sobre esta que vos escreve

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O nome que me deram é Michele. Herdei o Torinelli de um cara que veio da região de Trento, atual Itália, em 1800 e alguma coisa para um desconhecido mundo, do qual só se ouvia falar. Nem foto tinha, e as notícias que chegavam eram de doenças, índios selvagens e insetos gigantes. Conseguiu sua rocinha no interior de Santa Catarina (e imaginar o provável embate entre indígenas e colonos me dá calafrios, mas disso pouco se fala no Vale do Itajaí). As gerações foram se passando, até que em novembro de 1985 vi o mundo pela primeira vez em Blumenau. Fui crescendo e desenvolvendo gosto pelas artes em geral e pela literatura em especial. Aos dezessete anos, hora de escolher a profissão no unidunitê, fui estudar Comunicação Social – Jornalismo em Curitiba.

Ao longo do período universitário, desabrocharam questionamentos e desenvolveram-se conceitos. Uma sede enorme de conhecimento da vida, que me instigava desde a infância, tornou-se incontrolável. Participei de fóruns sociais e estudantis, encontros, estágio vivência com o MST e viajei um ano pela América do Sul, de julho de 2006 a julho de 2007, percorrendo Paraguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru e Brasil. O que era forte tornou-se torrencial – a percepção de que as veias latinas estão abertas, de que há culturas riquíssimas, com sólidas sabedorias ancestrais, sendo tratoradas por um sistema desumano.

Voltando para Curitiba, juntei textos e fotos da viagem num livro – Viajeros – nos fluxos da América do Sul – e, apresentando-o perante uma banca, recebi um papel que afirma que sou jornalista. Por alguns meses fiquei com o diploma embaixo do braço sem saber o que faria com ele. Passei um mês e meio trabalhando e devorando livros num hostel na Ilha do Mel e ao voltar para Curitiba participei da produção de curta-metragens.

Em julho de 2008 integrei a Expedición Donde Miras, seres-artistas-malucos andando de São Paulo a Cananéia promovendo saraus e oficinas culturais de cidade em cidade, visando conhecer, alimentar e movimentar a cultura latino-americana. Registrei a caminhada através de textos e fotos, veiculados no blog da expedição e no meu. A experiência repetiu-se no começo de 2009, mas desta vez caminhamos de São Paulo a Botucatu. A última caminhada foi na virada de 2009 para 2010, de Santos a Paraty. Mas o objetivo é ultrapassar fronteiras hermanas. Haja pernas.

Atuei com edição de vídeo (2008) e fui educomunicadora no Projeto Nossa Mídia (2009/2010), do Departamente de Comunicação Social da UFPR, e na Ciranda – Central de Notícias dos Direitos da Infância e da Adolescência (2010). A partir de 2009, mergulhei de cabeça no coletivo Soylocoporti, no  qual pessoas se juntam para lutar pela autodeterminação cultural latino-americana em detrimento da cultura hegemônica do pensamento único. Soy loco por ti América, soy loco por ti de amores.

Atuei profissionalmente no Coletivo de 2010 a 2012, sendo responsável pela coordenação do Festival de Cultura Nuestra América, comunicação institucional e desenvolvimento de projetos. Participei de diversas e lindas iniciativas de comunicação compartilhada: Festival de Cultura (2009 e 2010), Jornada de Agroecologia (2010 e 2011), Fórum Social Mundial (2010 em Porto Alegre e região e 2011 no Senegal e 2012 novamente em Porto Alegre, no qual participei da organização, da cobertura e das atividades do III Fórum de Mídia Livre) e do I Congresso Latino-Americano de Cultura Viva Comunitária.

No começo de 2013 participei da XX Brigada Sul-Americana de Solidariedade a Cuba e perambulei um pouco por esse instigante país. De 2013 a 2015 fiz mestrado em Sociologia na UFPR na linha de Cultura, Comunicação e Sociabilidade e pesquisei ativismo político em rede. A pesquisa resultou na dissertação A máscara e a multidão: enquadramentos dos Anonymous nas manifestações de junho de 2013 no Brasil e no capítulo sobre as manifestações em Curitiba do livro Junho: potência das ruas e das redes, entre outros artigos publicados.

Nesse mesmo ano, iniciei uma experiência rural em Morretes com mais dois amigos. Foi um ano de intensas descobertas de vida, da natureza, do corpo, da alma… e da bioconstrução e da permacultura, por meio da prática cotidiana, de encontros, cursos e vivências.

Mas percebi que, antes de começar minha própria história, preciso e quero conhecer outras histórias  – e ter a humildade de aprender com os mais experientes. Dessa motivação surge o projeto Vida Boa, que tem por objetivo vivenciar e documentar o cotidiano, as sabedorias e a luta de iniciativas de Bem Viver, bem como realizar uma pesquisa que ajude a elucidar seus desafios e suas conquistas.

 

“Gosto de ser gente porque sei que a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu ‘destino’ não é um dado mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade.”

Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia.

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