Archive for the ‘Fotos’ Category

Carnaval ibérico: a saga

domingo, abril 17th, 2011

Sugestão de trilha sonora para leitura do post 1

De Barcelona, Carla e eu pegamos um voo para Lisboa. Lá encontramos Roberta, que há cerca de um semestre foi cursar mestrado em Economia Política nessas terras lusas. Depois de vários meses, as três amigas de Curitiba se encontravam novamente. Era véspera de carnaval, e uma odisseia se desenhava.

O plano original, esboçado em dezenas de emails, era alugarmos um carro para ir até o Marrocos, passando pelo sul da Espanha – carnaval no deserto. Mas com os acontecimentos políticos no norte da África, as pessoas começaram a apavorar a gente, principalmente porque seríamos três mulheres num país conhecido por sua cultura machista, onde um conflito generalizado poderia acontecer a qualquer momento. Eu e Roberta ainda cogitávamos ir logo após o carnaval – não seria nem um pouco mal vivenciar esse momento de transformação no mundo árabe, mas… pelo receio, pela distância, pela grana, pelo tempo… ficou para a próxima.

Carnaval na Europa?

Marrocos descartado, ainda faltava definir nosso roteiro. Estávamos nós e o mapa, e uma infinidade de possibilidades se desenhava. “Opa, vai ter show do Gogol Bordello aqui em Lisboa”, exclamou Roberta, que estava no computador. Com o entusiasmo geral, ela foi pesquisar em qual dia: 7 de março, segunda de carnaval. Foi assim que resolvemos enxugar nossa viagem definitivamente: saída de Lisboa e chegada a Sevilha na quinta, dia 03. Sexta, Granada. Sábado a segunda, Cádiz, que tem a fama de sediar um dos carnavais mais animados da Espanha. Segunda à noite deveríamos estar de volta a Lisboa, para o show do Gogol Bordello.

O detalhe é que Carla e eu chegamos na noite de 02 de março em Lisboa (aliás, recepcionadas por um delicioso “bacalhau com natas” feito por Bruno, colega de apartamento da Roberta que estuda gastronomia). Ou seja, no dia seguinte já tínhamos que partir. Roberta foi pra aula, eu fiquei responsável por comprar os ingressos pro show e fazer almojanta, a Carla foi atrás do aluguel do carro e dos hostels. Meio corrido mas deu certo, na noite de quinta estávamos na autopista de Portugal rumo a Sevilha.


Posto de gasolina self-service: o primeiro desafio. Como faz?

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Busão no Senegal

segunda-feira, março 21st, 2011

Dakar, Senegal. Fevereiro de 2011.

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Primeiras palavras desde Europa

sexta-feira, março 18th, 2011

Já se passaram mais de 45 dias de viagem – Fórum Social Mundial em Dakar, depois España e agora Portugal, e até então não escrevi aqui. Primeiras letrinhas tão difíceis de sair. São imagens, situações, diálogos, transformações. Pedaçinhos de vida que teimo em conectar com palavras. Relembrar e inventar, eis o que nos resta. Damos a isso o nome de memórias.

No Senegal, território ao extremo oeste da grande Mama África, contribuí com textos e fotos para a Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada, na tentativa de transmitir um pouco do Fórum Social Mundial 2011 e da cultura senegalesa e africana. Lá passei 15 intensos dias, de choque cultural, aprendizado, construção coletiva e, de certa forma, retorno às raízes. África triste e linda, tão forte e tão pobrinha!

Meu voo Senegal-Brasil fazia escala em Madri. Aproveitei essa oportunidade para conhecer o velho continente, vontade tão antiga que já tinha ficado de lado – a paixão latino-americana teve (e tem) prioridade. Contudo todavia entretanto… queria ver como é essa terra, colocada como modelo a ser seguido, desenvolvimento a ser atingido; de onde saiu a versão oficial da história, de onde saíram nossos colonizadores e correntes culturais e filosóficas até hoje influentes em terras tupiniquins (como em todo o mundo).

E nem só de interesses sociais-antropológicos vive esse meu coração. Por motivos afetivos também cá estou, visitando amigos que se lançaram a esse outro pedaço de mundo, em busca de novos ares, conhecimento, evolução e oportunidades. E ainda por questões curiosísticas e turísticas, pois. Conhecer é preciso, e prazeiroso.

España de mi vida


Frio e tranquilidade no Parque del Retiro, Madrid

Cheguei em Madrid com meu amigo Marco Amarelo, companheiro de Ciranda e Senegal, irmão soyloquiano. Ficamos na casa de Pablo, que alguns anos antes havia passado mais de mês na República Socialista Soylocoporti, onde moravam alguns companheiros de coletivo em Curitiba. Já de cara Pablo nos contou um pouco da conjuntura política da Espanha, da situação dos imigrantes, dessa guinada à direita na Europa, e até voltamos um pouco no tempo – a ebulição anarco-socialista-comunista e a Guerra Civil Espanhola na década de 30, a confusão pós-Franco e essa estranha monarquia de rei simbólico.

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Barcelona

sexta-feira, março 18th, 2011

Barcelona, fevereiro de 2011.


Domingo, ao meio dia, a orquestra toca e a população dá as mãos e dança. Tradição catalã viva.


Piquenique de frutas vermelhas na Barceloneta


Artista de rua


Teleférico

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Conselho! Cultura!

sexta-feira, setembro 17th, 2010

Ato Pró-Conselho Estadual de Cultura tomou o centro de Curitiba nesta quinta, 16 de setembro.

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Participaram bonequeiros, atores, cineastas, músicos, dançarinos, fotógrafos, artistas plásticos, militantes da cultura e cidadãos sensibilizados.

Os grupos Voa Voa Maracatu Brincante e Estrela do Sul ditaram o ritmo.

Saiba mais e confira outras imagens aqui.

E veja mais imagens ainda aqui.

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Viajeros – Vilarejo

domingo, agosto 22nd, 2010

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Sítio Arco-íris. O por do sol daqui é lindo – nuvens de algodão doce de Rondônia amareladas e rosadas. O fiel súdito vento anuncia a chuva, dando uma noção prévia do seu poder, trazendo consigo nuvens densas e promessas de vida. Ela, a Majestade, vem pelo lago – do outro lado as árvores já estão envoltas numa espécie de névoa aquática. Quando todos estão preparados para recebê-la, a chuva chega – momento de paz e quietude.

Porto Velho estava um saco. A paradoxal cidade amazônica onde não há árvores. Muito trabalho, pouco dinheiro. No auge do tédio, escrevi um poema-desabafo:

O tédio me envolve
com paredes de azulejos brancos,
conversa de novela vindo da sala de um hotel barato,
vestígio de goteira,
cheiro de mofo.

O tédio amarra meus pés e mãos na cama,
hipnotiza minha cabeça para achar tudo um saco.

Porto velho, novo, morto e eterno.
Eterno tédio que se faz vapor,
calor, gotas de suor.

Calypso infernal amolece minhas pernas,
aborta a sede do novo,
me tranca num quarto com as mãos nos ouvidos.

O tédio me tece um ninho, me faz cafuné,
minha musa, meu carrasco,
meu bicho de pé.

Até que um dia, enquanto trabalhávamos, um menino veio falar conosco. O nome dele era Alan, disse que vivia num sítio e que seríamos muito bem-vindos lá. A história é a seguinte: Jackson, um cara que já foi artesão-viajante e percorreu muita estrada, sempre buscou algo, estudou várias religiões e linhas esotéricas, até que decidiu morar num sítio, primeiramente sozinho. internet3Depois de uns anos sua mulher, Cláudia, e seus filhos, que viviam na cidade, também foram para lá. Eles se sustentam com a cerâmica e os tapetes que produzem, e recebem quem quer que seja, é só contribuir com comida, colaborar nos afazeres e respeitar a harmonia do lugar. Também vivem lá o acreano Leandro, a argentina Veronica e Valéria, irmã de Cláudia. Há quatro ou cinco dias Valéria deu à luz a uma criança linda, o Ba’aruda, que trouxe mais alegria e paz ao sítio.

Nasce Ba’aruda

O Santo Daime

O pessoal do sítio freqüenta uma igreja do Santo Daime. Trata-se de uma corrente cristã que utiliza em seus rituais uma bebida elaborada a partir de plantas que altera a consciência e que, segundo Jackson, desbloqueia um mecanismo de censura do nosso cérebro. Essa bebida é conhecida no Peru e na Bolívia como ayahuasca, parte de uma tradição indígena, usada até hoje em rituais de auto-conhecimento e purificação física e espiritual. A bebida foi legalizada no Brasil depois de estudos comprovando que ela não oferece riscos à saúde.

“Sabe aquela sujeirinha debaixo do tapete, que só você sabe que tá lá? Vem tudo à tona”, me disse um maluco brasileiro no Peru sobre a experiência com o ayahuasca. Jackson e Alan dizem que o Daime aponta um caminho, faz compreender os processos que ocorrem na vida e leva além desse mundo físico espacial-temporal que conhecemos.

Ao contrário do que algumas pessoas podem pensar, a igreja do Santo Daime é bem careta – eles usam farda, uma roupa cerimonial que mais parece roupa social, e os homens têm que estar com cabelo cortado e barba feita. Nas cerimônias eles cantam os hinos, que falam de Deus, do Daime, do Mestre Irineu – o fundador do Santo Daime -, entre outras coisas.

O Daime é feito do jagube, que é plantado por membros da igreja, num processo de muito cuidado desde o plantio até a preparação. Os fardados elaboram a bebida na cerimônia do feitio.

Retiro espiritual

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Valéria nos últimos dias de gravidez

Aqui no sítio encontrei sossego, pessoas tranqüilas que trilham um caminho de aperfeiçoamento e ar puro. É um lugar lindo, repleto de árvores, às margens de um lago. O único infortúnio foi o desenvolvimento de uma doença no meu pé. Uma bactéria, o estafilocócus, se instalou em feridas de picada de insetos, creio que no fétido hotel em Porto Velho. Thiago também está infectado, mas em menor proporção. Aprendi a usar a necessidade de não poder me movimentar muito a meu favor aproveitando para ler, pensar e aprender bastante.

Depois de quinze dias tentando tratar minhas feridas de forma natural, o que exigia toda uma rotina diária de cuidados, me rendi à alopatia: tomei um “pics” de benzetacil no bumbum. Agora é esperar melhorar e seguir caminho – a estrada chama.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Senhorinha

sexta-feira, julho 16th, 2010

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Expedición Donde Miras

Porto Feliz, janeiro de 2009.

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Viajeros – De volta ao Brasil

sábado, junho 26th, 2010

Feijão, farofa, água de coco. Voltar a falar e ouvir português. O jeito aberto dos brasileiros. Deixar para trás o castelhano, a riquíssima cultura andina, a deliciosa e variada culinária peruana e o desafio de estar em outro país. Mas a expectativa de conhecer um pouco do Brasil que não conheço, do qual sempre ouvi falar, do qual dizem que eu faço parte; essa exploração da própria pátria me deixou ansiosa por chegar.

Peru tropical

De Cusco partimos para Puerto Maldonado, já na floresta amazônica. Apesar de ser a capital da região, a cidade é pequena e tranquila. Muito calor, sol, frutas e sucos. As pessoas pareciam mais receptivas, quentes, assim como o clima. Ficamos na casa de César – ele nos ofereceu abrigo sem nem nos conhecer direito. Estava vendendo artesanato no centro da cidade, quando esse rapaz veio falar comigo. Disse que não tinha dinheiro e perguntou se podia só ficar olhando. À minha afirmativa, ele foi puxando assunto e, ao saber que eu era brasileira, começou a falar de futebol. Perguntei se ele sabia onde poderíamos acampar. “Não tem problema se for num lugar simples?”, ele contestou. Claro que não tinha. A casa, assim como ele, era realmente muito simples – estrutura de madeira e banheiro de fossa no quintal. Nem precisamos armar acampamento, ele nos abrigou dentro de sua casa. Ficamos lá mais ou menos uma semana.

Encontramos Kae e Gina, artesãos peruanos que já havíamos cruzado em Arequipa. No último dia em Puerto Maldonado, todos vendemos surpreendentemente bem. “Quando chega uma onda de boa sorte, outra de má está vindo”, alertou Kae. O pior é que ele estava certo.

Chegamos até a última cidade peruana antes do Brasil pedindo carona. Muita selva, estrada de terra, cheiro de mata. E insetos, muitos insetos. A única maneira de ir a Assis Brasil, município acreano na divisa com o Peru, era de táxi. Ao chegar, já pudemos perceber nitidamente a diferença: os traços indígenas já misturados com brancos e negros, pessoas mais altas, ruas pavimentadas e a cidade mais arrumadinha. Comemos num restaurante por quilo, coisa que não lembro de ter visto no Peru – arroz, feijão, farinha, macarrão e salada. Que delícia. E bem mais fácil negociar um prato sem carne em português.

Acre, deveras acre

No mesmo dia tomamos um ônibus para Rio Branco. Percebemos que do lado brasileiro a selva foi trocada pelo asfalto. Tudo devastado, transformado em pasto. No lugar de árvores, gado. E chegou a tal da onda de má sorte. Só conseguíamos dinheiro para comer e pagar o hotel. Rio Branco é bem ajeitada, muito diferente do que eu poderia imaginar, mas sem nenhum grande atrativo. Na mata o interessante não é a cidade – é a mata.

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Esperamos carona três dias num posto na saída de Rio Branco

Conhecemos os malucos e micróbios. Nos países hermanos que percorremos, quem trabalha com artesanato é artesão; quando é um viajante, provoca interesse nas pessoas com sua aura lúdica e suas histórias longínquas. No Brasil não existe artesão: é maluco, micróbio ou hippie, e geralmente desperta cautela ou desprezo. A coisa aqui é bem mais marginalizada.

O micróbio vai com a roupa do corpo aonde for, dorme em qualquer lugar, fala o que quer na hora que quer. “Micróbio não tem medo de nada”, canta Ventania com sua voz estragada. Até agora não tivemos problema com ninguém, a convivência tem sido boa. Mas acabamos nos distanciando, trabalhando mais isolados, buscando a tranquilidade.

Decidimos ir para Porto Velho. Encontramos Kae novamente em Rio Branco, ele estava sozinho e decidiu ir para a estrada pedir carona com a gente. Dormimos duas noites num posto na saída da cidade – nenhum caminhoneiro queria nos levar. Conseguimos carona até um povoado uns quilômetros mais para a frente. Tivemos que dormir lá, numa escola abandonada. Nossa janta: arroz com cebola e molho de tomate cozidos na latinha com álcool. Era tudo que tínhamos. No dia seguinte decidimos nos separar: carona em três seria difícil, ainda mais que os motoristas dirigiam um olhar bastante desconfiado ao peruano. Engraçado que no país mais violento da região os estrangeiros que carregam a fama de ladrão.

Consegui convencer um caminhoneiro a levá-lo, apesar de que iria apenas uns quilômetros mais adiante. Acho que o azar estava com ele – eu e Thiago conseguimos uma carona de cerca de 200 km logo depois. Descemos em plena estrada, prontos para mais uma maratona de espera – mas a sorte parecia voltar: o primeiro carro que passou parou ao nosso sinal e nos levou até Porto Velho.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Agroecologia em contraposição ao agronegócio

quinta-feira, maio 20th, 2010

Texto e imagens por Michele Torinelli

de Francisco Beltrão

Debate com Plínio de Arruda Sampaio e Letícia Silva abre o segundo dia da Jornada de Agroecologia

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O primeiro painel da 9ª Jornada de Agroecologia, que acontece em Francisco Beltrão (PR), denuncia o modelo do agronegócio e apresenta a agroecologia como alternativa sustentável. Com o auditório lotado, Plínio de Arruda Sampaio, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), indica logo ao que veio: explicar como o capital atua na agricultura. Já Letícia Silva, gerente de normatização e avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), apresentou um panorama do comércio de agrotóxicos no país.

O capitalismo é caracterizado pela propriedade privada e pela busca do lucro. Contudo, não necessariamente o que dá lucro é o que satisfaz as necessidades da sociedade. “A gente tem que entender como o capitalista pensa. A cabeça dele funciona assim: onde eu coloco meu dinheiro para obter mais capital?”, ilustra Sampaio.

Na agricultura, a lógica é a mesma. O objetivo é obter lucro, e o que mais rende para o agronegócio é a exportação. “Está dando mais lucro vender para fora”, resume o presidente da ABRA. A técnica utilizada é a monocultura, que segundo o painelista, não convive bem com a pequena propriedade. A agroecologia vem justamente contrapor essa concepção. Seu objetivo é produzir alimento de qualidade, respeitando o ambiente e o próximo.

Agronegócio: cultura de morte

“O capital na agricultura é muito perigoso – ele precisa ser controlado”, alerta Sampaio. Os dados são alarmantes. Seis empresas controlam 80% do mercado brasileiro de agrotóxicos, o maior mercado mundial do produto. Foram comercializados mais de 790 mil toneladas de agrotóxicos no país em 2009, de acordo com o relatório da ANVISA, considerando somente o peso dos componentes (sem os produtos aos quais são agregados). “Isso dá uma média de 3 kg por habitante”, esclarece Letícia Silva.

Segundo a gerente da ANVISA, o capital dessas empresas transnacionais é maior que o PIB da maioria dos países da ONU – só no Brasil elas obtiveram 6,8 bilhões de dólares em 2009. Comparando com dados de 2008, o país consumiu mais que o dobro de agrotóxicos no período. “O relatório acaba com a lenda de que a liberação dos trangênicos diminuiria o uso de agrotóxicos”, contesta Letícia.

Escoamento de veneno

Mais do que lucrar no Brasil, empresas como Monsanto, Syngenta e Bayer enviam para cá produtos que foram proibidos nos EUA e na Europa por motivo de saúde pública. Além disso, outros agrotóxicos que já não eram mais utilizados no Brasil voltaram à circulação, pois as pragas estão cada vez mais resistentes.

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Letícia Silva, da Anvisa, durante sua fala. Ao lado, Plínio de Arruda Sampaio

Letícia conta que foi aprovado na União Européia o “direito à informação”, obrigando o agricultor que utiliza agrotóxicos a informar aos vizinhos a quantidade utilizada e respeitar a distância necessária para impedir a contaminação. Já no Brasil, não existe regulamentação semelhante.

Além de causar danos ao ser humano, os agrotóxicos são uma ameaça ao ecossistema. “O aquífero Guarani pode ser afetado e não há ninguém monitorando isso”, denuncia a gerente. “Podemos estar contaminando a maior reserva de água doce do mundo”, complementa.

Mudança de modelo

Ao final de sua fala, Letícia cobrou da sociedade civil que pressione o poder público , que diga “queremos que a ANVISA cuide de nossa saúde e não fique liberando veneno”. Em relação à propriedade da terra, Sampaio acredita em uma lei que restrinja o agronegócio. “É que nem um boi bravo; tem que cercar. Isso até agente poder acabar com ele”, provoca.

Os painelistas apontaram os dois principais pontos de uma renovação no campo: desconcentração da propriedade da terra, por meio de uma reforma agrária, e mudança no modo de cultivo, trocando a monocultura pela agroecologia. “Gente, precisamos da ajuda de vocês”, disse Letícia, convocando as 3 mil pessoas presentes.

“Hoje nós dependemos desse modelo. Mas num país socialista, o que vai valer é ter o povo alimentado e a natureza em equilíbrio”, acredita Sampaio. O objetivo, além da justiça entre os homens, é cultivar uma relação de integração com o meio. “A terra é nossa mãe. Dela nós viemos e para ela nós vamos voltar. A agroecologia é a sabedoria da vida”, acrescenta.

Veja mais sobre a Jornada de Agroecologia aqui

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Viajeros – As ruínas de Ollantaytambo

quarta-feira, maio 5th, 2010

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Ollantaytambo é uma cidadezinha ainda não tão parasitada pela exploração turística. Os moradores preservam a capacidade de ver os viajantes como pessoas, não somente como alvos de bolsos cheios. As ruas e muros mantêm as estruturas de pedra originais do período incaico e pré-incaico. As construções pré-incaicas eram feitas de pedra e barro, utilizado como rejunte. Já as incaicas utilizavam somente pedras. As ruínas rodeiam a cidade, e algumas podem ser visitadas de graça.

Tá, mas eu vou falar a verdade. Fomos ao celeiro incaico, no alto de uma montanha – onde não é preciso pagar entrada – e tentamos entrar sorrateiramente (mais uma vez, após o fracasso em Machu Picchu) na ruína principal da cidade. O preço era mais acessível que o de Machu Picchu, mas mesmo assim resolvemos nos lançar à sorte. Dessa vez, nada de planos mirabolantes, trilhas secretas e escaladas de muro. Foi quase que obra do acaso: estávamos andando quando vimos um riachinho ao lado das ruínas. Bastava pular e ploft, lá se estava no sítio arqueológico. Fácil demais…

Visita guiada

O vigia percebeu que não havíamos chegado pela entrada: nossas vestes de andarilhos nos denunciavam – brilhávamos em meio às tradicionais roupas bege dos turistas. E lá veio ele falar conosco. Thiago, que desenvolveu uma polida cara de pau durante a viagem, perguntou se não havia nenhuma maneira de resolver a situação e ofereceu vinte pesos ao sujeito. Ele não só aceitou como resolveu fazer o pagamento valer cada centavo: foi nos guiando pelas ruínas.

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As construções incaicas impressionam pela inteligência e funcionalidade – entretanto, sempre com um toque de mistério. As pedras, algumas enormes, eram levadas ao alto das montanhas por um sistema de rolamento e rampas. Os incaicos as cortavam de maneira que encaixassem perfeitamente, sendo inclusive à prova de terremotos.

Chegamos ao surpreendente calendário solar. No solsístio de inverno, os raios de sol, que passam primeiramente pelo “perfil do Inca” talhado na outra montanha, batem perfeitamente na marca esculpida no painel de pedra, onde também está representada a trilogia sagrada da cultura incaica – o condor, o puma e a serpente. O condor representa o mundo superior, a espiritualidade; o puma corresponde ao mundo terreno; a serpente simboliza o mundo subterrâneo, o lugar dos mortos. Tudo isso soubemos por meio das histórias de nosso dedicado guia.

No solsístio de inverno, data apontada pelo calendário solar, é comemorado o Inti Raymi, dia do Pai Sol. Esse dia representa o fim de um ciclo, que corresponde ao período das colheitas, e o início de outro, com a aproximação diária do Pai Sol, que retorna à Terra. É a principal festa do calendário incaico.

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Na hora da despedida, o guia nos apresentou a tuna, a fruta do cacto. Bateu em duas delas com um pano, para derrubar seus microscópicos espinhos, e entregou-as a mim e a Thiago. Docinha e suculenta – irônico que venha de uma planta tão árida.

O equilíbrio entre o macro e o microcosmo

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Há muitas histórias sobre o lugar, a origem de seu nome, a invasão espanhola, mas o que mais valeu à pena foi sentir um pouco de uma sociedade de valores e costumes tão diferentes dos nossos.

Não creio no idealismo embasbacado: há trechos conflituosos nas histórias daqueles tempos, repletos de autoritarismo, disputas e derramamento de sangue. Mas havia uma diferença primordial: o ser humano e a natureza eram tidos como parte de um todo e a tecnologia não obstruía o equilibrío universal.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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