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Por uma sociedade mais feminina

domingo, maio 23rd, 2010

Michele Torinelli

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Seminário da Jornada de Agroecologia aborda questão de gênero

“Resistência não significa resistir ao que é novo. Resistência é permanecer com aquilo que é do nosso bem-viver, que nos garante a liberdade de vida”. Foi assim que Luciana Piovezan, coordenadora nacional do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), iniciou o seminário de gênero, uma entre as mais de quarenta atividades realizadas sexta-feira (21) na 9 ª Jornada de Agroecologia.

A partir de exemplos históricos da resistência feminina – Juçara, indígena que sobreviveu ao massacre do povo guarani no Rio Grande do Sul em 1729, e Aqualtune, princesa e guerreira africana que foi vendida como escrava para o Brasil e participou da fundação do quilombo dos Palmares – a coordenadora fez um balanço do processo histórico do patriarcado e da repressão da mulher.

Luciana explicou que grande parte das mulheres é responsável pela manutenção do cotidiano, da segurança e da soberania alimentar dos lares, dando sustentação à vida produtiva da sociedade. “70% desse trabalho, não remunerado, passa pela mão das mulheres”, indica. Na época da fundação, ao discutir qual nome assumiria, o MMC concluiu que o alimento é o que conecta as mulheres desde o sul ao norte do país, seja na etapa de cultivo ou preparo. Percebeu-se assim a profunda relação feminina com a agricultura, o alimento e a manutenção da família. “Entretanto, o trabalho da mulher é invisibilizado”, alerta.

Experiência agroecológica

Manoela Pereira, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e do Movimento dos Pequenos Agricultores, compartilhou sua experiência organizativa. “Há oito anos, mulheres da Via Campesina promovem um grande encontro no Dia Internacional da Mulher na região central do Paraná, de forma autônoma e itinerante”, conta Manoela.

Ela participa da Ceagro, escola de agroecologia e centro de desenvolvimento sustentável da região, onde mulheres atuam com plantas medicinais, produção agroecológica e comercialização de produtos. “Há necessidade de organizar cada vez mais os trabalhos e as iniciativas já presentes”, conclui.

Solidariedade e luta

A coordenadora do MMC apontou que a solidariedade, tão presente nas práticas femininas, é uma importante faceta do projeto de mudança social. “Ao sermos solidários, estamos indo contra um dos principais pilares do capitalismo: o individualismo”, acredita. De acordo com Luciana, o capitalismo não permite que a diversidade prevaleça – como ocorre nas práticas de monocultura – e gera a dominação, como a que se dá entre o homem e a mulher.

“Nós todos estarmos aqui em Francisco Beltrão, as mulheres estarem aqui, é um ato de resistência”, enfatizou Luciana. O MMC está articulado nacionalmente há cinco anos, e atua na construção de um projeto de agricultura camponesa ecológico, fundamentado na defesa da vida, na mudança das relações humanas e sociais e na conquista de direitos.

[…]

As mulheres organizadas
De fato representam perigo
Ainda mais quando o inimigo
É provocador e algoz
Por mais que seja feroz
Elas o esmagaram à mão.

Qual fúria de um furacão
Fizeram ouvir sua voz.
O que era gigante tombou
O que era valente não veio
O bicho era tão feio
Soltou bramidos de dor
E elas mostraram que o amor
À vida está acima de tudo
Mostraram elas pro mundo
O que se faz com o opressor!!!

Seu moço, eu nem sabia que sabia, de Isaura Isabel Conte

Poema inspirado na ocupação da Aracruz Celulose em 8 de março de 2006 – cerca de 2 mil mulheres da Via Campesina tomaram a fábrica com o objetivo de denunciar os estragos sociais e ambientais causados pelo monocultivo de eucaliptos.

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Agroecologia em contraposição ao agronegócio

quinta-feira, maio 20th, 2010

Texto e imagens por Michele Torinelli

de Francisco Beltrão

Debate com Plínio de Arruda Sampaio e Letícia Silva abre o segundo dia da Jornada de Agroecologia

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O primeiro painel da 9ª Jornada de Agroecologia, que acontece em Francisco Beltrão (PR), denuncia o modelo do agronegócio e apresenta a agroecologia como alternativa sustentável. Com o auditório lotado, Plínio de Arruda Sampaio, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), indica logo ao que veio: explicar como o capital atua na agricultura. Já Letícia Silva, gerente de normatização e avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), apresentou um panorama do comércio de agrotóxicos no país.

O capitalismo é caracterizado pela propriedade privada e pela busca do lucro. Contudo, não necessariamente o que dá lucro é o que satisfaz as necessidades da sociedade. “A gente tem que entender como o capitalista pensa. A cabeça dele funciona assim: onde eu coloco meu dinheiro para obter mais capital?”, ilustra Sampaio.

Na agricultura, a lógica é a mesma. O objetivo é obter lucro, e o que mais rende para o agronegócio é a exportação. “Está dando mais lucro vender para fora”, resume o presidente da ABRA. A técnica utilizada é a monocultura, que segundo o painelista, não convive bem com a pequena propriedade. A agroecologia vem justamente contrapor essa concepção. Seu objetivo é produzir alimento de qualidade, respeitando o ambiente e o próximo.

Agronegócio: cultura de morte

“O capital na agricultura é muito perigoso – ele precisa ser controlado”, alerta Sampaio. Os dados são alarmantes. Seis empresas controlam 80% do mercado brasileiro de agrotóxicos, o maior mercado mundial do produto. Foram comercializados mais de 790 mil toneladas de agrotóxicos no país em 2009, de acordo com o relatório da ANVISA, considerando somente o peso dos componentes (sem os produtos aos quais são agregados). “Isso dá uma média de 3 kg por habitante”, esclarece Letícia Silva.

Segundo a gerente da ANVISA, o capital dessas empresas transnacionais é maior que o PIB da maioria dos países da ONU – só no Brasil elas obtiveram 6,8 bilhões de dólares em 2009. Comparando com dados de 2008, o país consumiu mais que o dobro de agrotóxicos no período. “O relatório acaba com a lenda de que a liberação dos trangênicos diminuiria o uso de agrotóxicos”, contesta Letícia.

Escoamento de veneno

Mais do que lucrar no Brasil, empresas como Monsanto, Syngenta e Bayer enviam para cá produtos que foram proibidos nos EUA e na Europa por motivo de saúde pública. Além disso, outros agrotóxicos que já não eram mais utilizados no Brasil voltaram à circulação, pois as pragas estão cada vez mais resistentes.

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Letícia Silva, da Anvisa, durante sua fala. Ao lado, Plínio de Arruda Sampaio

Letícia conta que foi aprovado na União Européia o “direito à informação”, obrigando o agricultor que utiliza agrotóxicos a informar aos vizinhos a quantidade utilizada e respeitar a distância necessária para impedir a contaminação. Já no Brasil, não existe regulamentação semelhante.

Além de causar danos ao ser humano, os agrotóxicos são uma ameaça ao ecossistema. “O aquífero Guarani pode ser afetado e não há ninguém monitorando isso”, denuncia a gerente. “Podemos estar contaminando a maior reserva de água doce do mundo”, complementa.

Mudança de modelo

Ao final de sua fala, Letícia cobrou da sociedade civil que pressione o poder público , que diga “queremos que a ANVISA cuide de nossa saúde e não fique liberando veneno”. Em relação à propriedade da terra, Sampaio acredita em uma lei que restrinja o agronegócio. “É que nem um boi bravo; tem que cercar. Isso até agente poder acabar com ele”, provoca.

Os painelistas apontaram os dois principais pontos de uma renovação no campo: desconcentração da propriedade da terra, por meio de uma reforma agrária, e mudança no modo de cultivo, trocando a monocultura pela agroecologia. “Gente, precisamos da ajuda de vocês”, disse Letícia, convocando as 3 mil pessoas presentes.

“Hoje nós dependemos desse modelo. Mas num país socialista, o que vai valer é ter o povo alimentado e a natureza em equilíbrio”, acredita Sampaio. O objetivo, além da justiça entre os homens, é cultivar uma relação de integração com o meio. “A terra é nossa mãe. Dela nós viemos e para ela nós vamos voltar. A agroecologia é a sabedoria da vida”, acrescenta.

Veja mais sobre a Jornada de Agroecologia aqui

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