Ollantaytambo é uma cidadezinha ainda não tão parasitada pela exploração turística. Os moradores preservam a capacidade de ver os viajantes como pessoas, não somente como alvos de bolsos cheios. As ruas e muros mantêm as estruturas de pedra originais do período incaico e pré-incaico. As construções pré-incaicas eram feitas de pedra e barro, utilizado como rejunte. Já as incaicas utilizavam somente pedras. As ruínas rodeiam a cidade, e algumas podem ser visitadas de graça.
Tá, mas eu vou falar a verdade. Fomos ao celeiro incaico, no alto de uma montanha – onde não é preciso pagar entrada – e tentamos entrar sorrateiramente (mais uma vez, após o fracasso em Machu Picchu) na ruína principal da cidade. O preço era mais acessível que o de Machu Picchu, mas mesmo assim resolvemos nos lançar à sorte. Dessa vez, nada de planos mirabolantes, trilhas secretas e escaladas de muro. Foi quase que obra do acaso: estávamos andando quando vimos um riachinho ao lado das ruínas. Bastava pular e ploft, lá se estava no sítio arqueológico. Fácil demais…
Visita guiada
O vigia percebeu que não havíamos chegado pela entrada: nossas vestes de andarilhos nos denunciavam – brilhávamos em meio às tradicionais roupas bege dos turistas. E lá veio ele falar conosco. Thiago, que desenvolveu uma polida cara de pau durante a viagem, perguntou se não havia nenhuma maneira de resolver a situação e ofereceu vinte pesos ao sujeito. Ele não só aceitou como resolveu fazer o pagamento valer cada centavo: foi nos guiando pelas ruínas.
As construções incaicas impressionam pela inteligência e funcionalidade – entretanto, sempre com um toque de mistério. As pedras, algumas enormes, eram levadas ao alto das montanhas por um sistema de rolamento e rampas. Os incaicos as cortavam de maneira que encaixassem perfeitamente, sendo inclusive à prova de terremotos.
Chegamos ao surpreendente calendário solar. No solsístio de inverno, os raios de sol, que passam primeiramente pelo “perfil do Inca” talhado na outra montanha, batem perfeitamente na marca esculpida no painel de pedra, onde também está representada a trilogia sagrada da cultura incaica – o condor, o puma e a serpente. O condor representa o mundo superior, a espiritualidade; o puma corresponde ao mundo terreno; a serpente simboliza o mundo subterrâneo, o lugar dos mortos. Tudo isso soubemos por meio das histórias de nosso dedicado guia.
No solsístio de inverno, data apontada pelo calendário solar, é comemorado o Inti Raymi, dia do Pai Sol. Esse dia representa o fim de um ciclo, que corresponde ao período das colheitas, e o início de outro, com a aproximação diária do Pai Sol, que retorna à Terra. É a principal festa do calendário incaico.
Na hora da despedida, o guia nos apresentou a tuna, a fruta do cacto. Bateu em duas delas com um pano, para derrubar seus microscópicos espinhos, e entregou-as a mim e a Thiago. Docinha e suculenta – irônico que venha de uma planta tão árida.
O equilíbrio entre o macro e o microcosmo
Há muitas histórias sobre o lugar, a origem de seu nome, a invasão espanhola, mas o que mais valeu à pena foi sentir um pouco de uma sociedade de valores e costumes tão diferentes dos nossos.
Não creio no idealismo embasbacado: há trechos conflituosos nas histórias daqueles tempos, repletos de autoritarismo, disputas e derramamento de sangue. Mas havia uma diferença primordial: o ser humano e a natureza eram tidos como parte de um todo e a tecnologia não obstruía o equilibrío universal.
Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.
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