Subvida

Ele rolava no chão. No meio da praça, bem pelo caminho que as pessoas passam. Um péssimo lugar pra deitar. Mas ele estava ali. Virava pra um lado, virava pro outro, tentava se levantar, caía, deitava feito feto, vontade de não ser, não conseguia, virava pra um lado, virava pro outro, cabeça balançando em delírio-pesadelo.

Ele ali, a Praça movimentada – a vida, pra todos, segue. É tragédia a cada esquina, se parar em cada uma não se anda. Será que tento ajudar? Mas ele tá locão, como vou ajudar. Ele pode estar morrendo, será que eu chamo o SAMU?

O que será que ele tomou? Ele fumou pedra? O que faz ficar assim? “Deve estar há uns três dias bebendo e fumando pedra”. Qual será a história dele?

O cara pode estar morrendo, ali na frente, “mas o que podemos fazer?”. Não é? Temos nossos compromissos e não podemos carregar o mundo em nossas costas. Não é?

E se fala em solidariedade. Amor. Falta em todos nós.

A vida desumana da humanidade segue.

 

Dois homens o tiram do meio da praça e o colocam deitado num banco. Ligam pra alguém. Espero que pra unidade de saúde, não pra polícia.

E o que pega nas entranhas é a culpa, mais que a compaixão. O egoísmo fede. Às vezes parece que manter uma boa imagem de si mesmo fala mais alto ao instinto que ajudar ao próximo. Fomos condicionados ou serei assim tão mesquinha? Isso faz parte de mim e eu tenho que arrancar de dentro ou é um crosta que me impuseram? Já não faz mais diferença, é uma falsa dualidade. Como costumam ser as dualidades.

 

O que aconteceu com ele?

Tive medo de ajudar.

Denúncia explícita de uma subvida.

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