devaneios de uma noite insone
Final de El topo, filme do Jodorowsky – o Jodô, meu terapeuta sem que ele o saiba. O cara, nosso protagonista, depois de uma longa e tortuosa e egocêntrica jornada, percebe que seu desejo de ser o melhor e vencer todos os mestres do deserto não valia de nada. Ele passa anos meditando como uma estátua e, sem saber, em seu transe, é adorado por anões fodidos presos em uma caverna. Um dia ele desperta e, frente a tanto sofrimento, resolve que tem que porque tem que ajudá-los a sair de lá. Coitados, lá, presos, excluídos do mundo. Aí ele vai pro mundo. Juntar dinheiro pra comprar dinamite pra conseguir escavar um buraco na montanha dos anões. Salvá-los.
Triste mundo. Terríveis pessoas. Escrota moral. Ele e sua companheira anã se submetem a recolher as migalhas dessa podridão. Eles juntam grana na rua e, assim, aos poucos, escavam o túnel. Quando finalmente o trabalho que parecia interminável termina, os anões saem todos da caverna, correndo, felizes – finalmente livres! Eles vão em direção à cidade, mas mal sabem eles o que lhes espera: gente com muito ódio portando armas.
São dizimados. Todos. Ou quase todos.
Nosso herói entra em desespero. Pega uma arma e começa a matar todo mundo. Toda essa gente escrota. Depois da matança, senta no chão e ateia fogo em si mesmo. Desilusão total: a abnegação, a entrega em prol dos outros, do que era certo, não adiantou de nada. Merda nenhuma. Gente podre, sociedade podre.
E a história recomeça – a cena final repete a inicial: um homem (filho do protagonista) monta num cavalo, igual seu pai fez, com uma mulher e uma criança, para desbravar o deserto. O ciclo se reinicia.
“Sofrimiento, consuelo, sofrimiento, consuelo”, diz Jodô em seu último filme, La danza de la realidad, sobre a cadeia de dor e prazer que resume essa vida “mundana”. Maia. Ilusão.
Como romper o ciclo? Como?
A espiritualidade costuma ser entendida como a forma de superar essa ilusão. Faz sentido. Mas sem uma visão crítica da realidade ela não leva a nada, resume-se a misticismo egoísta. Nada, porque a iluminação não pode se dar sozinha. Desconfio que ela só pode vir de uma relação com o outro, com a vida, através de muita compaixão – capacidade de sentir como seu o sofrimento do outro.
Mas não adianta querer consolar quem sofre. É preciso encarar a lógica do sofrimento. A injustiça. A opressão.
Não adianta querer salvar o outro. Só o outro pode se salvar. Só o outro sabe como se salvar. Assistencialismos e paternalismos querem acomodar o lado mais ferrado dentro de uma lógica escrota. Mas é preciso mudar a lógica escrota.
(Mas quem sou eu para censurar os culpados? O pior é que preciso perdoá-los. É necessário chegar a tal nada que indiferentemente se ame ou não o criminoso que nos mata. Mas não estou segura de mim mesma: preciso perguntar, embora não saiba a quem, se devo mesmo amar aquele que me trucida e perguntar quem de vós me trucida. E minha vida, mais forte do que eu, responde que quer porque quer vingança e responde que devo lutar como quem se afoga, mesmo que eu morra depois. Se assim é, que assim seja.) *
Amor amor amor. Como conciliar o amor com a justa e necessária revolta? Aquela que se coloca contra o absurdo, o inaceitável, contra a expropriação da vida? É possível amar quem nos trucida? Antes de saber se é ou não possível: é desejável amar quem nos trucida?
Bhagavad Gita. Krishna aparece pra Árjuna e diz que ele deve encarar uma necessária batalha. Árjuna fica triste, pensa em todo o sofrimento que vai ser causado, todo sangue que vai ser derramado. Talvez fosse melhor ficar tranquilo, não confrontar, evitar a fadiga. Mas Krishna diz que não. Não se pode fugir de certos confrontos.
O casamento entre a consciência espiritual e política. Será possível? Será desejável? Me parece não só desejável, mas necessário. Que se fale bem alto a palavra amor, que se fale bem alto a palavra esquerda – aquele velho termo que serve para designar um olhar que vê as desigualdades do mundo, que não as aceita como naturais ou inevitáveis ou, ainda pior, como questão de mérito individual, de capacidade. A esquerda aponta o dedo e diz que o rei está nu.
Se o mundo alguma vez conseguir ser melhor, só o terá sido por nós e conosco. Sejamos mais conscientes e orgulhemo-nos do nosso papel na História. Há casos em que a humildade não é boa conselheira. Que se pronuncie bem alto a palavra Esquerda. Para que se ouça e para que conste. **
A esquerda passa por uma crise – a de se descobrir muitas esquerdas, a de se ver repetindo aquilo que critica, a de se pautar na competição e não na colaboração, a de se encerrar em ideologias que não dialogam com as pessoas e com a realidade. Necessária crise. Legítima crise. Mas não é hora de decretar o fim da esquerda (e, consequentemente, o fim da política?). É hora de reinventá-la(s).
Repensar o sentido das coisas. A maneira de se estar no mundo, de se relacionar com ele, com todos os seres. O tempo das coisas. Os ciclos naturais. Resgatar ancestralidades, sabedorias da terra, do espírito, do cosmos.
Desconfio que só a espiritualidade pode resgatar a política.
E que só a política pode realizar a espiritualidade.
* Clarice Lispector, A Hora da Estrela
** Saramago, aqui
meu peito cresce tanto que preciso reaprender a respirar.
meus passos, sempre tortos. a coluna tenta se endireitar.
alguma coisa acontece no meu coração.
alguma coisa me faz abrir mão do não.
alguma coisa que sente. alguma coisa que chora.
alguma coisa que já não se esconde na solidão.
Memorial do Convento, José Saramago. Lisboa, Editorial Caminho, 1982.
Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra. Era uma vez a gente que construiu esse convento. Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes. Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido. Era uma vez. (Texto da contra-capa)
Por uma hora ficaram os dois sentados, sem falar. Apenas uma vez Baltasar se levantou para pôr alguma lenha na fogueira que esmorecia, e uma vez Blimunda espevitou o morrão da candeia que estava comendo a luz, e então, sendo tanta a claridade, pôde Sete-Sóis dizer, Por que foi que me perguntaste o meu nome, e Blimunda respondeu, Porque minha mãe o quis saber e queria que eu o soubesse, Como sabes, se com ela não pudeste falar, Sei que sei, não sei como sei, não faças perguntas a que não posso responder, faze como fizeste, vieste e não perguntaste porquê, E agora, Se não tens onde viver melhor, fica aqui, Hei-de ir para Mafra, tenho lá família, Mulher, Pais e uma irmã, Fica, enquanto não fores, será sempre tempo de partires, Por que queres tu que eu fique, Porque é preciso, Não é razão que me convença, Se não quiseres ficar, vai-te embora, não te posso obrigar, Não tenho forças que me levem daqui, deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te toquei, Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras que não o farás e já o fizeste, Não sabes de que estás a falar, não te olhei por dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo. (p. 56)
Trechos de Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
VIDA
Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido na ideia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do que em primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso? (p. 51)
O senhor já sabe: viver é etcétera… (p. 110)
O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza! Só assim de repente, na horinha em que se quer, de propósito – por coragem. Será? Era o que eu às vezes achava. Ao clarear do dia. (p. 334)
“Vida” é noção que a gente completa seguida assim, mas só por lei duma idéia falsa. Cada dia é um dia. (p. 414)
Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas. (p.429)
Ah, esta vida, às não vezes, é terrível bonita, horrorosamente, esta vida é grande. (p.438)
A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação – porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada. (p. 477)
Assim, de jeito tão desigual do comum, minha vida grangeava outros fortes significados. (p. 504)
Viver – não é? – é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo. (p. 601)
Retirado de “O simbolismo astrológico e a psique humana”, de Luiz Carlos Teixeira de Freitas. São Paulo: Círculo do Livro, 1990, p. 314-5.
Quíron, meio homem e meio cavalo, representa numa só figura a sabedoria instintiva e natural do corpo e o acúmulo de conhecimento da humanidade.
Quíron vivia numa gruta no monte Pélion, onde ensinava música, a arte da guerra e da caça, as leis e, sobretudo, a medicina. Foi um famoso educador, tendo tido por discípulos alguns dos grandes heróis, entre eles Jasão e Aquiles. Possuía também o dom da profecia, mas teve um trágico desfecho: na tentativa de Hércules de capturar o javali do monte Erimanto (um dos doze trabalhos do herói), foi ferido acidentalmente no joelho (ou na coxa) por uma das flechas envenenadas de Hércules. Assim, apesar de mortalmente ferido – tais flechas haviam sido embebidas no sangue da Hidra – Quíron não podia morrer por ser imortal (filho de Cronos). Seu sofrimento foi profundo e longo, até que Zeus pediu a um mortal que cedesse a Quíron seu “direito de morte”.
Prometeu (o titã que roubou o fogo dos céus para entregá-lo aos homens e, por isso, amargurava seus dias no Hades, eternamente supliciado por um abutre que a cada dia lhe devorava o fígado) cedeu ao centauro esse direito, e Quíron ascendeu aos céus para a constelação de Sagitário, o Arqueiro, pois a flecha (“sagitta”, em latim) simboliza a síntese humana de voar por sua própria transformação, através do espírito mas a partir de sua condição animal.
A ferida fora inflingida na parte animal de Quíron e justamente na perna, que o apoiava sobre a terra; em outras palavras, em sua condição animal e não na de humano, assim como a hipertrofia do núcleo masculino excessivamente preocupado com ideais e noções de justiça costuma comprometer no sagitariano a integridade de seu núcleo feminino de emoções e sentimentos. No entanto, parece que a existência da “ferida” nas emoções e no corpo, que são o elo com a realidade, termina sendo soterrada pela atividade incessante do sagitariano em divertir-se e divertir as pessoas, provando a si mesmo e a elas sua “incrível felicidade”. Afinal, a pessoa deste signo “manifesta” Zeus, o mais ativo e “fertilizador” dos deuses; ao fundo de sua “caverna”, entretanto, reside o velho sábio Quíron, ferido mortalmente na perna mas sem chegar à morte.
Se é esse estado de eternamente ferido que dá ao sagitariano condições para os vôos de espírito e intuição emocional que certamente estão presentes no signo, quando não também para os traços de otimismo ilusório ou verdadeiro fanatismo por uma causa ou ideal, será também esse estado que o fará, algum dia, retornar ao seu corpo animal e às leis da natureza, com o que poderá integrar-se a si mesmo.
Então não dependerá mais, tanto quanto antes, de viver projetivamente (através da “esposa” ou, se for uma mulher, de outras) a natureza feminina à qual está ligado indissoluvelmente mas à qual se opõe; da mesma forma, não precisará mais, como antes, viver apenas no mundo etéreo e incorpóreo dos ideais de justiça e de sabedoria, o qual, se não tiver uma base na realidade material das emoções, não tem o menor sentido real.
Trechos selecionados do livro Psicomagia, a partir da experiência desse tiozinho chileno bruxo, cineasta, dramaturgo, roteirista de quadrinhos, psicomago – além de maluco, fofo e lindo – que é o Jodô.
El acto poético
p. 23
El “doble”
La literatura universal concede un lugar importante al tema del «doble» que, poco a poco, expulsa a un hombre de su propia vida, se apropia de sus lugares favoritos, de sus amistades, de su familia, de su trabajo, hasta transformarlo en un paria e incluso a veces asesinarlo, según algunas versiones de ese mito universal. En lo que a mí respecta, creo que somos el «doble» y no el original.
[..]
Nos identificamos con ese doble tan irrisorio como ilusorio. Y de pronto aparece «el Original». El amo del lugar vuelve a tomar el sitio que le corresponde. En ese momento, el yo limitado se siente perseguido, en peligro de muerte, lo que es totalmente cierto. Porque el Original acabará por disolver el doble. En cuanto humanos identificados con nuestro doble, tenemos que comprender que el invasor no es sino uno mismo, nuestra naturaleza profunda. Nada nos pertenece, todo es del Original. Nuestra única posibilidad es que aparezca el Otro y nos elimine. No sufriremos de ese crimen, pero participaremos en él. Se trata de un sacrificio sagrado en el cual uno se entrega entero al amo, sin angustia…
p. 39
La vida como sueño lúcido
Puesto que soñamos nuestra vida, vamos a interpretarla y descubrir lo que trata de decirnos, los mensajes que quiere transmitirnos, hasta transformarla en sueño lúcido. Una vez conseguida la lucidez, tendremos libertad para actuar sobre la realidad, sabiendo que si sólo tratamos de satisfacer nuestros deseos egoístas seremos arrastrados, perderemos la ecuanimidad, el control y, por lo tanto, la posibilidad de hacer un acto verdadero. Para lograr divertirnos actuando, tanto en el sueño nocturno como en este sueño diurno que llamamos vida, hemos de estar cada vez menos implicados.
[Comentário del entrevistador] Ese distanciamiento que no impide ni la acción ni la compasión, pero no autoriza ni la codicia ni la sensiblería, se parece mucho a la sabiduría.
[Comentário del entrevistador]
¿Y el Despertar? Las tradiciones espirituales hablan de los que han despertado…
El acto psicomágico
No es que con estos actos yo trate de resolver enigmas extraordinarios, me conformo con atender pequeños problemas humanos, pues ¿qué hay más misterioso e irracional que los pequeños problemas de unos y otros?
p. 90
La psicomagia no pretende ser una ciencia, sino una forma de arte que posee virtudes terapéuticas, lo que es totalmente diferente.
«Yo no busco, yo encuentro», decía precisamente Picasso. Encontrar es un hábito, una segunda naturaleza.
p. 92
[…] el orden perfecto sólo existe junto al desorden.
p. 96
«Sin confianza no se puede trabajar. Escribir una novela es como arrojarse desde lo alto de un edificio. Escribes sin saber adonde irás a parar. Quizá te recojan los bomberos, quizá no. Pero, si buscas ante todo la seguridad, tienes que bajar por la escalera. Ahí estás seguro, pero no escribes una novela.
Cuando uno pretende vivir la vida bajando por la escalera, no la vive. Llega un momento en el que hay que lanzarse»
Cuando se crea, hay que entregarse, dejar que la creación crezca como un hongo.
[Relato de um escritor que foi procurar Jodorowsky para receber atendimento psicomágico]
p. 97
Alejandro Jodorowsky, profesor de imaginación
Durante la mayor parte del tiempo no tenemos idea de lo que puede ser la imaginación, no concebimos siquiera la amplitud de sus registros. Porque, aparte de la imaginación intelectual, existe la imaginación sentimental, la imaginación sexual, la imaginación corporal, la imaginación económica, la imaginación mística, la imaginación científica… La imaginación actúa en todos los terrenos, incluidos los que consideramos «racionales». En todas partes tiene su lugar. Importa, pues, desarrollarla para abordar la realidad, no a partir de una perspectiva única, sino desde múltiples ángulos. Normalmente, visualizamos todo según el estrecho paradigma de nuestras creencias y condicionamientos. De la realidad, misteriosa, tan vasta e imprevisible, no percibimos más que lo que se filtra a través de nuestro minúsculo punto de vista. La imaginación activa es la clave de una visión amplia, permite enfocar la vida desde puntos de vista que no son los nuestros, pensar y sentir a partir de diferentes ángulos. Ésa es la verdadera libertad: ser capaz de salir de uno mismo, atravesar los límites de nuestro pequeño mundo individual para abrirse al universo.
p. 112
Acho tão ~engraçado~ que a opção por deixar a cidade e ir morar no interior seja frequentemente encarada como fuga, anarcoprimitivismo, socialismo utópico ou meramente isolamento. Enquanto isso, as cidades incham e toda engrenagem pra girar essa vida completamente desconectada, ansiosa, apressada e desvairada vai tratorando a base natural que precisamos para viver.
E aí moramos em caixas de sapato, andamos pelas ruas olhando para o chão, nos trancamos em carros que se enfileiram em congestionamentos e mantemos a rotina trabalho-entretenimento pra conseguir preencher todo esse vazio. Isso quando temos sorte: a grande maioria vive à margem de qualquer dignidade – segundo a meritocracia, culpa deles mesmos, esses vagabundos. Para “vencer na vida” é preciso ter capacidade; capacidade de ignorar a miséria alheia, de negar-se a ver que a riqueza de um é, inevitavelmente, construída sobre a miséria de outros.
Nosso estilo de vida nos faz doentes. Até nossa alimentação nos deixa doentes. E quando questionamos o sentido dessa loucura toda, dizem pra não complicar, buscar uma terapia, se esforçar para ter sucesso. Aceitar de bom grado as leis, as normas do chefe e os dogmas da família. Aliás, família! É bom você construir a sua para não acabar sozinho, para não ter que lidar com sua própria solidão e assumir a responsabilidade pela sua própria vida.
Cronicamente inviável. O modelo de vida de nossa sociedade é, simplesmente, insustentável. Ninguém vê? Ou não quer ver? É difícil. Dói. Exige encarar muitas comodidades – comodidades, que, no fim das contas, não são assim tão cômodas. Ao mesmo tempo que foram naturalizadas, nos fazem sofrer. Mas estão tão entramadas dentro da gente que fazem parte do que somos. É preciso morrer um pouquinho para se transformar.
A reconexão com a terra, com os ciclos da vida, com as sabedorias ancestrais – que foram desprezadas em nome da ciência e exterminadas em nome do progresso – e sim, com nós mesmos e com os outros, é elemento crucial para superarmos essa mentalidade fracassada que separa ser humano e natureza, indivíduo e comunidade, entre tantas outras dualidades engessantes (como cultura e política…). É preciso buscar ser um pouco mais índio, ter um pouco mais de humildade frente à vida, conseguir enxergar que estamos em tudo e tudo está em nós. É para o bem do mundo, para o bem da vida, para nosso próprio bem. É questão de felicidade, mas também de justiça e sobrevivência.
É hora de ouvir o que a terra tem pra nos falar.
1. La danza de la realidad (Jodorowsky, 2013)
Entendam porque me apaixonei por esse senhorzinho doido assistindo à apresentação que ele próprio fez desse filme – nu como veio ao mundo no auge de seus 70 e tantos anos. Porque cinema é poesia <3
https://www.youtube.com/watch?v=rtrd1FewUFA
2. 2001: uma odisseia no espaço (Kubrick, 1968).
A 1a vez que eu vi esse filme, pra uma prova de história do cinema, eu dormi no meio do balé espacial (e é muito muito raro eu dormir em filmes). A segunda vez eu não entendi porcaria nenhuma: que que é esse monolito, esse bebê enorme no final – essa maluquice toda, meldels? Ao expressar minha ignorância no saudoso CACOS, o Augusto me explicou a magnitude do filme e o quão profundo era, o que me fez assistir de novo e de novo e novo e me apaixonar cada vez mais a cada vez que eu o vejo. Considerado por muitos o filme mais fodido de todos os tempos.
Entenda o nível da maluquice e da genialidade: https://www.youtube.com/watch?v=YbLRzabppus.
3. Hair (Milos Forman, 1979)
É um musical que fala do movimento hippie e contracultural nos EUA durante a guerra do Vietnã. As músicas são ótimas, tem muitas cenas divertidas e a curiosidade é que ele foi censurado no Brasil na época de seu lançamento devido à caretice da ditadura – o que é uma amostra que, de fato, questionar os valores vigentes pode ser deveras subversivo. O filme começa assim, sente o groove: https://www.youtube.com/watch?v=EhbxI5eVnM4 (o papel que eles queimam é a convocatória do exército, e a negação dos jovens de ir à guerra foi um grande ato de desobediência civil).
Mas acho que minha cena favorita é essa: dançando na mesa do status quo. https://www.youtube.com/watch?v=-1LRD3DtFAo.
4. I’m not there (Todd Haynes, 2007)
É uma espécie de biografia ficcional do Bob Dylan contada por meio de 7 personagens, que representam fases da vida do artista ou aspectos marcantes do seu imaginário. Fala de um certo desencaixe, da fama, da questão racial, do folclore dos EUA, das belezas e armadilhas do amor e até da fase gospel do Dylan. Além do mais, é um filme lindo de morrer, como se fossem 7 filmes diferentes entramados em um. A trilha sonora é incrível e conta com várias novas versões para os sons do Bob e algumas originais.
Esse é um dos ~clipes~ que permeiam o filme: https://www.youtube.com/watch?v=zYgZUoaIhxA.
5. Waking Life (Richard Linklater, 2001)
Uma animação linda, que foi feita num processo bem inovador, baseada em filmagens. Ou seja, a parada foi primeiro rodada como um filme qualquer e depois transformada em animação. São sonhos dentro de sonhos dentro de sonhos dentro de sonhos – afinal, o que é sonho e o que é realidade? Várias discussões interessantíssimas e maluquíssimas rolam ao longo do filme, e a trilha sonora também é bem legal.
Dá uma olhada no making off de 4 min: https://www.youtube.com/watch?v=9J0MlkmtXyY.
6. O cheiro do ralo (Heitor Dhalia, 2006)
É um filme feito na raça, pois achar patrocínio pra um filme com esse nome não foi muito fácil, que conta com uma atuação memorável de Selton Mello. Baseado num livro sensacional do Lourenço Mutarelli, o filme fala da podridão humana, do desfacelamento das relações sociais, da solidão urbana, da coisificação da vida – tudo isso de uma maneira criativa e deveras engraçada.
Taí o filme completo: https://www.youtube.com/watch?v=qpmkQe4RSPs.
7. Gaviões e passarinhos (Pasolini, 1966)
É um clássico do cinema italiano, cuja trilha ficou por conta do consagradíssimo Ennio Morricone, que trata da longa jornada da humanidade sob uma perspectiva política de esquerda – sim, o sujeito era engajado – num período de crise da esquerda na Itália. Ele usa a metáfora dos gaviões e passarinhos para falar da luta de classes, mas o faz em clima de fábula, com uma leveza difícil de alcançar quando o assunto é política.
Além de contar com os melhores créditos iniciais de todos os tempos: https://www.youtube.com/watch?v=G8d-m7tnfz8.
8. Edukators (Hans Weingartner, 2003)
Sobre terrorismo poético alemão. O protagonista é esse ator alemão que tá em todas, até no filme do Tarantino, e é ótimo. Alias, “Adeus, Lênin”, que tbm é com ele, é outro filmasso. E essa música linda, além de constar na trilha desse filme, tbm está em “O senhor das armas”, outro que samba na cara da sociedade: https://www.youtube.com/watch?v=x2yldoAQtZ0.
9. Into the Wild (Sean Penn, 2007)
Já assisti esse filme várias vezes e só agora fui saber que foi dirigido pelo Sean Penn! Além de ótimo ator, ahazô como diretor!
O filme é lindo e baseado na história real de Christopher McCandless, que largou tudo, tudo mesmo, pra ir desbravar a vida para além do roteiro programado para um jovem de classe média nos EUA. Mas ele acabou morrendo nessa ânsia de se desvencilhar de qualquer vínculo social, isolado no meio do Alaska. A partir de seu diário, Jon Krakauer escreveu um livro que, por sua vez, inspirou o filme. A trilha sonora é do Eddie Vedder e ornou bem, ó https://www.youtube.com/watch?v=32Js2Ef5Ojg.
10. Un buda (Diego Rafecas, 2005)
Assisti esse filme quando eu tava terminando minha viagem sabática de 1 ano pela América do Sul. Além de fazer todo sentido no momento (e ainda hoje…), é ambientado em alguns lugares pelos quais passei e até tem um cara que eu conheci em Buenas Aires fazendo um extra no filme – um dos muitos budistas carequinhas. A trama também tá relacionada com as terríveis tretas da ditadura argentina – os pais do protagonista foram levados quando ele e seu irmão eram pequenos.
Dá uma olhada no trailer: https://www.youtube.com/watch?v=AOFQEFZG3aE
11. Dançando no escuro (Lars von Trier, 2000)
Um filme seco – apesar de ser um musical, sem muitas frescuras cinematográficas, mas super denso – como é do estilo do Lars von Trier. A louquíssima e fofíssima protagonista é a Bjork, que canta, dança e representa, acompanhada pela sempre diva Catherine Deneuve. Em meio a uma vida super dura, a personagem interpretada por Bjork tem devaneios lúdicos e musicais. Mas é triste pacas e o final é de morrer de chorar.
Essa é das minhas cenas favoritas: https://www.youtube.com/watch?v=62pLY5zFTtc
12. Viver a vida (Godard,1966)
Vocês repararam que não tem nenhuma mulher diretora nessa lista? E que na grande maioria dos filmes, além de serem os diretores, os homens também são os protagonistas? Pois é. O cinema é uma meio extremamente machista numa sociedade machista. Esse filme fala de uma linda jovem francesa, cuja beleza parece ser tudo o que os outros conseguem ver nela, de prostituição e de machismo. Um filme profundo e visualmente lindo, com uns movimentos de câmera bem bacanas e revolucionários pra época.
Essa é uma das minhas cenas preferidas – me apaixonei por essa música e por essa mulé: https://www.youtube.com/watch?v=wQIWmfgCoGI
E essa me conquistou pelo debate filosófico: https://www.youtube.com/watch?v=pmVHKqOA8C4 “Por que é preciso falar sempre?”
Isso é tudo, pessoal.
O inconsciente é tão real quanto o consciente.
É só outra frequência.
A eletricidade não me deixa dormir.
Eu sou chata. Admito. Qualquer barulho me incomoda quando estou tentando me concentrar. Se você ficar tagarelando do meu lado justamente quando me esforço para entender algo ou busco inspiração, provavelmente me verá com uma cara enrugada, como quem quer apagar o mundo exterior e mergulhar na tela do computador, numa postura que lembra um velhinho quando está dirigindo – e, pra completar, coloco a mão nos ouvidos sem pudor. Típica atitude de pessoas irritadinhas.
Não era fácil ser eu mesma até eu descobrir os benefícios da música instrumental.
Por solidariedade a indivíduos que tenham o azar de ter um temperamento azedo como o meu – e pra organizar minha desorganizada vida musical -, resolvi fazer essa lista. Hope you enjoy.
That’s a oh-so-good gipsy jazz, baby.
Ele que não é um só, é tantos.
Trilha sonora ideal para relaxar os estressadinhos.
Agrada a simplesmente todo mundo. Doce, francesa, profunda e fofa.
A fina flor do jazz com uma pegada oriental.
6. Bixiga 70
Sonzeira brazuca bailante.
Sonzeira brazuca instigante.
O rei do tango moderno.
Brasilidade das boas. Conta com Hermetão, entre outros caras fodas.
10. Pedra Branca
Música Transcendental Brasileira.
11. Pata de Elefante
Roquenrol.
12. Ravi Shankar
Indianicidades.
13. Mulatu Astakte
Jazz etíope. Suave. Fluido. Intenso.
14. Jazz infinito
Uma fantástica lista de álbuns de jazz: Miles Davis, John Coltrane entre otras cositas más.