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Caminhos de uma psiquiatria rebelde

terça-feira, abril 28th, 2009

Em épocas de eletrochoques, Nise da Silveira enfrentou os procedimentos estabelecidos e apostou na arte e na interação como métodos de terapia psiquiátrica. Única mulher entre os 157 homens da turma de Faculdade de Medicina da Bahia a formar-se em 1926, foi presa dez anos depois pela posse de livros marxistas. Na prisão conheceu Olga Benário, Graciliano Ramos e outros participantes do movimento comunista, que se tornaram amigos seus.
Iniciou os trabalhos de terapia ocupacional no Brasil e fundou, em 1952, o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, documentando os trabalhos de seus pacientes nas oficinas de modelagem e pintura, valorizando-os como forma de compreender profundamente o universo interior do esquizofrênico.

A exposição Nise da Silveira – caminhos de uma psiquiatra rebelde, está aberta à visitação no Museu Oscar Niemeyer.

Ruptura

Uma coisa que me decepciona é a falta de compreensão de alguns médicos que aqui trabalham. Apesar de estar afirmado e reafirmado por grandes mestres da psiquiatria a utilidade da ocupação com fim terapêutico,  vários colegas meus não lhe dão o devido crédito. Acreditam mais em “choques” elétricos e outros processos. Talvez seja a influência da época que atravessamos: a era da máquina. A alma é colocada em segundo lugar. (Nise da Silveira)


Escultura produzida por esquizofrênico antes de passar pela lobotomia (cirurgia cerebral que atrofia funções do cérebro). Todas as esculuturas abaixo foram feitas pela mesma pessoa.
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Escultura produzida por esquizofrênico antes de passar pela lobotomia.
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Escultura produzida por esquizofrênico depois de passar pela lobotomia.
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Escultura produzida por esquizofrênico depois de passar pela lobotomia.

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Durante esses anos todos que passei afastada, entrou em voga na psiquiatria uma série de tratamentos e medicamentos novos que antes não se usavam. Aquele miserável daquele português, Egas Muniz, que ganhou o prêmio Nobel, tinha inventado a lobotomia. Outras novidades eram o eletrochoque, o choque de insulina e o de cariazol. Fui trabalhar numa enfermaria com um médico inteligente, mas que estava adaptado àquelas inovações. Então me disse:

– A senhora vai aprender as novas técnicas de tratamento. Vamos começar pelo eletrochoque.

Paramos diante da cama de um doente que estava ali para tomar eletrochoque. O psiquiatra apertou o botão e o homem entrou em convulsão. Ele então mandou levar aquele paciente para a enfermaria e pediu que trouxessem outro. Quando o novo paciente ficou pronto para a aplicação do choque, o médico me disse:

– Aperte o botão.

E eu respondi:

– Não aperto.

Aí começou a rebelde.

(Nise da Silveira)

 

Mandalas

Segundo a psiquiatria dominante, a cisão das diferentes funções psiquiátricas é uma das características mais importantes da esquizofrenia. Seria de esperar, muito logicamente, que as cisões internas se refletissem na produção plástica pela ruptura, pela fragmentação das formas. […] Entretando imagens circulares ou tendendo ao círculo, algumas irregulares, outras de estrutura bastantes complexa e harmoniosa, impunham sua presença na produção espontânea dos frequentadores do ateliê do hospital psiquiátrico. A analogia era extraordinarimente próxima entre essas imagens e aquelas descritas sob a denominação de mandala, em textos referentes às religiões orientais.

A configuração de mandala harmoniosa, dentro de um molde rigoroso, denotará intensa mobilização de forças auto-curativas para compensar a desordem interna.

Então pedi para que fotografassem algumas mandalas e as enviei com uma carta para C. G. Jung, explicando o que se passava. Foi um dos atos mais ousados da minha vida.


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Mandalas produzidas pelos frequentadores do ateliê de pintura.

Dessa maneira, Nise entrou em contato com Jung. Ele se interessou intensamente pelo seu trabalho, tanto que em 1956 inaugurou em Zurique uma exposição de pinturas do Museu de Imagens do Inconsciente, coordenado por Nise, no II Congresso Internacional de Psiquiatria. 

A configuração de mandalas é evidentemente um fenômeno que exprime tentativas de auto-cura não provenientes da reflexão. mas de um impulso instintivo. (Nise da Silveira)

As citações de Nise foram retiradas da exposição citada. Mais informações sobre a exposição aqui.

Mais informações sobre a trajetória de Nise da Silveira aqui.

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