Yerko, um chileno que conheci na Bolívia, definiu o Chile de uma maneira bem engraçada: o condado dos hobbits. Naturalmente isolados do mundo pela Cordilheira dos Andes e pelo Pacífico, os chilenos levam sua vida tranquilos, e apesar de chegarem notícias do mundo inteiro, elas parecem tão distantes…
A imagem que eu tinha do Chile era a de “país mais desenvolvido da América Latina”. Mas o termo “desenvolvimento” junto com “América Latina” sempre é uma piada – só abarca uma elite.
Passamos duas semanas no Chile – dez dias em Valparaíso e quatro rumo à Bolívia. O que escrevo aqui são interpretações pessoais e opiniões de pessoas que conheci, que para mim fizeram sentido. Não tenho pretensões de revelar verdades, para isso já existem a enciclopédia e o dicionário.
Valparaíso
Conheci Luciana em janeiro de 2006 no Estágio Interdisciplinar de Vivência em Áreas de Reforma Agrária de Minas Gerais. Contei a ela dos meus planos de viagem e me convidei para ficar na sua casa no Chile. Ela, muito solícita, disse que estaria nos esperando em Valparaíso, cidade onde vive.
Casa da Luciana.
Nunca tinha ouvido falar desse lugar, apesar de ser a segunda maior cidade do Chile, o principal porto do país, sede do poder legislativo nacional e ficar a menos de duas horas de carro de Santiago.
Um porto, seguido pelo centro ao nível do mar, rodeado por quarenta e tantos morros – essa é Valparaíso. A cidade tem um sério problema com coleta de lixo, por isso é relativamente suja. Apesar de ser grande, com mais de um milhão de habitantes, são poucos os edifícios altos, o que a torna mais aconchegante, com um ar provinciano.
Valparaíso tem fama de ser violenta. Uma certa noite estávamos os três – eu, Thiago e Luciana – voltando de um bar. Luciana viu dois homens nos seguindo do outro lado da rua, justamente quando estávamos a menos de uma quadra de sua casa. Eles pararam e pegaram um pau. Seu amigo tinha sofrido uma tentativa de assalto idêntica, no mesmo lugar, pouco tempo atrás. Ele conseguiu fugir. Diante da situação demos meia volta e esperamos; quando voltamos, eles não estavam mais lá. Isso nunca tinha acontecido com a Luciana – nunca a roubaram, apesar de já terem tentado abrir sua mochila no corre-corre da rua algumas vezes. É preciso estar atento e tranqüilo – o perigo existe, mas a paranóia costuma tomar proporções desmedidas.
Perigos à parte, nossa passagem por Valparaíso foi bastante agradável. O melhor da cidade são os morros, repletos de casinhas coloridas, entrecortados por caminhos que só quem vive ali percorre sem se perder. A vista noturna é pura poesia: milhares de pontinhos de luz ondulantes até perder de vista; do outro lado, o pacífico, trazendo os ares do Oriente. Não é à toa que Pablo Neruda tinha uma casa ali.
Para inglês ver
Colada em Valparaíso está Viña del Mar, onde vivem as pessoas mais endinheiradas do Chile. Tudo dentro do moldes turísticos: avenidas margeadas por palmeiras, hotéis de luxo, cassinos, restaurantes e tudo caro, muito caro.
Fomos dois dias a Viña para vender artesanato. Thiago ganhou uma graninha fazendo malabarismo no semáfaro e eu, como de costume, não vendi nada. Mas valeu à pena: vi o por do sol no Pacífico, a primeira vez que vi o sol se por no mar (no Brasil, vemos o sol nascer no mar, a não ser que estejamos numa ilha – questão de bússola). Voltamos a Valparaíso caminhando. Um trajeto de duas horas, que já havíamos percorrido na ida. Cheguei exausta, faminta e queimada do sol. Todos riram da brasileira que ficou vermelha no Chile.
Trauma e silêncio
Os horrores do regime militar ainda estão muito vivos na memória chilena, uma ferida não-cicatrizada. Quando a ditadura brasileira estava no auge da sua repressão, época de exílio, mortes e torturas, meus pais eram crianças tornando-se adolescentes. No Chile, a ditadura terminou em 89, sendo que a década de oitenta ainda foi testemunha do braço de ferro de Pinochet. Luciana conta que na sua infância seu pai recebia pessoas em casa que ficavam o tempo todo dentro de um quarto, não saíam nem para comer. Eram perseguidos políticos. A geração atual chilena carrega em si as marcas desse período.
Depois da ditadura veio o neoliberalismo, que ao que tudo indica se adaptou muito bem aos diversos climas chilenos, desde o desértico norte até o gélido sul. As opiniões de Yerko e Luciana convergem em um ponto: parece que a propaganda do governo funciona bem, que o povo acredita nessa imagem de desenvolvimento, que estão na melhor situação que poderiam estar, enquanto os problemas sociais são evidentes – mendigos pelas ruas, muito trabalho informal, violência e discriminação racial. Os mapuches, indígenas originários da região centro-sul chilena, são os que mais sofrem com a pretensa estabilidade, e são uns dos poucos que ousam levantar a voz.
A causa mapuche
Mapuche significa “gente da terra”. Eram realmente gente da terra, até terem seu território expropriado pela colonização espanhola e serem relegados ao nível mais baixo da escala social. Hoje eles escondem suas origens, alguns trocam de sobrenome para serem aceitos na “sociedade civilizada” e conseguirem um emprego qualquer. É o fenômeno da padronização cultural, apesar da liberdade que se atribui ao sistema.
Existe a lei do indígena no Chile, mas simplesmente não é respeitada. As políticas governamentais, além de serem as comuns “tapa-buracos”, não levam em conta as reais necessidades e os desejos dos mapuches. Um exemplo concreto: num determinado caso, derrubaram suas cabanas e construíram casas. Mas o mapuche não vive em casas, vive em cabanas. Quando foram ver, as casas construídas estavam sendo usadas como chiqueiro pelos supostos beneficiários.
O movimento mapuche acusa o governo de terrorismo de Estado por encarcerar mapuches sem evidência alguma e criminalizar o movimento social.
Pé na estrada
Após dez dias em Valparaíso, já sentíamos que era hora de partir. Queríamos chegar ao Fórum Social Internacional de Sabedorias Ancestrais na Bolívia, de 12 a 15 de outubro. É sempre bom seguir viagem, mas também é um pouco difícil – quando acabamos de nos apaixonar por um novo lugar, novas pessoas, novos costumes, já está na hora de ir.
Em nosso último fim de semana em Valparaíso, pegamos o Carnaval dos Mil Tambores. Ficamos até as cinco e meia da manhã, numa festa com muito batuque e dança. Não é só brasileiro que sabe fazer festa não.
Saída do Carnaval dos Mil Tambores. Fotos de Thiago Martins.
Tivemos um jantar de despedida na casa de Camila, irmã de Luciana. Ela, que cozinha muito bem, fez um pulmai, prato típico que leva mariscos, batata, carne de porco e frango, acompanhado de vinho branco. Mais uma vez ficamos até as cinco e meia da manhã, apesar de que nosso plano era partir no dia seguinte cedinho. Sabe-se lá quando poderíamos rever esses novos amigos, e a noite estava tão boa…
Mas partimos. Tentamos pegar carona a tarde inteira, mas não saímos do lugar. Decidimos gastar com ônibus, afinal nosso objetivo era chegar a tempo para o fórum. No guichê da rodoviária, expliquei que queríamos ir para a Bolívia e perguntei para onde deveríamos ir. Nos mandaram para San Pedro de Atacama, mas só tinha ônibus na noite seguinte. Ficamos num hotelzinho e no dia seguinte fomos rumo ao norte. Chegamos lá tarde da noite. Para nosso azar, não tinha como ir para a Bolívia por ali – demoraria muito, as estradas são muito ruins. (Nem sempre acredite nos atendedores de guichê de rodoviária.). Era melhor irmos para Calama, pertinho dali, onde deveríamos pegar um ônibus para Arica e daí então entrar na Bolívia. Porém ônibus para Calama, só na manhã seguinte. Nesta nossa romaria para deixar o Chile, dormimos num albergue em San Pedro, cidade que vive do turismo, situada em pleno deserto do Atacama. Nunca vi tantas agências de viagem num lugarzinho tão pequeno. A região tem fama de ser mágica e singular, mas só tivemos tempo de dar uma voltinha.
Chegamos ao meio-dia em Calama. Comprei nossas passagens para Arica, mas teríamos que esperar até às onze da noite. Estávamos fazendo hora na rodoviária; num determinado momento, fui ao banheiro, enquanto Thiago estava lendo. Nesse instante de distração, roubaram minha mochilinha, não a grande com as roupas, mas a que levava minhas duas câmeras fotográficas (uma digital fuleira e minha Nikon FM2, adquirida especialmente para a viagem), meu cartão de crédito, os colares que estávamos vendendo, um disco do Victor Jara, definido como o “Chico Buarque chileno”, que um amigo de Valparaíso me deu, y otras cositas más. Passei o dia inteiro fazendo boletim de ocorrência, tentando entrar em contato com minha mãe para que cancelasse meu cartão, andando na rua olhando neuroticamente todas as pessoas, para ver se encontrava o desgraçado com minha mochila. Susto, raiva, impotência, desânimo – esses sentimentos que costumam aparecer nesses momentos vieram à tona, e o clima da delegacia só contribuiu para aumentá-los. O que eu não sabia é que esse incidente seria a peça inicial que, num efeito dominó, desecadearia toda uma mudança na nossa forma de viajar.
Chegamos em Arica na manhã seguinte e de lá pegamos um ônibus para a Bolívia. Um lugar completamente diferente de tudo o que já vivi. Mas essa já é outra história…
Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.
Veja o post anterior.
Veja o próximo.
Recebi este email de um companheiro do MST de Minas Gerais, onde fiz o Estágio Interdisciplinar de Vivência em Áreas de Reforma Agrária em 2006, o qual me fez conhecer a luta autêntica do ser humano no seu direito primordial: a terra, que é nossa mãe, nossa base, nosso habitat natural. Direito esse, que injustamente, hoje está abaixo dos interesses privados. Há gente tentando mudar isso e que precisa de ajuda.
Um mar de barracos de lona
O que começou com cerca de 150 famílias, na madrugada do dia 09/04, já alcança hoje, na tarde do dia 11 a marca de 550 barracos cadastrados e numerados. Em alguns é possível encontrar famílias com dez ou quinze pessoas, dentre adultos, jovens e crianças. Ou seja, estima-se a presença de mais de duas mil pessoas na mais nova ocupação rururbana de Belo Horizonte.
Batizada de Dandara, em homenagem à companheira de Zumbi dos Palmares, a ação foi realizada conjuntamente pelo Fórum de Moradia do Barreiro, as Brigadas Populares e o MST. A ação faz parte do Abril Vermelho, em que se reforçam as lutas sociais pela função social da propriedade (previsto no inciso 23 do artigo 5º da Constituição Brasileira) e inaugura em Minas Gerais a aliança entre os atores da Reforma Agrária e da Reforma Urbana.
Neste sentido, a Dandara traz dois diferenciais. O primeiro é o perfil rururbano da ação, reivindicando um terreno de 40 mil metros quadrados no bairro Céu Azul, na periferia de Belo Horizonte. A idéia é pedir a divisão em lotes que ajudem a solucionar o passivo de moradia de Belo Horizonte, hoje avaliado em 100 mil unidades, das quais 80% são de famílias com ganhos abaixo de três salários mínimos. E também contribuir na geração de renda e na segurança alimentar, ao adotar-se um sistema de agricultura periurbana, em que cada lote destine uma área de terra possível de se tirar subsistência ou complemento de renda e alimentação saudável.
A enorme massificação da área pelas famílias da região foi surpresa para todos os militantes presentes, e ainda segue chegando gente, na luta de sair de áreas de risco ou de fugindo do aluguel impagável.
Histórico e Situação Atual
– A ocupação foi realizada na madrugada de 09/04/09 com 150 famílias, pelo Fórum de Moradia do Barreiro, Brigadas Populares e MST. O terreno tem 40 hectares e está abandonado desde a década de 70, além de acumular dívidas de impostos na casa de 18 milhões de reais. Veja link 2, 3 e 5 (no final da nota).
– Toda a imprensa cobriu o caso e está havendo grande repercussão pública em Belo Horizonte. As matérias de modo geral (exceto Globo) têm tratado com relativa isenção, e o Estado de Minas resolveu silenciar. A Record tem feito plantões permanentes atualizando os fatos e dado a melhor cobertura.
– Ao final do dia a polícia tentou despejar sem liminar de reintegração de posse, a mando da construtora que alega ser proprietária do terreno. Foram três horas de terror, com a investida de mais de 150 homens do batalhão de choque, que explodiram bombas, lançaram gás pimenta e destruíram dezenas de barracos com vôos rasantes de helicóptero.
– A comunidade, em apoio aos manifestantes, resolveu intervir, atirando pedras e enfrentando fisicamente a polícia, o que resultou em vários feridos e três presos.
– A polícia tem aproveitado o enorme efetivo deslocado para o local para enfrentar o tráfico de drogas da região, unificando o tratamento dado aos bandidos aos lutadores do povo que reivindicam moradia. Também tem atuado de forma arbitrária ao confinar os barracos em uma área restrita dentro do terreno, onde já não cabem mais pessoas, e proibindo a instalação de tendas de reuniões, banheiros e acesso à água e energia.
– Não param de chegar famílias para acampar. A última contagem numerou mais de 550 barracos e estima-se que isto corresponda a cerca de duas mil a cinco mil pessoas (entre adultos, jovens e crianças).
– Há intimidações da Construtora Modelo que se alega proprietária, que através de sua advogada pressionou a retirada das famílias ameaçando do uso de seu poder econômico e de relações escusas com o judiciário. Segundo a advogada, seu marido seria desembargador do TJMG. Mesmo assim o pedido de liminar foi negado pelo plantão do tribunal, o que demonstra a inconsistência dos argumentos da construtora.
– À medida em que se aglomeram mais pessoas aumentam os problemas de higiene e saúde, já que não há saneamento, nem acesso à água e energia. A noite todos ficam no escuro, ou à luz de velas e lamparinas, o que é um risco à segurança pela possibilidade de incêndio.
– A comunidade local segue apoiando, (veja link 4) e muitos moradores tem ajudado com comida, água, materiais de construção usados e outras coisas.
– Existe possibilidade iminente de sair um despejo no pleno do tribunal, a partir de segunda-feira, o que reforça a necessidade de ajuda à esta situação.
O QUE VOCÊ PODE FAZER?
Precisamos apoio:
Político: até agora somente um deputado esteve no local, e o poder público de modo geral tem se omitido, restando como interlocuor do Estado somente a Polícia Militar. Perguntamos se a mentalidade do Governo Aécio e do Prefeito Márcio Lacerda é de tratar os resultados da Crise Mundial, quando chegam aqui através do desemprego e da falta de moradia como caso de polícia. Pedimos a todos que enviem este correio e busquem em suas articulações o apoio necessário para assegurar a vitória desta luta justa.
Financeiro: a situação é muito precária!!! Falta água potável e alimentos, principalmente para as crianças, lona para as barracas, materiais diversos, pilhas e lanternas, velas, cobertores, colchões, etc.
Estamos coletando as contribuições no próprio local, na secretaria da Ocupação Dandara, perto da portaria, ou em dinheiro, por meio da conta poupança da CEF nº 204470-4 da agência 2333, op 013.
Militante: Precisamos de apoio dos militantes de Belo Horizonte, que estejam dispostos a ajudar a coordenar a ocupação, contribuindo nos corres externos e internos. A luta deve se intensificar nas semanas que vem, e a massificação também tem multiplicado as tarefas e demandas da luta. Precisamos apoio técnico nas áreas jurídica e de comunicação. Ainda não conseguimos uma aparelhagem ou carro de som para as Assembléias, que a medida que tem mais gente ficam difíceis de se fazer sem este recurso.
Maiores informações nos telefones 31 8815-4120/ 31 8531-3551.
LINKS IMPORTANTES:
LINK 2 – Vídeo produzido pela Caracol sobre a ocupação.
REPORTAGENS SOBRE A OCUPAÇÃO DANDARA:
LINK 4 (muito boa esta com depoimento de apoio dos vizinhos)
Visite o blog da ocupação Dandara.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) destruiu oito toneladas de equipamentos de rádios comunitárias de São Paulo, na última quarta-feira (8), alegando estar coibindo “atividades ilegais”.
O ato da Anatel foi repudiado e condenado com veemência pelos coordenadores-executivos do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), para quem a Agência age “na contramão da democratização” no momento em que o Governo Federal está prestes a convocar a 1ª. Conferência Nacional de Comunicação, atendendo os clamores dos movimentos sociais.
Assistida pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), a destruição foi feita com máquinas cedidas pela prefeitura e ocorreu no aeroporto de Congonhas. A escolha do local foi premeditada, tendo a Anatel evocado o já comprovadamente insustentável argumento de que o sinal emitido pelas rádios comunitárias interfere no tráfego aéreo e o coloca em risco.
Entre os equipamentos apreendidos durante operações de fiscalização do Escritório Regional de São Paulo, nos últimos sete anos, estavam antenas, transmissores, receptores e mídias. A destruição foi registrada e divulgada pela própria Anatel, que alegou também motivos econômicos: seria imperioso desocupar o depósito onde estavam os equipamentos, alugado ao custo anual de R$ 50 mil.
Para José Sóter, Coordenador-executivo da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) e membro da Coordenação-executiva do FNDC, o ato foi uma reação também dos empresários de comunicação, que são contrários à realização da Conferência e começam a promover ações midiáticas. “É um atentado protagonizado pela Anatel, principalmente porque utilizaram o cenário para passar a idéia de que aqueles equipamentos estariam interferindo nos sistemas de comunicação dos aeroportos”, observa.
Contudo, como destaca Sóter, a interferência provém das emissoras de grande potência. “Nós temos um relatório do CINDACTA [Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Trafego Aéreo], onde consta que a interferência detectada foi de emissoras, inclusive veiculadas ao Sistema Globo de Comunicação. Está comprovado que se trata de uma informação enganosa, com a Anatel a as empresas tentando jogar a comunidade contra as rádios comunitárias, tentando justificar essa ação completamente descabida”, afirma.
Sóter destaca que grande parte dos equipamentos destruídos estão vinculados a processos de regularização das emissoras ainda em tramitação, aguardando o parecer das autoridades responsáveis.
Construindo a imagem da comunidade “bandida”
Para Edson Amaral, dirigente da Federação Interestadual de Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (Fitert) e integrante da Executiva do FNDC, os equipamentos oriundos de emissoras comprovadamente não comunitárias poderiam, por exemplo, serem destinados para montar rádios educativas, ou rádios dentro das faculdades. “Mas eles agem como se todo mundo fosse bandido. É engraçado que essas coisas aconteçam em um governo popular como do Lula. Ao invés de ir atrás de drogas, contrabando de remédios, eles atuam para prender e marginalizar aquele que quer trabalhar com comunicação e prestar um serviço para comunidade”, opina.
Ataque a práticas legítimas de comunicação
“O que existe, principalmente, são rádios que aguardam a legalização por conta da inoperância do Estado. Se existem rádios realmente piratas, essas atuam como se comerciais fossem, e elas têm que ter o nome apontado. Essas é que tem que ser fechadas”, afirma a cineasta Berenice Mendes, representante da Associação Nacional das Entidades de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Aneate) na Coordenação Executiva do FNDC.
Para a cineasta, a Anatel deveria fiscalizar de fato as rádios comerciais, muitas das quais estão operando com uma potência muito maior do que a autorizada, essas sim interferindo no tráfego aéreo.
Confira a matéria na íntegra na página do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
Poemetos escritos da única maneira que sei escrever poesia: quando o papel e a caneta chamam, sendo a única solução para a insônia. A caneta corre no papel assim sem muita pretensão nem racionalização – é a expressão livre do eu.
Teoria da queimadura
Coitadas das minhas células
sofrem queimadas, sem saber por quê.
Talvez haja mundos em cada uma delas –
seus habitantes criam teorias acerca de Deus e o Universo (no caso, Eu).
Não compreendem que sua galáxia é a batata da minha perna
e agonizam, queimados, sem saber por quê.
Devem achar que é o fim dos tempos
aquecimento global.
a fúria dos anjos.
Não os culpo. Talvez o meu mundo
seja uma célula da batata da perna de Deus,
e também agonizo sem saber por quê.
A vida
Caí.
Machuquei.
Gritei.
Levantei.
Curei.
Nada de manha.
A vida é dura.
Eco emotivo
Por que não devo pensar
no que poderia ter sido?
Esmiuçar cada sonho do passado, possibilidades
labirinto de ecos do vivido.
Devo ter medo de me machucar?
Pode ser divertido.
Desmimada
Solteira e longe dos pais,
não sei mais chorar arrancando os cabelos.
Declaração
Sinto muito, mas nunca vou te deixar em paz.
Te amo.
Colorizando
Qual é a cor do seu desejo?
O meu é rosa, bem de menina.
(Mas pode ficar vermelho).
Desbocada
Se minha boca te disser mentiras,
não acredites.
Ela não sabe o que fala.
P.S. Percebo uma certa influência dos Tiros Curtos do Joselito – mas os dele são bem melhores.
No momento em que estávamos chegando em Córdoba, comentei com o Thiago: “essa cidade tem um ar de Curitiba”. Mas a primeira impressão nem sempre fica. Córdoba é Córdoba.
Uma noite Thiago estava fazendo uma de suas performances nos semáforos quando foi chamado para ir trabalhar numa festa com seus malabares por cerca de duas horas – em troca, ganharia 40 pesos. Ele topou, e eu fui junto. Foi bem engraçado – era uma festa para menores de idade, em uma boate. Uma piazada de 15/16 anos se esforçando para aparentar 20. As meninas superproduzidas, com micro-saias e tops, os meninos de calça larga, boné e cigarro na mão. Músicas horríveis a noite inteira, mas como ainda não nos alimentamos de luz, e nem sempre conseguimos carona, a grana é necessária. Ossos do ofício.
Ficamos num hostel cujo dono vivia lá mesmo. Ele dormia nos quartos para seis pessoas, em um beliche, junto com os hóspedes. Trabalhou em outros hostels que, segundo ele, eram muito “estilo empresa”. Ele não, ele quer receber os mochileiros na sua casa, em um ambiente informal e aconchegante. A ideia é legal, mas o problema é que alguns hóspedes ficavam o dia inteiro dentro do hostel – que, portanto, estava sempre cheio. Havia um computador com internet disponível, mas eu dificilmente conseguia usar, sempre tinha alguém.
Depois de uns dias queríamos encontrar outro lugar para ficar, onde pagássemos menos e tivéssemos mais espaço para ficar tranqüilos. Um dia eu e Thiago nos desencontramos e caminhamos separados pela cidade. Ele viu um cara tocando flauta, tirou uma foto, perguntou quanto custavam as flautas que ele produzia e assim foram conversando. Seu nome era Kike e fazia uns cinco anos que estava viajando; já pensava em voltar para o Equador, sua terra natal.
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Kike. Foto de Thiago Martins.
Ele conseguiu que nós ficássemos na casa que ele alugava. Teríamos que pagar dez pesos diários por pessoa, mais barato que o albergue. Era um moquifo, não tinha uma panela limpa, mas para ficar só dois dias dava pro gasto. Na verdade, queríamos ter deixado Córdoba na sexta-feira, mas descobrimos que o trem para Buenos Aires só sairia no domingo. Nesses dias não planejados a mais, ficamos na casa de Kike.
Aliás, a viagem de trem foi uma decepção. Pensávamos que iríamos ver lindas paisagens pela janela, como nos filmes. Até poderia ter sido, se a viagem não fosse praticamente toda à noite. Saímos às 16h30 de Córdoba e chegamos a Buenos Aires às 07h30 da manhã. Mesmo assim foi interessante – além de muito barato. Na saída de Córdoba pudemos ver as villas, equivalente às favelas brasileiras. Chegou um dado momento em que tínhamos que fechar as janelas e persianas do trem, porque as pessoas jogam pedras. Ficou claro que a Argentina sofre dos mesmos problemas que o Brasil, mesmo que em diferentes proporções – concentração da população nas áreas urbanas industriais e a consequente marginalização da mão-de-obra excedente não qualificada que, como cães de rua, vive dos restos.
Thiago estava louco para fumar, afinal a viagem foi longa. Na fila do banheiro, encontrou um senhor que discutia em vão com o guarda para que pudesse fumar. Thiago entrou na conversa e, com a saída do guarda, acabaram os dois fumando juntos escondidos no banheiro. Que cena. O senhor veio sentar com a gente. Era sociólogo, militante da Teologia da Libertação – ala socialista da igreja católica. Conversamos por muitas horas sobre sociedade, cultura e América Latina, até que o sono nos pegou. Acordamos em Buenos Aires.
Um país em declínio
Conversando com as pessoas, pude concluir que a Argentina, que por um longo período da história criou uma imagem de distanciamento da miserável situação latino-americana, está em crise. O ódio que sentem por Menem, o ex-presidente corrupto que fez o trabalho que Collor e FHC fizeram no Brasil, pode ser ouvido nas conversas e nas músicas. O histórico investimento em educação, tão característico do desenvolvimento argentino, vem sendo abandonado. As instituições de ensino mantidas pelo governo enfrentam as mesmas situações enfrentadas no Brasil: falta de verba, de professores e problemas de infraestrutura; o tal do sucateamento das escolas públicas. O desemprego assola a população. A marginalidade e o trabalho informal surgem da necessidade como soluções imediatas à crise.
Em Buenos Aires estava lendo As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. É triste perceber que os problemas são essencialmente os mesmos em nosso continente, independentemente do período histórico ou do país. Às vezes o poder se transfere de mãos, os produtos de exploração se alternam em ciclos, os regimes políticos são derrotados e substituídos, mas a estrutura de exploração é a mesma: expropriação das riquezas naturais e humanas, exportação da maioria do capital e concentração do pouco que fica na nação em mãos de uma elite intermediária. Como o grosso do capital vai para o exterior, o Estado fica sem verbas para os investimentos básicos, e vai pedir ajuda justamente para aqueles que lucram em seu território. O empréstimo vem, mas junto com várias “recomendações” de como investi-lo, mantendo esse sistema de exploração.
José Carlos Mariátegui fez um diagnóstico do Peru no ano de 1928, em Sete Ensaios da Realidade Peruana, porém sua validade se estende para a América Latina e, infelizmente, continua atual.
O obstáculo, a resistência a uma solução, encontram-se na própria estrutura da economia peruana. A economia do Peru é uma economia colonial. Sua movimentação, seu desenvolvimento, estão subordinados aos interesses e às necessidades dos mercados de Londres e de Nova Iorque. Estes mercados enxergam o Peru como um depósito de matérias primas e uma praça para suas manufaturas. A agricultura peruana obtém por isto, créditos e transporte apenas para os produtos que pode oferecer com vantagem nos grandes mercados. As finanças estrangeiras interessam-se um dia pela borracha, outro pelo algodão, outro pelo açúcar. O dia em que Londres possa receber um produto a melhor preço e em quantidade suficiente da Índia ou do Egito, abandonará imediatamente à sua própria sorte seus fornecedores do Peru. Nossos latifundiários, quaisquer que sejam suas ilusões que tenham acerca de sua independência, não deixam de agir, na realidade, apenas como intermediários ou agentes do capitalismo estrangeiro.
Mas a Argentina ainda tem uma vantagem, uma carta na manga: a consciência política. As manifestações artísticas argentinas frequentemente têm conteúdo crítico. A população em geral fala de política, reflete sobre a situação de seu país, desde os mais velhos até os mais jovens. Caminhoneiros me contaram das injustiças sociais, os músicos falam da desigualdade em seus discos. Nos dias em que passei em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino, sempre havia manifestações populares. Há um movimento fundado pelas mães de perseguidos políticos, as Madres de Plaza de Mayo, que surgiu como protesto aos horrores da ditadura e exigia a volta com vida dos jovens desaparecidos. Esse movimento cresceu tanto que hoje possui um jornal, uma rádio, uma biblioteca e até uma universidade. Estive na biblioteca, que possui um acervo riquíssimo de obras sobre América Latina, povos autóctones, movimentos sociais etc.
Parece existir na Argentina uma consciência de que as coisas estão erradas, historicamente, e que não precisam ser assim. O próximo passo seria elaborar uma alternativa coletivamente e depois, o mais difícil, implantá-la – trabalho que os movimentos sociais vêm tentando desenvolver. Evoluir da consciência crítica para a construtiva.
Última parada
De Córdoba fomos para Buenos Aires e depois seguimos pedindo carona em direção ao Chile, com a intenção de parar na parte argentina da Cordilheira dos Andes e conhecer neve – o sonho de todo brasileiro. Fomos parar em Puente del Inca, uma cidadezinha povoada por uma base do exército e comerciantes que recebem diariamente as várias excursões de turismo que passam pela cidade. Todo esse clima turístico, incluindo os preços altos, não puderam abalar a nossa alegria. Voltamos a ser crianças. Ficamos só dois dias, cercados de lindas paisagens – uma curiosa e singular mistura de vegetação semi-desértica dos Andes e neve -, e seguimos rumo a Valparaíso, no Chile.
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Puente del Inca.
Ao fim de nossa passagem pela Argentina, apesar de ser difícil colocar toda uma nação num mesmo saco, poderia definir os argentinos com duas palavras: loucos e apaixonados. Acho que essa rivalidade com os argentinos é porque eles têm uma personalidade muito forte, “personalidade demais”, para alguns. “É que o argentino tem muito amor próprio”, me disse Beto, o senhor de Junin. Pode ser. Mas pensando bem, encontrei uma terceira característica para os argentinos: loucos, apaixonados e apaixonantes.
Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.
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Veja o próximo.
Gladimir Nascimento, com mais de 20 anos de jornalismo nas costas, foi demitido em janeiro deste ano da Band News, rádio que ajudou a construir há três anos. A demissão deu-se por “pressão política”. A causa foi a seguinte notícia: o jornalista contou aos seus ouvintes que a Assembléia Legislativa do Paraná aprovou uma aposentadoria especial, direcionando 17 milhões do orçamento de 2009 para a aposentadoria de seus deputados. Eles contarão com 10,2 mil reais mensais para desfrutar a velhice.
O trâmite foi feito na surdina: em sessão realizada na calada da noite, durante a madrugada. “Elegemos os políticos para serem representantes do povo e eles nos surpreendem como ladrões de galinha”, denunciou Nascimento. Acontece que a administração desse fundo previdenciário caberá ao Paraná Banco, propriedade de Joel Malucelli. E adivinha quem é o dono da Band News? Ele próprio, Joel Malucelli. Mais uma vez a velha promiscuidade imprensa-política-capital exerce seu poder contra a liberdade de imprensa.
A assessoria da Assembléia Legislativa do Paraná diz desconhecer a demissão do jornalista. Afirma que os comentários que Nascimento fez foram fortes e informa ainda que “a demissão do referido jornalista é uma questão entre o profissional e a emissora para a qual ele trabalhava”.
Demissão em massa
Hoje, 27 de março, em debate no Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Paraná, Gladimir contou que Joel Malucelli lhe disse cara-a-cara o motivo de sua demissão. “Os comentários que eu fiz são fortes. Se as pessoas não gostam, que me demitam”, resigna-se Nascimento. “Este episódio foi um exercício de liberdade, saber até onde poderia ir, e Joel (Malucelli) foi transparente”. Segundo o radialista, o mais grave foi a posterior demissão de sua equipe a mando do Secretário de Comunicação do Estado do Paraná, Benedito Pires Trindade.
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Gladimir no Decom.
O debate contou também com o jornalista Rodrigo Dheda, da Gazeta do Povo, e foi mediado pela estudante de jornalismo Thaise Mendonça. O foco foi a questão da liberdade do profissional de jornalismo.
Recomeço
Gladimir Nascimento e sua equipe – Denise Mello, Heliberton Cesca, Daiane Figueiró, Patrícia Thomaz, Tathiana Mesquita, Cida Bacaycoa, Aline Castro e Vinícius Sgarbevoltam – continuam atuando na imprensa, agora de forma independente na web rádio jornalismofm. O email para pautas e sugestões de entrevistas é [email protected].
*Algumas informações dessa matéria foram tiradas do sítio http://www.comunique-se.com.br
Repousa os pés na estrada
a cada passada
o nosso descanso é cruzar fronteiras
Minha terra tem palmeiras
mas eu nunca vi
tem palmares, tem quilombos
xavante, tupi
Minha terra tem aldeias
mas eu nunca vi
onde o vento é quem semeia
o alimento guarani
Minha terra tem lugares
que eu nunca fui
densas matas, tenros vales
onde a água flui
Minha terra tem estradas
minha terra tem estribos
Sou índio da cidade
desertor de minha tribo
ser urbano jogado no mundo
ser mundano perdido na urbe
um sulamericano perdido
que não quer ser mais um no cardume
Sou vagalume, sou vagalume
vejam minha luz!
Essa terra tem mil deuses
um deles que me conduz
essa terra tem canções
essa terra tem cantigas
mas o ouro dos brasões
veio abrir nossas feridas
Essa terra é muito antiga
essa terra é muito antiga
Repousa os pés na estrada
a cada passada
o nosso descanso
embalado pelo canto
em qualquer canto
desbravando os brasis
se as veias estão abertas
seremos a cicatriz
Poema de Marcus Vinicius (http://versosevasos.blogspot.com), o Mascote da Expedición Donde Miras – Caminhada Cultural pela América Latina (www.expediciondondemiras.blogspot.com).
– Os indivíduos se dividem, segundo a lei da natureza, em duas categorias: a inferior (a dos vulgares), isto é, se me permite a expressão, a material, que unicamente é proveitosa para a procriação da espécie, e a dos indivíduos que possuem o dom ou a inteligência para dizerem no seu meio uma palavra nova. É claro que as subdivisões são infinitas, mas os traços diferenciais de ambas as categorias são bem nítidos: a primeira categoria, ou seja, a matéria, falando em termos gerais, é formada por indivíduos conservadores por natureza, disciplinados, que vivem na obediência e gostam de viver nela. A meu ver têm a obrigação de ser obedientes, por ser esse o seu destino e não ter, de maneira nenhuma, para eles, nada de humilhante. A segunda categoria é composta por aqueles que infringem as leis, os destrutores e os propensos a sê-lo, a julgar pelas suas faculdades. Os crimes destes são, naturalmente, relativos e muito diferentes; na sua maior parte exigem, segundo os mais diversos métodos, a destruição do presente em nome de qualquer coisa de melhor. Mas se necessitarem, para bem da sua idéia, de saltar ainda que seja por cima de um cadáver, por cima do sangue, então eles, no seu íntimo, na sua consciência, podem, em minha opinião, conceder a si próprios a autorização para saltarem por cima do sangue, atendendo unicamente à idéia e ao seu conteúdo, repare bem. É só neste sentido que eu falo no meu artigo do direito ao crime. (Lembre-se, o senhor, que partimos de uma questão jurídica.) Embora, no fim de contas, não haja razão nenhuma para se ficar demasiado assustado; quase nunca a massa lhes reconhece esse direito, e até os castiga e os manda enforcar (mais ou menos); e assim, com absoluta justiça, cumpre o seu destino conservador, o que não é obstáculo para que, nas gerações seguintes, essa mesma massa erga os castigos sobre pedestais e se incline diante deles (mais ou menos). A primeira categoria é sempre a verdadeira dominadora: a segunda é… a futura dominadora. Os primeiros conservam o mundo e multiplicam-no matematicamente; os segundos movem-no e conduzem-no para a sua finalidade. Tanto uns como outros têm perfeito direito de existir. Em resumo: para mim, todos têm o mesmo direito, e… vive la guerre éternelle!…
De fato, Raskólhnikov comete um crime: assassina uma senhora usurária que penhorava objetos e, por fatalidade, mata também a irmã da velha, que aparece inadvertidamente na cena do crime. Ele rouba alguns de seus objetos de valor, mas não usufrui deles – esconde-os e abandona-os. Isso porque o assassinato não teve motivo financeiro, mas ideológico. Na minha leitura, sua teoria encara um evento que é social sob uma ótica natural, determinista. Ou seja, encaixa fenômenos sociais em leis da natureza. Sua visão é bastante oligarca, fazendo crer que existe uma enorme massa naturalmente inerte que deve ser guiada por homens à frente de seu tempo.
A teoria se justifica pela história, os mártires são seus trunfos. Porém os mártires, em geral, têm inicialmente o apoio da população à sua volta, destacando-se por sua liderança. Não é uma massa conservadora que os degola: são os detentores do poder, os fazedores das normas vigentes, que não permitem ameaças revolucionárias. Assim foi com Jesus Cristo e o Império Romano, Tiradentes e a Coroa, Che Guevara e as ditaduras militares sob a Doutrina Monroe, entre tantos outros casos.
Existe sim, historicamente, uma força conservadora e outra radical, é a tal da dialética, e há lideranças dos dois lados: os que comandam a estrutura vigente e aqueles que enxergam suas limitações e desejam transcendê-la. Entre esses dois pólos, uma enorme população que sobrevive sem considerar fatores dessa ordem transita, apoiando aqueles que os fazem acreditar que estão em defesa de seus interesses. A luta revolucionária hoje busca justamente que todos sejam atores sociais, que vejam com seus próprios olhos a realidade que os cerca e possam construir ferramentas de interação. Desse conceito surgem os termos “emancipação” e “autodeterminação”. Raskólhnikov não acreditava nisso. Sob sua visão, esses fatores foram determinados naturalmente e cabe a cada um aceitar seu destino.
Mas aí surge o conflito: ele não consegue viver em paz com seu crime. Seus nervos, em permanente estado de ebulição, o traem, e uma idéia cinzenta o assombra cada vez mais. Em sua teoria, ele previu que alguns seres conservadores poderiam, por alguma ironia do destino, acreditarem-se revolucionários.
– Apesar da sua propensão inata para a obediência, por alguma travessura da natureza, do que nem uma vaca está livre, muitos deles imaginam-se seres avançados, destrutores, e correm atrás da palavra nova, e isso com absoluta sinceridade. Na realidade, e com muita freqüência, não sabem distinguir os novos e até os olham com desdém, como a pessoas atrasadas e que pensam baixamente. Mas, a meu ver, isso não é motivo sério para inquietação, e o senhor, verdadeiramente, não deve sentir o menor desassossego, pois esses indivíduos nunca vão longe. Sem dúvida que poderiam ser castigados uma vez, pela sua presunção, a fim de recordar-lhes qual é o seu lugar; mas, para isso, nem sequer é preciso incomodar o verdugo: são eles mesmos que se flagelam, porque possuem uma elevada moralidade; alguns prestam-se mutuamente esse serviço e outros açoitam-se por suas próprias mãos… além disso, impõem-se diversas penitências públicas… o que é belo e edificante.
Imaginem seu desespero quando ele percebe que é um desses seres inferiores que se confundiram, crendo-se avançados! Traído por sua própria teoria, tendo que admitir seu fracasso e ocultar seu crime, entre intrigas familiares, a loucura o assola.
Dostoiévski é capaz de refletir a existência humana ao mesmo tempo em que recheia seu romance de cenas fantásticas, personagens ricos e diálogos impressionantes. Com essa combinação genial, eternizou suas obras. Um deleite para os amantes da literatura e àqueles que investigam a complexidade da alma humana.
O coletivo Soylocoporti, junto a diversos movimentos sociais e entidades, esteve nas cidades de Ribeira (SP) e Adrianópolis (PR), divididas por uma ponte que separa os dois estados. Essa região será fortemente atingida pela construção da Barragem de Tijuco Alto, que já está em início de processo de construção. Abaixo segue parecer com os danos que tal empreitada causará à área. As fotos que ilustram o post foram tiradas na marcha de protesto contra a barragem, seguida de Festival de Cultura, realizados neste último sábado, 14 de março, em caminhada de Ribeira a Adrianópolis.
Mais uma contrução conduzida por uma lógica ultrapassada, colonizadora e elitista. É nosso dever protestar.
O Rio Ribeira de Iguape é o eixo de integração cultural do Vale do Ribeira, sendo o principal rio formador da Bacia Hidrográfica do Ribeira e Litoral Sul, incluindo a região do Lagamar. Há muito tempo os povos originários do Vale, os quilombolas, os ribeirinhos e os caiçaras vivem, plantam, pescam e dependem deste rio. Foi assim que o Vale desenvolveu a sua maior riqueza: uma população que consegue, nas pequenas atividades como a agricultura familiar e a pesca artesanal, produzir e manter uma grande diversidade cultural e, ao mesmo tempo, conservar a maior área de Mata Atlântica do Brasil. Este equilíbrio caracteriza o Vale do Ribeira como uma região reconhecidamente com alta qualidade de vida, apesar dos baixos IDHs.
Apesar disso, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), uma das diversas empresas do Grupo Votorantim, tenta há mais de 20 anos construir uma Usina Hidrelétrica no Rio Ribeira de Iguape. O projeto da Barragem de Tijuco Alto está previsto para o trecho entre Ribeira (SP) e Adrianópolis (PR), no Alto Ribeira. Seu objetivo é SOMENTE produzir energia para AUMENTAR a produção de alumínio da CBA, localizada na região de Sorocaba, fora do Vale do Ribeira.
Aqui na região do Lagamar (Iguape, Cananéia e Ilha Comprida) podem ocorrer diversos impactos ignorados pela CBA e ainda não considerados pelo IBAMA: prejuízos ao ecossistema manguezal, redução da pesca da manjuba, alteração da cadeia alimentar marinha. Estas alterações, além de trazer problemas sociais, poderão afetar fortemente o turismo, que depende da pesca e da observação de botos.
Você sabia que:
– a Barragem de Tijuco Alto pode NUNCA encher?
– serão apenas 60 empregos fixos?
– você paga 10 vezes mais pela energia do que empresas como a CBA?
– o Lagamar pertence à Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape?
– o estudo de Impacto Ambiental, legalmente, deveria ser feito para toda Bacia?
– o Lagamar NÃO foi considerado no Estudo de Impactos Ambientais?
– esta energia não chegará na sua casa?
– há risco de contaminação com chumbo?
– agricultores foram expulsos de suas terras antes mesmo da hidrelétrica ser aprovada?
Fonte: http://terrasimbarragemnao.blogspot.com