais do que sete ou quarenta noites numa mesma cidade, aceitando o que quer que aconteça, dirigindo-se para onde quer que os sinais & as coincidências, ou simplesmente os caprichos, os levem, movendo-se de um ponto de poder para outro, conscientes da “geografia sagrada”, do itinerário como significado, da topologia como simbologia.

Aqui outra constelação: Ibn Khaldur, Pé na Estrada (tanto o de Jack Kerouac quanto o de Jack London), a forma do romance picaresco em geral, o barão de Münchhausen, wanderjahr, Marco Polo, meninos numa floresta de verão suburbana, cavaleiros do rei Arthur procurando barulho, veados à caça de meninos, perambular de bar em bar com Melville, Poe, Baudelaire – ou fazer canoagem com Thoreau em Maine… a viagem como a antítese do turismo, espaço em vez de tempo.

– Hakim Bey em “Caos: terrorismo poético e outros crimes exemplares”. Grifos meus.

Novos Baianos, Mano Chao, Sidarta, Hesse, Kerouac, Thoreau, Che Guevara. Dervixes. Malucos de BR. Malandragem, vagabundagem evolutiva. A arte de se perder pra se encontrar, de romper com todos os papeis, de tudo o que se espera socialmente de um indivíduo para se descobrir – ou se criar. Ser quem você quiser, transpor a zona de conforto, aprender a pedir, saber em quem confiar, (re)encontrar essa luz tão preciosa abafada pelas empoeiradas cortinas do cotidiano – a intuição. Na construção de um ritmo próprio as hierarquias se confundem. Descobre-se o que realmente tem valor e que o tempo, sendo uma convenção, não existe. Invente o seu. Se permita, mas tenha olhos de ver e coração de ouvir. Deixe e receba um tanto. Vai, caminhante. É questão de desordem.

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