Travessia

Estava eu na barca pra Superagui, 2h30 de viagem desde Paranaguá se o dia estiver bom, como estava – aquele céu azulão com o sol reinando orgulhoso no meio.

Muitos moradores da ilha, poucos turistas – e lá estava eu com minha câmera fotográfica, dessas que intimidam as pessoas, não deixando dúvidas de em qual grupo eu me encaixava. Sentei sozinha, num banco no meio do barco. Na minha frente, de costas para o mar, havia uma senhorinha bem velhinha, lá pelos 80 anos. Magrinha, cabelo quase todo branquinho, pequena, aparentemente cega de um olho. Usava roupas simples, uma blusa rosa, uma saia de algodão vermelha que acabava no meio da canela. A janela do barco fazia um moldura na qual ela ficava à esquerda e outra senhora, à direita, uma de cada lado.

Durante a viagem ela veio se sentar ao meu lado – deve ter cansado de ficar torcendo a coluna para olhar a paisagem. Estava bastante quente e em algum momento senti que ela sentou bem perto de mim. Bem perto mesmo. Eu me afastei. Ela parecia não se importar, ou melhor, nem perceber, e, por mais que eu me esquivasse, ela se aproximava de novo. Minha pequena batalha pareceu inútil e larguei mão – um pouco de calor a mais não ia fazer grande diferença. E a coisa foi indo desse jeito até que no final da viagem ela estava com a mão em cima da minha perna – e ainda parecia nem perceber. Tinha uma naturalidade no seu gesto, uma autoridade doce no toque daquela figura quase mítica que pousava a mão nessa moça da cidade desacostumada ao afeto espontâneo, ao toque “estranho”.

Quando o barco atracou ela se apoiou em mim para tentar se levantar. Tentou duas vezes e não conseguiu, mesmo com sua bengala que pressionava o chão e sua mão que empurrava minha coxa. Percebi que ela era ainda mais frágil do que eu pensava. Apoiei suas costas, dei um breve empurrão, e ela foi.

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