Faz mais de quinze dias que saímos de Santos. Podiam ser trinta, quinhentos ou 20347 dias passados. O tempo Donde Miras é outro, não se mede em calendários ou relógios. Estamos há muito tempo caminhado? Pouco? Quantos quilometros andamos? Quantas reflexões surgiram? Quantas ideias se derreteram e se metamorfosearam? O olhar vai além e não se prende a números e convenções.
Poetas, palhaços, espanhóis, músicos, argentinos, atores, a cambada da Zona Sul e até uma menina do sul que não hesita em vir a cada caminhada. Somos um, mas somos tão diversos. “Na poesia e na pura ritmia, a família é Donde Miras e o que eu quero é andar”, rimou Zinho.
O território percorrido é a cultura e o litoral norte de São Paulo. É alta temporada e o turismo não dá sossego. Do coração da metrópole, as veias asfaltadas espalham a degradação de um sistema – mesmo no seu período de descanso, os turistas carregam consigo seus hábitos e uma ânsia de extravasar toda a repressão de um ano inteiro. Na virada do ano, em Bertioga, o clima era tenso, mesmo em plena festa. Alegria violenta e artificial. Vida violenta e artificial. Os fogos e os sonhos são de artifício – um pequeno encanto fugaz.
Vamos caminhando debaixo do sol de escaldar do nosso Brasil, molhando o pé nesse marzão de deus, bebendo das fontes exuberantes, pisando, rimando e mirando. Os mosquitos não perdoam nossas peles macias. O verde abraça a beira das estradas, e os carros se movem, dirigindo-se aos residenciais de luxo do litoral norte paulista. Ilhas de conforto forjadas para simular um mundo que não existe, construído sobre a miséria das vilas e favelas. Na verdade, não existem dois mundos. São extremos de uma mesma realidade desigual.
Este solo é rico – boa parte do pouco que sobrou da Mata Atlântica brasileira encontra-se nesse trecho. Contudo, há outras riquezas em cheque. Essa é a região do Pré-Sal. Em São Sebastião, onde estamos agora, a Petrobrás impera. Em todos os lados há reservatórios de petróleo, centrais e cartazes publicitários da empresa. Grande parte da população depende diretamente dela. A pretensão é ampliar o porto da cidade – mais pessoas virão para trabalhar nessa obra. E a estrutura da cidade, irá acompanhar o crescimento? Haverá moradia, educação, sistema de saúde, cultura e alimentação para todos? E o ambiente, esse resquício de Mata Atlântica que ainda não destruímos? Iremos passar por cima dele com nossos rolos de concreto também?
Tivemos esse debate ontem, quando Soraia, amiga do Binho que trabalha com Biodança, veio fazer uma vivência conosco. Sua amiga Malu a acompanhou. Ela mora na região há sete anos e nos contou um pouco da conjuntura local. Esse debate, assim como aquele que tivemos sobre o Pré-Sal em Santos, nos leva a pensar que há muito o que mudar. Nossos hábitos estão distorcidos, nossas relações muitas vezes se dão de maneira equivocada. Enquanto o objetivo de nossa sociedade for individual e monetário, de pouco servirão mudanças. Por isso nossa caminhada procura desenvolver novos olhares. Afinal o que queremos? Onde almejamos chegar? Preparemos nossas setas, mas antes definemos o alvo.
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