Don Juan e o caminho do guerreiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Trechos de Porta para o infinito, de Carlos Castaneda. São Paulo, Círculo do Livro.

 

 

As condições de um pássaro solitário são cinco:
Primeiro, que ele voe ao ponto mais alto;
Segundo, que não anseie por companhia, nem a de sua própria espécie;
Terceiro, que dirija seu bico para os céus;
Quarto, que não tenha uma cor definida;
Quinto, que tenha um canto muito suave.
(San Juan de la Cruz, Dichos de luz y amor)

 

p. 21
Contei a Don Juan que naquela ocasião eu também tive a noção de que parar o diálogo interior implicava algo mais do que simplesmente cancelar as palavras que eu me dizia. Todo o meu processo de pensar havia parado e eu me sentira praticamente suspenso, flutuando. Essa noção me provocara uma sensação de pânico e tive de recomeçar meu diálogo interior, como antídoto.
– Já lhe disse que o diálogo interior é o que nos prende à terra – disse Dom Juan. – O mundo é isso e aquilo somente porque falamos conosco dizendo que ele é isso e aquilo.
Don Juan explicou que a passagem para o mundo dos feiticeiros se abre depois que o guerreiro aprende a parar o diálogo interior.
– Modificar nossa concepção do mundo é o ponto nevrálgico da feitiçaria – disse ele. – E parar o diálogo interior é o único meio de conseguir isso. O resto é só enchimento. Agora você está em condições de saber que nada do que você viu ou fez, com a exceção de ter parado o diálogo interior, poderia só por si ter modificado alguma coisa em você, ou em sua concepção do mundo. A condição, naturalmente, é que essa modificação não seja perturbada. Agora, você pode compreender por que o mestre não domina seu aprendiz. Isso só provocaria obsessão e morbidez.

p. 26
– (…) Um guerreiro aceita seu destino, seja qual for, e o aceita na mais total humildade. Aceita com humildade aquilo que ele é, não como fonte de pesar, mas como um desafio vivo. É preciso tempo para cada um de nós compreender esse ponto e vivê-lo plenamente. Eu, por exemplo, detestava a simples menção da palavra humildade. Sou índio e nós índios sempre fomos humildes e nunca fizemos outra coisa senão curvar a cabeça. Pensei que a humildade não fazia parte da vida de um guerreiro. Mas estava enganado! Hoje sei que a humildade de um guerreiro não é a humildade de um mendigo. O guerreiro não curva a cabeça para ninguém, mas ao mesmo tempo não permite que pessoa alguma curve a cabeça para ele. O mendigo, ao contrário, prosta-se de joelhos por qualquer coisa e lambe as botas de quem quer que ele considere superior; mas, ao mesmo tempo, exige que alguém que lhe seja inferior lhe lamba as botas. Foi por isso que lhe disse antes que eu não sabia como se sentiam os mestres. Só conheço a humildade do guerreiro, e isso nunca permitirá que eu seja mestre de alguém.

 

p. 30
– Eis o defeito das palavras – disse ele, num tom tranquilizador. – Sempre nos obrigam a sentir-nos esclarecidos, mas, quando nos viramos para enfrentar o mundo, elas sempre nos falham e terminamos enfrentando o mundo como sempre o fizemos, sem esclarecimento. Por este motivo, o feiticeiro procura agir em vez de falar e para isso ele consegue uma nova descrição do mundo: uma nova descrição em que falar não é assim tão importante, e em que novos atos têm novos reflexos.

 

p. 38-9
– Sempre que o diálogo para, o mundo entra em colapso e facetas extraordinárias de nossos seres emergem, como se tivessem sido mantidas numa guarda severa por nossas palavras. Você é o que você é porque se diz a si mesmo que é assim.

 

p. 55
– É seu dever tranquilizar sua mente. Os guerreiros não conquistaram suas vitórias batendo com a cabeça de encontro aos muros e sim conquistando os muros. Os guerreiros saltam por cima dos muros; não os destroem.
– Como posso saltar por cima deste? – perguntei.
– Antes de tudo, acho um erro fatal você levar qualquer coisa tão à sério assim – disse ele, sentando-se ao meu lado. – Existem três tipos de maus hábitos que usamos repetidamente quando nos defrontamos com situações desconhecidas na vida. Primeiro, podemos não levar em consideração o que está acontecendo ou já aconteceu, e sentir que nunca aconteceu. Isso é o método do fanático. Segundo, podemos aceitar tudo pelas aparências e sentir que sabemos o que se está passando. Esse é o método do devoto. Terceiro, podemos ficar presos a um fato porque não conseguimos desprezá-lo, nem conseguimos aceitá-lo totalmente. Esse é o método do tolo. O seu método? Existe um quarto, o correto, o método do guerreiro. Um guerreiro age como se nada tivesse acontecido, jamais, porque não acredita em nada, e no entanto aceita tudo pelas aparências. Aceita sem aceitar e despreza sem desprezar. Nunca acha que sabe, nem sente que nada aconteceu. Age como se estivesse controlado, mesmo que esteja tremendo por dentro. Agir desse modo desfaz a obsessão.

 

p. 57
– Nós nos confundimos de propósito, sim. Nós todos temos conhecimento de nossos atos. Nossa razãozinha mesquinha propositadamente se transforma no monstro que se imagina. Mas ela é muito pequena para um molde tão grande.

p. 77
– Eu lhe disse que Genaro veio para lhe mostrar uma coisa, o mistério dos seres luminosos como sonhadores. Você queria saber a respeito do sósia. Começa com os sonhos. Mas aí você perguntou: “O que é o sósia?” E eu disse que o sósia é o próprio. O próprio sonha o sósia. Isso devia ser simples, só que não há nada de simples em nós. Talvez os sonhos normais do próprio sejam simples, mas isso não significa que o próprio seja simples. Uma vez que aprendeu a sonhar o sósia, o próprio chega a essa estranha encruzilhada e chega um momento em que a gente compreende que é o sósia que sonha o próprio.

 

p. 132-5
Eu disse a Don Juan que, por algum motivo estranho, tinha gostado muito deles.
– Não é assim tão estranho – retrucou ele. – Você deve ter sentido que o tonal deles é certo. É certo, mas não para a nossa época. Provavelmente sentiu que eles parecem crianças. E são. E isso é muito duro. Eu os compreendo melhor, e assim não pude deixar de sentir um pouco de tristeza. Os índios são como os cães, nada possuem. Mas isso é da natureza da sorte deles e eu não deveria ficar triste. Minha tristeza, claro, é uma forma de eu me entregar.
– De onde eles são, Don Juan?
– Das Sierras. Vieram aqui na esperança de fazer fortuna. Querem ser comerciantes. São irmãos. Eu lhes disse que também venho das Sierras e que também sou comerciante. Disse que você era meu sócio. O dinheiro que lhes demos foi uma prenda; um guerreiro deve dar dessas prendas o tempo todo. Sem dúvida eles precisam do dinheiro, mas a necessidade não deve ser uma consideração essencial para uma prenda. O que se procura é o sentimento. Eu, pessoalmente, fiquei comovido ao ver aqueles três. Os índios são os perdedores de nossa época. A decadência deles começou com os espanhóis e agora, sob o reino de seus descendentes, os índios perderam tudo. Não é exagero dizer que os índios perderam seu tonal.
– Isso é uma metáfora, Don Juan?
– Não. É uma verdade. O tonal é muito vulnerável. Não pode suportar maus-tratos. O homem branco, desde o dia em que pisou nesta terra, sistematicamente, vem destruindo não apenas o tonal índio de cada época, como ainda o tonal pessoal de cada índio. É fácil deduzir que, para a média dos índios pobres, o branco tem sido um verdadeiro inferno. No entanto, a ironia é que, para outro tipo de índio, tem sido uma felicidade.
– De quem está falando? Que tipo de índio é esse?
– O feiticeiro. Para o feiticeiro, a Conquista foi o desafio de toda uma vida. Eles foram os únicos que não foram destruídos por ela, mas se adaptaram e a utilizaram para a sua vantagem.
– Como foi possível, Don Juan? Eu tinha a impressão de que os espanhóis não deixaram pedra sobre pedra.
– Digamos que eles revolveram todas as pedras que estavam dentro dos limites de seu próprio tonal. Na vida dos índios, porém, havia coisas que eram incompreensíveis para o branco; essas coisas ele nem notou. Talvez fosse pura sorte dos feiticeiros, ou talvez tenha sido sua sabedoria que os tenha salvado. Depois que o tonal da época e o tonal pessoal de cada índio foi arrasado, os feiticeiros viram-se agarrados à única coisa qua permanecia inconteste, o nagual. Em outras palavras, o tonal refugiou-se no nagual. Isso não poderia ter acontecido não fossem as condições desesperadoras de um povo vencido. Os homens de conhecimento de hoje são o produto dessas condições e os conhecedores finais do nagual, já que foram deixados ali completamente em paz. Lá, o branco nunca se aventurou. Na verdade, ele nem tem ideia de que existe.
Nesse ponto senti-me obrigado a apresentar um argumento. Contestei sinceramente, dizendo que no pensamento europeu nós tínhamos conhecimento do que ele chamava de nagual. Apresentei o conceito do Ego Transcendental, ou o observador não observado presente em todos os nossos pensamentos, percepções e sentimentos. Expliquei a Dom Juan que o indivíduo podia perceber-se ou intuir-se, como ser, por meio do Ego Transcendental, pois era esta a única coisa capaz de julgamento, capaz de revelar a realidade dentro do reino de sua consciência.
Dom Juan não se alterou. Riu-se.
– Revelar a realidade – disse ele, me imitando. – Isso é o tonal.
Argumentei que o tonal pode ser chamado o Ego Empírico encontrado no nosso fluxo passageiro de consciência ou experiência, enquanto o Ego Transcendental se encontrava por trás desse fluxo.
– Observando, imagino – disse ele, zombando.
– Isso mesmo. Observando-se.
– Eu o ouço falar. Mas você não está dizendo nada. O nagual não é experiência, nem intuição, nem consciência. Esses termos e tudo o mais que você possa dizer são apenas itens na ilha do tonal. O nagual, ao contrário, é apenas o efeito. O tonal começa ao nascer e termina na morte, mas o nagual nunca termina. O nagual não tem limites. Já disse que o nagual está onde paira o poder; por isso foi apenas um meio de me referir ao assunto. Por causa de seu efeito, talvez o nagual possa ser mais bem compreendido em termos de poder. Por exemplo, quando você se sentiu dormente e sem poder falar hoje, na verdade eu o estava acalmando; isto é, o meu nagual estava agindo sobre você.
– Como é que isso é possível, Dom Juan?
– Você não vai acreditar, mas ninguém sabe como. O que eu sei é que eu queria toda sua atenção e aí o meu nagual começou a trabalhar em você. Sei disso porque posso ver o efeito, mas não sei como é que age.
Ele ficou calado por um momento. Eu queria continuar no mesmo assunto. Tentei fazer uma pergunta; ele não o permitiu.
– Pode-se dizer que o nagual explica a criatividade. – disse ele por fim, olhando-me de modo penetrante. – O nagual é a única parte de nós que consegue criar.
Ele ficou quieto, olhando pra mim. Senti que estava positivamente conduzindo-me para um setor sobre o qual eu queria que desse mais explicações. Ele dissera que o tonal não criava nada, apenas assistia e auxiliava. Perguntei como ele explicava o fato de nós construírmos magníficas estruturas e máquinas.
– Isso não é criatividade – disse ele. – É apenas moldagem. Podemos moldar qualquer coisa com nossas mãos, pessoalmente ou em conjunto com as mãos de outros tonais. Um grupo de tonais pode moldar qualquer coisa, magníficas estruturas, como diz você.
– Mas então o que é criatividade, Don Juan?
Ele ficou me olhando, os olhos apertados. Riu baixinho, levantou a mão direita sobre a cabeça e torceu o pulso numa sacudidela repentina, como se estivesse girando uma maçaneta de porta.
– A criatividade é isso – disse ele, e levou a mão com palma em concha até o nível de meus olhos.
Levei um tempo enorme para focalizar meus olhos na mão dele. Sentia que uma membrana transparente estava mantendo todo o meu corpo numa posição fixa e que eu tinha de rompê-la para poder focalizar minha vista na mão dele.
Esforcei-me até caírem gotas de suor em meus olhos. Por fim ouvi ou senti um estalo e meus olhos e minha cabeça estavam livres.
Na palma direita dele estava o roedor mais estranho que já vi. Parecia um esquilo de cauda peluda. A cauda, porém, parecia mais de um porco-espinho. Tinha espinhos duros.
– Toque nele! – ordenou Dom Juan, baixinho.
Obedeci mecanicamente e passei meu dedo por seu dorso macio. Dom Juan aproximou a mão dos meus olhos e aí reparei uma coisa que me provocou espasmos nervosos. O esquilo tinha óculos e dentes grandes.
– Parece um japonês – disse eu, e comecei a rir histericamente.
O roedor aí começou a crescer na palma de Dom Juan. E enquanto meus olhos ainda estavam cheios de lágrimas de riso, o roedor ficou tão enorme que desapareceu. Saiu do campo de minha visão. Isso aconteceu tão depressa que fui pilhado no meio de um espasmo de riso. Quando tornei a olhar, ou quando enxuguei os olhos e os localizei direito, eu estava olhando para Don Juan. Ele estava sentado no banco e eu de pé defronte dele, embora não me lembrasse de me ter levantado.
Por um momento, meu nervosismo foi incontrolável. Dom Juan levantou-se calmamente, obrigou-me a sentar, apoiou meu queixo entre o seu bíceps e o antebraço esquerdo, e deu-me um golpe bem no topo da cabeça com a mão direita. O efeito foi como um choque de uma corrente elétrica. Acalmou-me imediatamente.
(…)
– Um dos atos de um guerreiro é nunca deixar que coisa alguma o afete. Assim, um guerreiro pode estar vendo o próprio diabo, mas não permite que ninguém o saiba. O controle de um guerreiro tem de ser impecável.

 

p. 179
Depois que acabamos de comer, Dom Juan sentou-se a meu lado e espiou meus apontamentos, por cima do meu ombro. Comentei que provavelmente eu levaria anos para ordenar tudo o que me acontecera durante aquele dia. Eu sabia que estava inundado de percepções que nunca poderia esperar compreender.
– Se não consegue entender, está em grande forma – comentou ele. – Quando você compreende é que está em embrulhada. Isso do ponto de vista de um feiticeiro, naturalmente. Do ponto de vista de um homem comum, se você não compreender, estará naufragando. Em seu caso, diria que um homem médio pensaria que você está dissociado, ou que vai ficar dissociado.
Ri da escolha das palavras. Eu sabia que ele estava me atirando na cara o conceito de dissociação; eu o mencionara algum tempo antes, com relação aos meus receios. Assegurei-lhe que desta vez eu nada iria perguntar sobre o que se passara comigo.
– Nunca fiz restrições às conversas – disse ele. Podemos falar sobre o nagual quanto quiser, contanto que não tente explicá-lo. Se você se recorda, eu disse que o nagual é só para ser presenciado. Assim, podemos conversar sobre o que presenciamos e como o presenciamos. Mas você quer ter a explicação de como tudo isso é possível, e isso é uma abominação. Você quer explicar o nagual pelo tonal. É estupidez, especialmente em seu caso, pois você não pode mais esconder-se por trás de sua ignorância. Sabe perfeitamente que só fazemos sentido ao falar porque ficamos dentro de certos limites, e esses limites não se aplicam ao nagual.

 

p. 228
Você tomou aquelas plantas seguindo os próprios passos que eu mesmo segui. A única diferença foi que, em vez de mergulhá-lo neles, eu parei quando achei que você tinha armazenado visões suficientes do nagual. Foi por esse motivo que jamais quis conversar sobre seus encontros com as plantas de poder, nem deixar que você falasse sobre elas obsessivamente; não adiantava dissertar sobre o indizível. Aquelas foram verdadeiras excursões ao nagual, o desconhecido.

 

p. 230-1
Meu estado de espírito feliz não durou muito, contudo. Meu desejo de largar o mundo de Don Juan não era exequível. Minha rotina perdera seu poder. Tentei pensar em alguma coisa em Los Angeles, mas não havia nada. Don Juan uma vez me dissera que eu tinha medo das pessoas, e que aprendera a defender-me não querendo nada. Disse que não desejar nada era a maior realização de um guerreiro. Em minha estupidez, porém, eu ampliara a sensação de não querer nada e transformei aquilo em não gostar de nada. Assim, minha vida era chata e vazia.
Ele tinha razão, e enquanto me dirigia rapidamente para o norte, o pleno impacto de minha loucura insuspeita atingiu-me afinal na rodovia. Comecei a compreender o âmbito de minha escolha. Eu estava realmente largando um mundo mágico de renovação contínua por minha vida mansa e vazia de Los Angeles. Comecei a lembrar-me de meus dias de rotina. Lembrei-me de um domingo em especial. Passara o dia todo inquieto, sem ter o que fazer. Nenhum amigo fora me visitar. Ninguém me convidara para algum programa. As pessoas que eu tinha vontade de ver não estavam em casa, e, pior de tudo, eu já tinha assistido a todos os filmes da cidade. De tardinha, em desepero de causa, tornei a procurar a lista dos filmes e encontrei um que eu nunca tinha querido ver. Estava sendo exibido numa cidade a uns cinquenta quilômetros de distância. Fui ver o filme e detestei-o, mas até isso era melhor do que nada ter para fazer.
Sob o impacto do mundo de Don Juan, eu me modificara. Para começar, desde que o conhecera, eu não tinha mais tempo para me chatear. Isso em si já era suficiente para mim; Dom Juan realmente se certificara de que eu escolheria o mundo do guerreiro. Dei a volta e voltei para a casa dele.

– O que teria acontecido se eu tivesse resolvido voltar para Los Angeles? – perguntei.
– Isso teria sido uma impossibilidade – esclareceu. – Essa escolha não existe. Só o que se exigia de você era permitir que o seu tonal tomasse conhecimento de ter resolvido entrar para o mundo dos feiticeiros. O tonal não sabe que as decisões estão no setor do nagual. Quando pensamos que decidimos, só o que estamos fazendo é reconhecer que alguma coisa além da nossa compreensão estabeleceu o quadro de nossa chamada decisão, e só o que fazemos é concordar. Na vida de um guerreiro só existe uma coisa, um único ponto que realmente não é decidido: até que ponto se pode ir no caminho do conhecimento e do poder. Isso é um problema aberto e ninguém pode prever sua solução. Um dia eu lhe disse que a liberdade que tem um guerreiro é ou agir de modo impecável, ou agir como um idiota. A impecabilidade é realmente o único ato que é livre e assim a verdadeira medida do espírito do guerreiro.
Don Juan explicou que depois que o aprendiz toma a sua resolução de ingressar no mundo dos feiticeiros, o mestre lhe dá uma tarefa pragmática, coisa que ele tem de realizar em sua vida diária. A tarefa, destinada a se adaptar à personalidade do aprendiz, é geralmente uma espécie de situação rebuscada na vida, em que se supõe que o aprendiz se coloque como meio de afetar permanentemente sua visão do mundo. No meu próprio caso, eu entendia a tarefa mais como uma brincadeira animada do que como uma situação séria da vida. Com o tempo, porém, percebi que tinha de ser sério a respeito disso.
– Depois que o aprendiz recebe sua tarefa de feitiçaria, está pronto para outro tipo de instrução – continuou ele. – Aí ele é um guerreiro. No seu caso, como você não era mais aprendiz, eu lhe ensinei as três técnicas que ajudam a sonhar: romper as rotinas da vida, o passo do poder, e não-fazer. Você era muito constante, burro como aprendiz e burro como guerreiro. Anotava conscienciosamente tudo o que eu dizia e tudo o que lhe acontecia, mas não agia exatamente conforme eu mandava. De modo que eu ainda tinha de bombardeá-lo com plantas de poder.

 

p. 233-5
– (…) Os feiticeiros dizem que estamos dentro de uma bolha. É uma bolha em que somos colocados no momento de nosso nascimento. A princípio a bolha está aberta, mas depois começa a fechar-se, até nos ter trancafiado dentro dela. Essa bolha é a nossa percepção. Vivemos dentro dessa bolha toda a nossa vida. E o que presenciamos em suas paredes redondas é o nosso próprio reflexo.
(…)
O que está refletido é nossa visão de mundo – disse ele. – Essa visão é uma primeira descrição, que nos é dada desde o momento de nosso nascimento até que toda a nossa atenção é apanhada por ela e a descrição se torna uma visão. O trabalho do mestre é reorganizar essa visão, preparar o ser luminoso para o tempo em que o benfeitor abrir a bolha do lado de fora.
(…)
A bolha abre-se a fim de permitir ao ser luminoso uma visão de sua totalidade. Naturalmente isso de chamar a coisa de uma bolha é apenas uma maneira de dizer, mas nesse caso é uma maneira precisa. A delicada manobra de conduzir um ser luminoso para a totalidade de seu ser exige que o mestre trabalhe de dentro da bolha e o benfeitor de fora. O mestre reorganiza a visão do mundo. Chamei a essa visão a ilha do tonal. Já disse que tudo o que somos se encontra naquela ilha. A explicação dos feiticeiros diz que a ilha do tonal é feita por nossa percepção, que foi treinada para focalizar-se em certos elementos; cada um desses elementos e todos juntos constituem nossa visão de mundo. O trabalho do mestre, no que se refere à percepção do aprendiz, consiste em reorganizar todos os elementos da ilha em uma metade da bolha. A essa altura você já deve ter compreendido que limpar e reorganizar a ilha do tonal significa reagrupar todos os seus elementos do lado da razão. Meu trabalho tem sido desorganizar sua visão comum, não destruí-la, mas obrigá-la a passar para o lado da razão. Você fez isso melhor do que qualquer pessoa que eu conheça.
Ele desenhou um círculo imaginário na pedra e dividiu-o em dois, num diâmetro vertical. Disse que a arte de um mestre era obrigar o discípulo a agrupar sua visão do mundo na metade direita da bolha.
– Por que a metade direita? – perguntei.
– É esse o lado do tonal. O mestre sempre se dirige para esse lado, e, apresentando ao aprendiz de um lado o caminho do guerreiro, obriga-o à seriedade e a ser razoável, à força de caráter e de corpo; e apresentando-lhe de outro lado situações inimagináveis mas reais, com as quais o aprendiz não pode lidar, obriga-o a compreender que sua razão, embora seja uma coisa maravilhosa, só pode abranger uma área pequena. Uma vez que o guerreiro enfrenta sua incapacidade de raciocinar tudo, ele se dará ao trabalho de fortalecer e defender sua razão vencida, e para isso convocará tudo o que possui em torno dela. O mestre consegue isso martelando-o impiedosamente, até que sua visão do mundo seja a metade da bolha. A outra metade, a que foi limpa, pode então ser reinvindicada por algo que os feiticeiros chama de vontade. Podemos explicar isso melhor dizendo que o trabalho do mestre é limpar uma metade da bolha e reorganizar tudo na outra metade. O trabalho do bem-feitor será então abrir a bolha do lado limpo. Uma vez rompido o selo, o guerreiro nunca será mais o mesmo. Ele tem então o comando de sua totalidade. A metade da bolha é o centro final da razão, o tonal. A outra metade é o centro final da vontade, o nagual. É esta a ordem que deve prevalecer; qualquer outra disposição é tola e mesquinha, pois contraria nossa natureza; rouba-nos nossa herança mágica e nos reduz a zero.

 

p. 251-3
Não há meio de se chegar à explicação dos feiticeiros a não ser que se tenha usado o nagual de boa vontade, ou melhor, a não ser que se tenha usado de boa vontade o tonal para fazer nossos atos terem sentido no nagual. Outro meio de esclarecer tudo isso é dizer que a visão do tonal deve prevalecer se se pretende utilizar o nagual do modo como o utilizam os feiticeiros.
(…)
A ordem em nossa percepção é do reino exclusivo do tonal; somente ali podem os atos ter uma sequência; somente ali são eles como escadas cujos degraus podem ser contados. Não há nada disso como o nagual. Portanto, a visão do tonal é um instrumento, e como tal é não somente o melhor instrumento, mas o único que temos. Ontem à noite a sua bolha de percepção abriu-se e suas asas estenderam-se. Nada mais há para dizer a respeito. É impossível explicar o que lhe aconteceu, portanto não vou tentá-lo, e nem você tampouco deve tentar fazê-lo. Devia bastar dizer que as asas de sua percepção foram feitas para tocar sua totalidade. Ontem à noite você foi do nagual ao tonal, para lá e para cá uma porção de vezes. Foi lançado duas vezes, de modo a não deixar possibilidade de erro. Da segunda vez você experimentou o impacto pleno da viagem ao desconhecido. E a sua percepção estendeu suas asas quando algo em você percebeu sua verdadeira natureza. Você é um aglomerado. Esta é a explicação dos feiticeiros. O nagual é indescritível. Todos os sentimentos e seres e eus possíveis flutuam nele como barcaças, pacatas, inalteradas, para sempre. Aí a cola da vida liga algumas delas. Você mesmo descobriu isso ontem à noite, e Pablito também, e Genaro também, da vez que ele viajou para o desconhecido, e eu também. Quando a cola da vida junta esses sentimentos, um ser é criado, um ser que perde o senso de sua verdadeira natureza e fica ofuscado pela claridade e barulho da zona onde as coisas pairam, o tonal. O tonal é onde existe toda a organização unificada. Um ser entra no tonal uma vez que a força vital juntou todos os sentimentos necessários. Eu lhe disse uma vez que o tonal começa no nascimento e termina na morte; disse isso porque sei que assim que a força vital deixa o corpo todas essas consciências isoladas se desintegram e voltam para o lugar de onde vieram, o nagual. O que o guerreiro faz viajando para o desconhecido é muito parecido com morrer, a não ser que seu aglomerado de sentimentos isolados não se desintegra, e sim expande-se, sem perder a união. Na morte, porém, eles mergulham profundamente e se movem independentemente, como se nunca tivessem formado uma unidade.
Eu queria dizer-lhe que suas explicações correspondiam à minha experiência. Mas ele não me deixou falar.
– Não há meio de nos referirmos ao desconhecido – disse ele. – Só podemos presenciá-lo. A explicação dos feiticeiros diz que cada um de nós tem um centro do qual se pode presenciar o nagual, que é a vontade. Assim, um guerreiro pode aventurar-se no nagual e deixar que seu aglomerado se arrume e rearrume da maneira que for possível. Já lhe disse que a expressão do nagual é um assunto pessoal. Quis dizer que cabe ao próprio guerreiro individual dirigir a arrumação e rearrumações daquele aglomerado. A forma humana ou o sentimento humano é o original, talvez seja a forma mais doce de todas para nós; no entanto, existe um número incontável de formas alternativas que o aglomerado pode adotar. Já lhe disse que um feiticeiro pode adotar qualquer forma que quiser. Isso é verdade. Um feiticeiro que tenha a posse da totalidade de si mesmo pode dirigir as partes de seu conglomerado para se unirem de qualquer maneira concebível. A força vital é o que torna possível toda essa embaralhada. Uma vez exaurida a força vital, não há mais meio de se reunir esse aglomerado. Chamei esse aglomerado de bolha da percepção. Também disse que ela está selada, hermeticamente fechada, e que nunca se abre até o momento de nossa morte. No entanto, poderia ser forçada a abrir-se. Os feiticeiros obviamente aprenderam esse segredo e, embora nem todos cheguem à totalidade de seus seres, sabem a respeito dessa possibilidade. Sabem que a bolha se abre somente quando a pessoa mergulha no nagual.

 

p. 255-7
– Fazer a razão sentir-se segura é sempre a tarefa do mestre – disse ele. – Ludibriei sua razão fazendo-a crer que o tonal era responsável e previsível. Genaro e eu nos temos esforçado para lhe dar a impressão de que somente o nagual estava além do âmbito da explicação; a prova de que tivemos êxito nisso é que neste momento lhe parece, a despeito de tudo por que você passou, que ainda existe um centro que você pode chamar de seu, a sua razão. Isso é uma miragem. Sua preciosa razão é apenas um centro de montagem, um espelho que reflete alguma coisa que está fora dela. Ontem à noite você presenciou não apenas o nagual indescritível, como ainda o tonal indescritível. O último capítulo da explicação dos feiticeiros diz que a razão apenas reflete uma ordem exterior, e que a razão nada sabe a respeito dessa ordem; não pode explicá-la, do mesmo modo como não pode explicar o nagual. A razão só pode presenciar os efeitos do tonal, mas nunca poderia compreendê-lo, nem desemaranhá-lo. O simples fato de estarmos pensando e falando mostra uma ordem que seguimos sem nunca saber como o fazemos, nem o que a ordem será.
Mencionei então a ideia das pesquisas do homem ocidental sobre o funcionamento do cérebro como uma possibilidade de explicar o que era essa ordem. Ele observou que tudo o que essa pesquisa fazia era atestar que algo estava acontecendo.
– Os feiticeiros fazem a mesma coisa com a vontade – disse ele. – Dizem que através da vontade podem presenciar os efeitos do nagual. Agora, posso acrescentar que, através da razão, não importa o que fizermos com ela, ou como o fizermos, estaremos simplesmente presenciando os efeitos do tonal. Em ambos os casos não há esperança jamais de entender ou explicar o que é que estamos presenciando. Ontem à noite foi a primeira vez que você voou nas asas de sua percepção. Você ainda era muito tímido. Aventurou-se apenas na faixa da percepção humana. Um feiticeiro pode usar essas asas para tocar outras sensibilidades, a de um corvo, por exemplo, a de um coiote, de um grilo, ou a ordem de outros mundos naquele espaço infinito.
(…)
– Chegamos à última parte da explicação dos feiticeiros – prosseguiu. – Ontem à noite Genaro e eu lhe mostramos os dois últimos pontos que perfazem a totalidade do homem, o nagual e o tonal. Um dia eu lhe disse que esses dois pontos ficavam fora de nós, e no entanto não ficavam. É este o paradoxo dos seres luminosos. O tonal de cada um de nós não é mais que o reflexo daquele vazio indescritível cheio de ordem; o nagual de cada um de nós não é mais que um reflexo daquele vazio indescritível que contém tudo. Agora você deve sentar-se no lugar predileto de Genaro até o crepúsculo; até lá você deve ter colocado no devido lugar a explicação dos feiticeiros. Sentado aqui, agora, você nada tem a não ser a força de sua vida que une aquele aglomerado de sentimentos.
Ele se levantou.
– A tarefa de amanhã é mergulhar no desconhecido sozinho, enquanto Genaro e eu o observamos, sem interferir – disse ele. – Sente-se aqui e desligue seu diálogo interior. Você pode conseguir o poder necessário para abrir as asas da sua percepção e voar para aquele infinito.

 

p. 266-267
– Estamos todos sozinhos, Carlitos – disse Dom Genaro baixinho. – É o nosso estado.
Senti em minha garganta a angústia de minha paixão pela vida e por aqueles que me eram caros; recusava-me a despedir-me deles.
– Estamos sós – disse Don Juan. – Mas morrer sozinho não é morrer em solidão.
(…)
Don Juan olhou para mim. Eu nunca vira tanta bondade em seus olhos. Ele me disse que um guerreiro se despedia agradecendo a todos aqueles que tivessem tido um gesto de bondade ou de cuidado para com ele (…).
(…)
– Um guerreiro reconhece sua dor, mas não se entrega a ela – disse Don Juan. – Assim, o estado de espírito do guerreiro que penetra no desconhecido não é de tristeza; pelo contrário, ele está alegre porque se sente humilhado diante de sua grande boa sorte, confiante em que seu espírito é impecável e, acima de tudo, plenamente consciente de sua eficiência. A alegria de um guerreiro vem de ter aceitado seu destino, e de ter avaliado lealmente o que o espera.

 

p. 269-271
Ele se dirigiu a mim em particular e disse que uma vez eu lhe dissera que a vida de um guerreiro era fria e solitária e sem sentimentos. Acrescentou que até aquele momento preciso eu estava convencido de que era assim.
– A vida de um guerreiro não pode ser fria e solitária e sem sentimentos – disse ele – porque é baseada na afeição, na dedicação e na lealdade a seus queridos. E quem, você pode perguntar, é o seu querido? Vou mostrar-lhe agora.
Dom Genaro levantou-se e andou devagar para um lugar completamente plano diante de nós, a uns três metros de distância. Ali fez um gesto estranho. Mexeu as mãos como se estivesse espanando terra do peito para a barriga. Aí aconteceu uma coisa esquisita. Um lampejo de luz quase imperceptível atravessou-o; vinha do chão e pareceu acender todo o corpo dele. Fez como que uma pirueta, ou melhor, um mergulho para trás e caiu sobre o peito e os braços. Seu movimento fora executado com tal precisão e perícia que ele parecia um ser sem peso, uma criatura como um verme, que dera uma volta sobre si. Quando estava no chão, executou uma série de movimentos do outro mundo. Deslizou alguns centímetros acima do solo, ou rolou sobre ele como se estivesse deitado sobre rolamentos; ou nadou descrevendo círculos e voltando com a rapidez e agilidade de uma enguia no mar.
Meus olhos começaram a envesgar em certo momento e aí, sem qualquer transição, eu estava vendo uma bola de luminosidade deslizando de um lado para o outro sobre algo que parecia ser o chão de um rinque de patinação no gelo com mil luzes brilhando sobre ele.
O espetáculo era sublime. Aí a bola de fogo parou e ficou imóvel. Uma voz sacudiu-me e distraiu minha atenção. Era Dom Juan falando. A princípio não entendi o que ele estava dizendo. Tornei a olhar para a bola de fogo; distingui Dom Genaro deitado no chão com os braços e as pernas estirados.
A voz de Don Juan era muito clara. Pareceu engatilhar alguma coisa em mim e comecei a escrever.
– O amor de Genaro é o mundo – disse ele. – Agora mesmo ele estava abraçando esta terra enorme, mas, como ele é tão pequeno, o mais que pode fazer é nadar nela. Mas a terra sabe que Genaro a ama e dedica-lhe seus cuidados. É por isso que a vida de Genaro é cheia até a borda e seu estado, esteja onde estiver, será de fartura. Genaro percorre os caminhos de seu amor e, onde quer que esteja, é completo.
Dom Juan estava agachado em nossa frente. Ele afagava a terra, com delicadeza.
– Esta é a predileção de dois guerreiros – disse ele. – Esta terra, este mundo. Para um guerreiro, não pode haver amor maior.
Dom Genaro levantou-se e agachou-se ao lado de Dom Juan um momento, enquanto os dois nos olhavam fixamente, e depois, ao mesmo tempo, sentaram-se de pernas cruzadas.
– Somente se a pessoa ama esta terra com uma paixão constante é que pode deixar sua tristeza – disse Don Juan. – Um guerreiro é sempre alegre porque seu amor é inalterável e sua amada, a terra, o abraça e lhe concede dádivas inconcebíveis. A tristeza pertence apenas àqueles que detestam aquilo mesmo que abriga seus seres.
Dom Juan afagou a terra com carinho.
– Este lindo ser, que é vivo até suas profundezas e compreende todos os sentimentos, aliviou-me, curou-me de minhas dores e por fim, quando finalmente compreendi o meu amor por ela, ensinou-me a liberdade.
Ele parou. O silêncio em volta de nós era assustador. O vento soprava suavemente e aí ouvi o latido distante de um cão solitário.
– Escute esse latido – continuou Dom Juan. – É assim que a minha amada terra me está ajudando agora a mostrar-lhe esse último ponto. Esse latido é a coisa mais triste que se pode ouvir.
Ficamos calados um momento. O latido daquele cão solitário era tão triste e a quietude em volta de nós tão intensa que senti uma angústia entorpecente. Aquilo me fez pensar em minha própria vida, minha tristeza, o meu não-saber para onde ir, o que fazer.
– O latido daquele cão é a voz noturna do homem – disse Don Juan. – Vem de uma casa naquele vale para o sul. Um homem está gritando por intermédio de seu cão, pois são escravos companheiros de toda vida, sua tristeza, seu tédio. Ele está implorando à morte que vá libertá-lo das correntes cacetes e feias de sua vida.
Dom Juan com suas palavras tocara num ponto que me perturbava muito. Senti que ele estava falando diretamente para mim.
– Aquele latido e a solidão que ele provoca falam dos sentimentos dos homens – continuou ele. – Homens para quem uma vida inteira foi como uma tarde de domingo, uma tarde que não foi de todo desgraçada, mas meio quente e incômoda e vazia. Eles suaram e se afligiram muito. Não sabiam para onde ir, nem o que fazer. Aquela tarde deixou-os apenas com a recordação de aborrecimentos mesquinhos e tédio, e depois de repente passou; já era noite.
Repetiu uma história que eu lhe contara uma vez sobre um homem de setenta e dois anos que reclamava porque sua vida fora tão curta que lhe parecia que ainda na véspera ele era menino. O homem me dissera: “Lembro-me do pijama que eu usava quando tinha dez anos Parece que só se passou um dia. Aonde foi o tempo?”
– O antídoto que mata esse veneno está aqui – disse Dom Juan, afagando a terra. – A explicação dos feiticeiros não pode de todo libertar o espírito. Vocês dois, por exemplo, alcançaram a explicação dos feiticeiros, mas não faz diferença que vocês a conheçam. Estão mais sozinhos do que nunca, porque, sem um amor constante pelo ser que lhes dá abrigo, estar sozinho é a solidão. Somente o amor por este ser esplendoroso pode dar a liberdade ao espírito do guerreiro; e a liberdade é alegria, eficiência, e renúncia diante de qualquer dificuldade. Esta é a última lição. Fica sempre para o último momento, o momento de solidão final em que o homem enfrenta sua morte e solidão. Só então é que faz sentido.

 

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– O crepúsculo é a fresta entre os mundos – disse Don Juan. – É a porta para o desconhecido.

 

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(O autor e sua obra)
Segundo Dom Juan, velho feiticeiro mexicano da tribo dos yaquis – ao lado de quem Carlos Castaneda passou mais de dez anos tentando adquirir a experiência de um “homem de conhecimento” -, a história pessoal nada mais é que uma forma velada de controle mútuo, onde o indivíduo atua de forma rígida e mecânica, atado que está à própria existência. Assim, somente aquele que for capaz de transformar a sua vida numa névoa indefinida poderá despertar para o inédito, o inesperado.

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