A ilha e o progresso

A Ilha do Mel, à primeira vista, é um paraíso. Pelo que se ouve falar, também. Tá bom, a Ilha do Mel ainda é um paraíso, um pedaçinho de céu, um presente de Deus, mas já podemos encontrar nela traços da civilização e seus problemas. A coisa está começando a feder.
Já nos primeiros dias deu para sentir um cheirinho ruim. Estava conversando com um nativo, ele falando que a ilha é muito tranqüila, comparando com a cidade, que não tem carro e que é bem melhor assim. “É, ainda bem que tem esse negócio de preservação, né?”, eu falei, como turista que vem de fora e que acha preservação um nome muito bonito. “É…é, por esse lado é bom”, ponderou ele. Esse “é…é” me deixou com a pulga atrás da orelha.
Com o tempo as peças foram se encaixando. A desculturalização da Ilha do Mel é evidente. E a falta de providências básicas que todo processo civilizatório pressupõe também.
Para obter mais informações, fui à Associção de Moradores da Ilha do Mel, situada em frente ao desembarque da praia de Encantadas. Quem me recebeu foi o senhor Neil Hamílton, que mora na ilha há dezoito anos e é o diretor responsável pelo jornal Ilha do Mel, cujo site, que contém informações turísticas e históricas, é www.ilhadomel.com. “Eu não sou jornalista, mas sempre fiz jornal, desde que eu morava em Curitiba”, justifica. Neil foi muito solícito, passou diversas informações e deu sua sincera opinião.
A ilha, que pertence ao município de Paranaguá, possui cinco povoados: Encantadas, Praia Grande, Farol, Brasília e Fortaleza, que compreendem 8% do território. Os outros 92% são área de preservação, sob responsabilidade do IAP – Instituto Ambiental do Paraná. “Eles só vêm aqui para multar”, acusa Neil. Ele conta que multaram 6 moradores em quinhentos reais cada, por não terem construído uma fossa em suas casas. Por incrível que pareça, não há tratamento de esgoto na Ilha do Mel, por isso cada casa e estabelecimento comercial deve construir sua fossa. Segundo Neil, não há educação ambiental e nem recursos para as obras. Ele escreveu uma carta ao Poder Judiciário em defesa dos moradores, para que o valor da multa fosse destinado à compra do material necessário para construir a fossa, ao invés de ir para o instituto, e que pudessem contar com a instrução de um agente do IAP. O juiz aceitou a proposta, o que para Neil foi uma vitória.
Mas há o outro lado da moeda. Em breve passará a funcionar a primeira estação de água, em Nova Brasília. E segundo Gil, paulista que há dez anos passa longas temporadas fazendo bicos na ilha, o IAP distribuiu o material necessário para a construção das fossas.
A grande cisma de Neil com o IAP faz sentido. Ele diz que a orientação vem de Curitiba, alheia aos interesses dos moradores, e que a instituição é centralizada – tudo depende da decisão do presidente. E o pior, que a taxa de 3 reais cobrada por visitante fica com o IAP e acaba não chegando na ilha. “O prefeito de Paranaguá é adversário político do Requião, por isso só entra dinheiro aqui em ano eleitoral”, aponta Neil, que afirma que não há planejamento por parte do governo porque a Ilha do Mel não é uma prioridade geo-econômica. “É o capitalismo, não adianta”, resigna-se Neil.
Ele diz que se sente de mãos atadas, que não há coletivismo na ilha. Não se pensa no futuro, mas cada um em si mesmo – principalmente os comerciantes, que vieram quase todos de fora, e só se preocupam em ganhar dinheiro.
Neil acaba seu depoimento num pedido de desculpas pela sua franqueza. Mas era exatamente isso que eu queria: um retrato sincero da ilha, de alguém que vive ali e está informado dos processos políticos da região, por mais parcial que fosse. A versão oficial não costuma ser franca: se defende com números manejados e põe a culpa de suas debilidades na oposição. Prefiro a versão de quem conhece os problemas do cotidiano de onde vive.

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5 Responses to “A ilha e o progresso”

  1. arthur disse:

    É Mi, cada vez acredito mais que o melhor refugio está na nossa propria mente. A Ilha me parece tão bela, o paraíso, talvez porque vejo ela ainda como um lugar “puro”. Não há outros tantos que me de essa impressão. Mas com o tempo vamos aprendendo que onde o homem moderno pisou, como vc disse, “fedeu”. A ilha não poderia ser uma exceção. Então, acredito que o paraíso que foi abandonado lá no passado, pode ser alcançado, voltando a nossa relação com o mundo que tivemos naquela época. Parece obvio, mas isso não significa necessariamente uma destruição das coisas que construimos. Não precisamos mais morar em cavernas.
    Mas isso é um papo pra outra hora. Beijao e Obrigado por continuar postando.

  2. Michele Torinelli disse:

    Obrigada vc por continuar lendo! Eu acho que o poder sempre remete à responsabilidade. Tecnologia e conhecimento são grandes poderes, mas esquecemos da responsabilidade. O homem de antigamente não tinha o poder de devastar. Agora nós temos, e devastamos.

  3. arthur disse:

    Claro que sim. A responsabilidade é enorme. Mas como dizer para as pessoas que elas são responsaveis por isso? Na cabeça de muita gente, os unicos responsaveis são as grandes industrias e uma palavra que hj esta em moda: as grandes corporações. Mas não percebemos que é um problema de consciencia.
    Como podemos viver em harmonia com o planeta se nos vemos como um ser sem barreiras, que tudo pode e que nada deve?
    Então entra a respondabilidade. Mas essa deve estar na cabeça e não em placas dizendo: não pise na grama. Entende?
    Enquanto for apenas proibido destruir, destruiremos. Mas qd nossa propria mente, em harmonia com o todo, dizer: não destrua, não faremos.
    Isso não quer dizer que as leis não servem pra nada. Ainda serve pq muitas pessoas estão acostumadas a obedecer e não a pensar, a sentir.
    Mas então a pessoa vê que as coisas não vao acabar bem, do jeito que estão indo. Ela vai esperar todo mundo pensar assim? É um trabalho de formiga.
    Acredito que um dia retornaremos a compreensao inicial, mas não será hj.

  4. Anonymous disse:

    Olha só.. esse papo tem tudo a ver com o livro que estou lendo. As vezes encontramos umas perolas nas estantes empoeiradas dos sebos. É um livro de americano chamado Richard Heinberg e o nome do livro é Memórias e Visões do Paraíso – Explorando o mito universal de uma Idade de Ouro Perdida.
    É super louco. O mito de um “Éden” está presente nas mais diversas culturas. E o retorno a ele faz parte do sonho dos mais diversos povos.

  5. Dimas de Mello Braga disse:

    http://www.youtube.com/watch?v=VooeH6LjipY

    Ilha do mel – Fotos de 1987 a 2010

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