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Viajeros – Questão de desordem

quinta-feira, abril 24th, 2008

Quem controla a minha vida?
Minha família? O dinheiro?
A preocupação com a estética?
Meus sonhos e ideais?
Meu corpo, como consciência de matéria?
Minhas aspirações profissionais?
Meus laços de amizade, de sangue, de sentimento?
Tudo isso. Ou nada.

Cruz e Sousa diria que o corpo é o cárcere da alma. Temo discordar. A maior das prisões é quando fazemos nossas as exigências do mundo. Amadurecer, estudar, casar… “Um emprego e uma namorada, quando você crescer”.
Buscamos esses padrões de segurança, mesmo contra nossa vontade, mesmo quando duvidamos desses estigmas sociais. Deixamos de lado nossa pureza, nossas loucuras, nossa dúvida existencial, para continuarmos rodando a engrenagem social.

Capitalismo selvagem, selva de pedra
Olho por olho, dente por dente.

Assim nos tornamos quem somos – atores procurando destaque no cenário mundial.

Reflexão trocada por verdades prontas
Cultura por entretenimento
Filosofia por auto-ajuda
Amor por atração
Sonhos por dinheiro

Tudo isso porque queremos, porque aceitamos o mais cômodo, embalado e pronto para consumo. Não sabemos mais ousar. Temos medo do futuro.
Tememos a noite, mas nos sentimos atraídos por ela.
O imprevisível nos fascina, mas fazemos tudo para evitá-lo.
Cada vez mais procuramos por “aventuras seguras nos fins-de-semana” para quebrar a rotina. Mas somos nós que construímos a rotina.

Procuramos nossa “cara metade”, “alma gêmea”, “o amor de nossas vidas”. Não sabemos aceitar os outros. Evitamos olhar nos olhos. Temos medo de nos expor, de transparecer nossas fragilidades e inseguranças. Criamos uma personagem social para esconder nossa real personalidade, ocultando nossas características mais pessoais e humanas.

Temos medo da solidão.
Temos medo do escuro,
do sofrimento, da desilusão.
Temos medo da vida.

Vivemos num quarto frio,
com paredes padronizadas de tempo e espaço.
Olhamos a vida pela janela
com olhos de fascinação e medo.
Poucos ousam pular.
Costumamos chamá-los de loucos ou gênios.
Eu os chamo de livres.

 

Escrevi esse texto em Curitiba em 2006, um pouco antes de sair de viagem. Encontrei-o no meu caderninho de rascunhos. A citação é de Raul Seixas, da música “Quando você crescer”.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

Veja o post anterior.

Veja o próximo.

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Aos contemplativos

terça-feira, abril 22nd, 2008

Há um notável quadro do pintor Kramskói, intitulado O Contemplativo. Uma floresta no inverno; sobre a estrada vê-se um mujique, vestido com um cafetã rasgado e com sapatos de tília. Ali está numa solidão profunda e parece refletir, mas não pensa, contempla alguma coisa. Se se desse nele um encontrão, estremeceria e olharia como quem desperta, mas sem compreender. Na verdade, voltaria logo a si, mas se lhe perguntassem em que pensava, certamente não se lembraria de nada, mas, em compensação, decerto guardaria para si a impressão sob cujo império se achava durante sua contemplação. Essas impressões são-lhe caras e se acumulam nele, imperceptivelmente, sem que o perceba; com que fim, ele o ignora. Um dia, talvez, depois de havê-las armazenado durante anos, deixará tudo e partirá para Jerusalém, a fim de tratar de sua salvação. Ou então deitará fogo à sua aldeia natal, talvez faça mesmo as duas coisas sucessivamente.
Trecho de Os irmãos Karamázovi, Fiódor M. Dostoiévski.

Contemplar, meditar, entrar em êxtase com o universo; não seriam acaso o mesmo? Certamente, das contemplações armazenadas, podem-se derivar os mais loucos produtos: a queima da aldeia natal, uma peregrinação santa ou um livro magistral. Não seria Dostoiévski um desses contemplativos?
Literatos, fotógrafos, compositores e intérpretes são alguns daqueles que manifestam o produto de suas contemplações. Com o tempo elas vão se concretizando, como egrégoras que sob o império da criatividade tomam formas inusitadas.
Contemplar é ver através dos olhos de Deus.

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