Archive for the ‘Fotos’ Category

19º Festival de Antonina

quinta-feira, julho 16th, 2009

Apesar das dificuldades financeiras que quase o impossibilitaram, o 19º Festival de Inverno da UFPR cumpre seu papel de movimentar a cultura do estado. O evento iniciou no domingo, 12 de julho, e vai até o próximo sábado, dia 17. Diversas oficinas foram ofertadas, contemplando mais de 800 vagas. A cidade vira cenário para diversos espetáculos, oficiais ou espontâneos.

Uma das oficinas é o Jornal Caranguejo, que chega à sua 11ª edição com uma nova proposta: ao invés de contemplar somente estudantes de jornalismo, em 2009 a oficina abrange todos os interessados, estudantes da área ou não. Veja o editorial do jornal.

Mais informações sobre o Festival aqui.

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Viajeros – Sabedorias ancestrais, Oruro e deserto de sal

terça-feira, julho 7th, 2009

Saímos do Brasil com apenas uma meta objetiva: ir ao I Fórum Social Internacional de Sabedorias Ancestrais, de 12 a 15 de outubro de 2006 na pequena cidade de Quillacollo, ao lado de Cochabamba. Depois de todas as complicações para sair do Chile, chegamos ao fórum; dois dias atrasados, mas chegamos. O evento foi promovido pela Comunidade Janajpacha, cujos membros são conhecidos como os Pachamama (Mãe Terra, em quéchua).

Lhama na Comunidade Janajpacha.

Havia chilenos, brasileiros, argentinos e colombianos somando-se aos bolivianos e habitantes da comunidade. Temas importantes foram levantados, como a questão mapuche, apresentada por colegas chilenos, mas a falta de apresentações culturais e conteúdos relacionados à ancestralidade boliviana deixaram um pouco a desejar.

A comunidade

Quando o fórum terminou, pedimos para permanecer mais alguns dias no lugar. Queríamos conhecer seu funcionamento, conviver um pouco com seus habitantes. A iniciativa de construção do local foi de Chamalú, guia espiritual e líder da comunidade. Serviços de hospedagem, massagem e outras terapias alternativas suprem as necessidades financeiras.

Algumas pessoas estão lá há dez anos – qualquer um pode ser aceito, desde que queira desenvolver a espiritualidade, respeite as regras e permaneça no mínimo seis meses. Cigarro, bebida alcóolica e drogas ilegais são proibidos. Se alguém quiser fumar ou tomar uma cerveja, tem que sair para dar uma volta. Fomos aceitos entre eles – mesmo que só por alguns dias e sem pagar pela estada -, com a condição de participarmos das tarefas diárias.

Hotel da comunidade (foto de Thiago Martins).

Os moradores da comunidade – vindos da Colômbia, Venezuela, Argentina, Uruguai, México, Inglaterra e de outros países – eram, em sua maioria, jovens. Todos dispostos a descobrir mais sobre si mesmos, a reencontrar sua ligação com a natureza, aprendendo a ser mais compreensivos e solidários, ao mesmo tempo que mais combativos e esclarecidos.

Apesar da aparente adoração à figura de Chamalú não me agradar, admiro a comunidade. Lá conheci pessoas muito boas, que buscam o seu melhor e o dos outros e que, principalmente, têm a coragem de tentar. Mas como diria Raul, “antes de ler o livro que o guru lhe deu você tem que escrever o seu”.

Oruro

Permanecemos cerca de duas semanas na comunidade e fomos para Cochabamba, onde passamos um mês aprendendo a viver de artesanato e malabarismo com novos amigos. De lá fomos para Oruro com os europeus Mathilde e Jeronimo, caminho obrigatório para chegar ao salar Uyuni.

Seca e a três mil metros de altitude, Oruro é uma cidade desbotada – tudo tem cor de pó. O hotel foi o pior que havia enfrentado até então: sem direito a banho, sem janela nos quartos, com banheiros sujos e cheiro ruim. Mas sobrevivemos.

Nessa época passei a me dedicar com mais intensidade ao artesanato e descobri que com uma boa lábia não se morre de fome. Pela primeira vez vendemos realmente bem, principalmente nos barzinhos noturnos. Os europeus também aprendiam a fazer trampo, sem objetivos financeiros, e Jeronimo nos ajudava a vender.

Antiga civilização

Descobrimos que perto de Oruro existem ruínas incaicas. Pegamos um táxi e chegando ao local pedimos informação num posto policial, onde sequer sabiam das ruínas. Fomos caminhando algumas horas por uma paisagem linda – ovelhas, vento, montanha e um pequeno córrego. Alcançamos as antigas habitações indígenas, feitas de barro, com apenas uma pequena abertura de entrada, para proteger o interior do vento. Em tempos remotos,integrantes de uma antiga civilização viveram naquelas casas. Uma energia muito forte, misturada a uma sensação de intemporalidade, me tomou. O vento trazia, de muito longe, canções à Pachamama, contos de rituais, batalhas e fogueiras.

Ruínas em Oruro (foto de Mathilde Bokhorst).

Na volta passamos por um pueblito, um oásis no meio da aridez, na planície em frente ao morro onde se encontram as ruínas. As sociedades incaicas e pré-incaicas costumavam construir as habitações em plano mais elevado, de maneira que se pudesse observar a região ao redor; abaixo, nas planícies, ficavam as plantações.

Imensidão de paz

De Oruro seguimos para Uyuni – cidade excessivamente turísitica, até então só perdendo para San Pedro de Atacama. Achamos um hotel relativamente barato e confortável e fomos pesquisar os pacotes de turismo – para quem não conhece a região não é muito aconselhável desbravar um deserto branco sem um guia.

Eu no salar Uyuni. Foto de Thiago Martins.

Aquele saco de cronograma turístico – dez minutos para tirar fotos aqui, mais dez minutos para comprar souvenirs ali. Chegamos à Isla del Pescado, no meio do Salar, e tínhamos duas horas para desfrutar. Eu e Thiago saímos para caminhar um pouco e acabamos sendo transportados para um universo branco, onde tempo e espaço perdem referências. Uma experiência mágica, surreal. Tenho muita vontade de voltar e passar uma semana acampando, para ver o que uma situação como essa pode fazer com a cabeça – é de enlouquecer mentes tão acostumadas com escalas como as nossas. Outra ideia é rodar um filme, a luz e o visual são deslumbrantes nesse infinito branco.

Nos despedimos de Mathilde e Jeronimo e fomos para Potosí – uma cidade com muita história, que pensei que me encantaria. No começo foi interessante, mas acabou me cansando. As vendas não iam bem, pessoas nos encomendavam trabalhos e não apareciam para buscar. Cansamos de ouvir “no tengo plata”, “más tarde” e de sermos tratados por quase todos como turistas parasitas, com um gélido distanciamento. Ficamos até juntar grana para o transporte e fomos para Tarija, ao sul da Bolívia. Outro clima, outros ares, outra vivência.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

Veja o post anterior.

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Kundun Balê: resistência, sincretismo e resgate

terça-feira, junho 30th, 2009

O espetáculo “Encanto das Três Raças”, resultado do trabalho cultural desenvolvido na comunidade quilombola Paiol de Telha, é exemplo de como a arte pode contribuir para emancipar povos e construir identidades.

Camiseta do Kundun Balê - tranças e guias.

Camiseta do Kundun Balê - tranças e guias.

Sexta-feira, 19 de junho, 06h30 da manhã. Atrás da catedral da Praça Tiradentes, sentada em cima da minha mochila, comia um salgado que comprei numa lanchonete chinesa, um dos poucos estabelecimentos abertos a essas horas – todos chineses. Eu havia recebido um convite para assistir à estréia do Encanto das três raças e passar o fim de semana no Paiol de Telha, em Guarapuava.

Lendo o email-convite, enviado para a lista de associados do Soylocoporti, me perguntei: “mas será que eu entro nessa história que nem sei qual é?”. Nessas horas sempre me lembro que várias vezes me fiz essa pergunta, geralmente cedi e nunca me arrependi, pelo contrário, agradeci à vida por me ter dado coragem de vencer o medo e ter ousado ver o novo. E lá estava eu, sozinha, antes do dia nascer, esperando um ônibus de desconhecidos para viver um pouco mais da cultura do meu país, por tanto tempo esquecida, abandonada, e pior, discriminada e até criminalizada.

Mandorová, Assema e Kundun Balê se unem para formar o espetáculo.

Mandorová, Assema e Kundun Balê se unem para formar o espetáculo.

Foi então que surgiu um homem que perguntou se eu era a menina que iria com eles. Era Marco Boeing, de quem o Amarelo, do Soylocoporti, havia recebido o convite. Entrei no ônibus, já ocupado em parte por crianças e adultos, que desde o início me receberam muito bem. Marco, dirigente da Assema – Associação Espiritualista Mensageiros de Aruanda, me explicou que havia conhecido Orlando Silva, diretor do espetáculo, e integrantes do Kundun Balê numa comemoração dos cem anos da umbanda realizado pela associação em Curitiba. Orlando estudou com os jovens e crianças da comunidade diversas religiões, e a Assema auxiliou na introdução da umbanda, uma religião afro-brasileira formada do sincretismo religioso entre os três povos que, majoritariamente, formam o Brasil: europeu, africano e indígena.

O poder da cultura e da arte

Sincretismo cultural.

Sincretismo cultural.

Estudos espirituais, culturais, dança e música. Esses são os pilares do trabalho desenvolvido pelo educador e percussionista Orlando Silva junto às crianças e jovens da comunidade quilombola. Trabalho esse que vem colaborando para que os jovens conheçam e desenvolvam suas origens, que tenham consciência de seus direitos e saibam disputá-los, levando para todos a força e a riqueza de sua cultura.

A meu ver, a iniciativa traduz o que os estudos culturais latino-americanos apontam. Néstor García Canclini, em A socialização da arte – teoria e prática na América Latina, encara a arte não meramente como um objeto de absorção lúdica, mas enxerga sua capacidade de intervenção na realidade, forjando identidades e explorando visões múltiplas, aliadas inevitavelmente ao contexto histórico, social e cultural das obras.

Segundo Canclini, “está ocorrendo, em nosso século, uma transformação tão substancial na concepção da arte, quanto a que ocorreu no Renascimento. Nessa época, passou-se da estética clássica (canônica, artesanal, intelectualista) à concepção moderna (caracterizada pela livre invenção de formas, pela “genialidade” individual dos artistas, pela autonomia das obras e sua contemplação “desinteressada”).

Mães de jovens da companhia se aliam à iniciativa.

Mães de jovens da companhia se aliam à iniciativa.

Nas últimas décadas, a concepção moderna ou liberal é questionada pelas vanguardas artísticas e por críticas sócio-políticas: de acordo com as mudanças econômicas e sociais que procuram a democratização e o desenvolvimento da participação popular, novas tendências artísticas tratam de substituir o individualismo pela criação coletiva, vêem a obra não mais como o fruto excepcional de um gênio, mas como produto das condições materiais e culturais de cada sociedade, e pedem ao público, em lugar de uma contemplação irracional e passiva, sua participação criadora.”

O autor sugere que “talvez, uma das funções da arte seja, como disseram os surrealistas, manifestar no real o maravilhoso. Mas, pensamos também, que uma das tarefas básicas da arte latino-americana atual é descobrir no maravilhoso o real”.

Encanto das Três Raças

Chegamos à comunidade no final da manhã, almoçamos e fomos direto ao auditório onde daria-se a apresentação. A tarde foi de intensa movimentação – montagem do cenário, ajustes de som e luz, marcação de cena e a junção das coregrafias do Kundun com as da Assema, somando-se ainda o trabalho cênico do Grupo Mandorová, de Guarapuava.

Muitas trançinhas no cabelo, ensaios e correrias. Na hora do show, com a platéia lotada, a ansiedade imperava. Fez-se uma roda no camarim, momento no qual todo o árduo trabalho foi recordado pelo grupo e pediu-se a benção aos orixás.

O espetáculo iniciou com um canto que pede licença à terra para plantar nela a vida, que geralmente encerra os trabalhos de umbanda. Diversas entidades desta religião afro-brasileira foram homenageadas – não aquela homenagem distante, mas incorporada, resultado da busca pela compreensão das vibrações da natureza. A percursão enérgica ditava a sintonia do espetáculo, transmitindo ritmo aos corpos – negros, mulatos, mamelucos, brancos, indígenas, altos, magros, gordos, baixos, jovens, crianças e velhos – transcendendo padrões estéticos artificiais e valorizando a individualidade em sintonia com o coletivo.

Alegria ao final do show.

Alegria ao final do show.

Ao final do espetáculo, o auditório, lotado devido à apresentação, emanava satisfação e emoção. No palco, a energia era transbordante, desaguando em euforia e abraços consecutivos, até que artistas e público eram uma coisa só. Uma experiência intensa, autêntica, no sentido de que não é apenas um produto cultural – é o reconhecimento da história de uma gente formada por vários povos, da mistura de nuances, da valorização daquilo que somos e escolhemos ser.

Veja mais sobre a comunidade quilombola e o espetáculo nesta matéria, publicada no blog oficial do Soylocoporti. Veja também mais fotos do show e dos ensaios.

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Encanto

terça-feira, junho 30th, 2009

Estréia do espetáculo “Encanto das três raças”, do Instituto Afro Brasileiro Belmiro de Miranda. Guarapuava, junho de 2009.


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Últimos toques

terça-feira, junho 30th, 2009

Ensaios do espetáculo “Encanto das três raças”, do Instituto Afro Brasileiro Belmiro de Miranda. Guarapuava, junho de 2009.

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Viajeros – De Cochabamba à cidade mais alta do mundo

segunda-feira, maio 25th, 2009

Bolívia, mais de quatro mil metros de altitude. Ladeiras margeadas por casas de séculos passados, lembrança de Ouro Preto. Potosí foi a maior fonte de prata da metrópole espanhola, testemunhou o esbanjamento de uma elite parasita e a cruel exploração dos indígenas. Hoje vive do turismo, e claro, de suas minas.

Já estamos há mais de um mês neste país que tem o dom de mudar o olhar de todos que o visitam (ao menos dos que se entregam). Chegamos do Chile para o tal fórum do qual tanto queríamos participar, nas imediações de Cochabamba. Vivemos cerca de trinta dias nesta cidade – pela primeira vez verdadeiramente artesanos.

Nosso dinheiro acabou. Estamos sem cartão para saque. Mas descobrimos que sim, podemos nos sustentar com artesanato e malabares. Temos que nos privar de pequenos luxos, mas nada que faça muita falta.

Ontem foi meu aniversário. Jantamos num moquifo à la boliviana – ovo frito, arroz, batata e salada por três bolivianos e cinquenta, cerca de um real. Não tínhamos grana para uma grande comemoração, mas afinal, para quê? Quer coisa mais única que estar em Potosí, na entrada de um show de rock, vendendo artesanato na fila?

Uma nova e estranha família

No nosso segundo dia em Cochabamba, Thiago viu um artesão com cara de brasileiro; Charlie olhou para Thiago e pensou que fosse colombiano. Se identificaram um no outro. Charlie é uma figura; tem trinte e três anos, uns bons quilos, cabelo encaracolado comprido e meigos olhos esverdeados. Ele nos avisou de um alojamento mais barato que aquele onde estávamos, limpinho e com direito a banho pela manhã (aqui na Bolívia, pela escassez de água nas áreas altas e secas, não é em todo lugar que a diária inclui banho). Acordávamos com ele cantando “Jesus Cristo”, do Roberto Carlos, num português truncado, e fazendo umas coisas esquisitas que ele dizia ser capoeira.

Já no caminho para o Alojamiento Roma encontramos um alemão magro, alto, com olhar de psicopata. Ele toca um instrumento que parece uma fera rugindo, sente a energia dos cristais e vende pulseiras da sorte. “Faça um desejo do fundo do coração, e que não prejudicará a ninguém”, diz ele ao atar o nó no pulso de seus clientes. Quando perguntam quanto custa, ele responde: “um desejo não tem preço, dê a contribuição que achar justa”. E ele realmente se concentra quando está fazendo suas singelas pulseirinhas, para distribuir boa energia pelo mundo.

Deixamos nossas coisas no alojamento e fomos trabalhar junto com Charlie e Oscar, seu amigo também colombiano, em frente à universidade. Oscar é grandão, negro e, apesar da aparência robusta, é inocente como uma criança. Já no primeiro dia foi só eu comentar que estava com fome que ele comprou um lanche para mim. Outro dia perguntou por que eu não usava brincos, falei que minha orelha inflama. Ele me deu uns brincos de coco que tinha para vender, que não infeccionam. Perguntei a quanto ele vendia. “Não, por favor, é um presente”, respondeu.

Depois conheci Martin, o uruguaio de 20 anos que já está há seis na estrada, e a brasileira Alice, sua namorada, estudante de geografia que cogita não voltar às salas de aula. Os dois estavam vivendo no Rio na mesma época, mais ou menos um ano antes. Tinham os mesmos amigos, mas foram se conhecer só na Bolívia. Ele com seus claros dreads desgrenhados, cara magra e língua afiada, disfarçando uma doçura latente. E ela tranqüila, seguindo as ondas da vida. Martin faz arte com alicate e arame, e ridicularizava Charlie, que revende bugigangas compradas em camelôs. O colombiano não ligava, retrucava com humor.

À noite o movimento na universidade é fraco, então os vendedores vão para a praça central. É o ponto de confluência da cidade: num canto fica o pessoal da igreja, o pastor clamando contra satanás e as ovelhinhas aplaudindo; do outro lado ficam os comediantes rodeados por uma pequena multidão, a atração mais disputada da praça; entre os dois eventos alguns homens discutem política. Um dia me enfiei no meio da homarada e ouvi um pouco. Estava interessante, discutiam o que é cultura.

Por toda a praça há trabalhadores informais vendendo artesanato, pipoca, sorvete, café, cuñapé (pão de queijo boliviano) e tudo mais que alguém resolver oferecer. Jimi, um boliviano que viajou cinco anos pelo Brasil, também passava a noite estendendo seu pano na praça. Ele foi pego pela imigração em Joinville, passou um mês na cadeia – segundo ele, foi bem legal; a galera era gente boa e tinha uns assaltantes de banco que pediam as melhores comidas pelo celular – e depois foi deportado para a Bolívia. Em São Paulo, numa madrugada na Praça da República, ele me disse que viu uma nave espacial pousando. Todo mundo (uma galera bebendo madrugada adentro) já estava dormindo e ele ficou paralisado – os ETs fazem o tempo parar para que ninguém possa vê-los. Uma porta se abriu e contra a luz, de canto de olho, ele viu três extraterrestres: o pai, o filho e o espírito santo. “Como na Bíblia, menina, eles vieram para ver sua criação. Eles criaram a Terra, e outros devem ter criado o planeta deles, e sei lá no que isso vai dar”, me contou com seu português de mano paulista. Mas o que ele queria mesmo era conhecer uma gringa que o levasse para a Europa. “Esse alemão é louco, sai da Europa para vender pulseirinhas na Bolívia. Se fosse eu, ficava lá e fazia uma grana”, falava ele rindo. Mais tarde encontraríamos Jimi novamente, em Copacabana. Ele estava com uma gringa.

A vila do Chaves

O Alojamiento Roma é separado apenas por um muro do Alojamiento Cochabamba – antigamente eram um só. No Roma estávamos, além de Thiago e eu, o Alemão, Jimi, Oscar e Charlie. Depois chegaram Jeronimo, metade inglês e metade espanhol, um norueguês, a holandesa Mathilde, quatro malabaristas chilenos, um paraense e sua namorada portuguesa que tinha que mostrar o passaporte para provar que não era brasileira.

Do outro lado do muro estavam Martin e Alice, e chegaram dois casais de artesãos que viajam com filhos pequenos. Parecia a vila do Chaves, ou Chavo del Ocho, nome original da clássica série mexicana. Ao acordar todo mundo tomava banho e ficava conversando no estreito espaço entre os quartos e o muro. À noite o povo se juntava em frente à porta do nosso quarto, onde havia cadeiras e mesinha, e ficávamos conversando até que, um por um ou em grupos, todos iam para seus quartos ou para algum barzinho. E claro, sempre naquele esquema: se alguém tem comida, divide com todos, e assim com água, bebida, enfim, tudo.

Ninguém conseguia ir embora. Mas, no final das contas, o rio segue. Jeronimo e Mathilde, que acabaram ficando juntos, estavam indo para o Salar Uyuni, passando por Oruro. Eu e Thiago aproveitamos para seguir viagem.


Charlie posando com suas artesanias; atrás Oscar iniciando uma venda. Praça central de Cochabamba, outubro de 2006. Foto de Mathilde Bokhorst.
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Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Reduto ecológico em risco em Florianópolis

domingo, maio 10th, 2009

A matéria abaixo foi originalmente publicada em meu antigo blog em 08/02/08. Sua reedição deve-se a um grande risco: há uma ação tramitando no Ministério Público que pretende transformar em estrada a trilha que percorri (ler matéria) para chegar ao Sítio Çarakura, local onde são desenvolvidas diversas atividades em formação e educação ambiental. A trilha é o percurso mais curto entre as duas maiores bacias hidrográficas e econômicas da ilha (Lagoa da Conceição e Rio Ratones).
O cenário atual de desrespeito ecológico no estado é assustador: o governo de Santa Catarina acaba de aprovar mudanças no Código Florestal que reduzem a proteção das matas. Enquanto o Código Florestal federal exige que o produtor preserve 30 metros de mata ciliar em pequenos rios e córregos, o catarinense diz que as propriedades acima de 50 hectares terão de manter apenas dez metros de mata.
Tal suicídio ambiental está causando sério atritos entre o governador catarinense, Luiz Henrique da Silveira (PMDB), e o ministro do Meio-Ambiente Carlos Minc. Eles chegaram a ameaçar usar forças federais e estaduais um contra o outro.

(Fonte: http://www.parana-online.com.br/editoria/pais/news/366553/)

Paz, amor e natureza

Sítio Çarakura, distrito de Ratones, Florianópolis. Há cerca de três décadas Nei, um jovem de dezoito anos, trocou sua moto por um sítio. Paulistano, pensou em ir para Boston estudar música, mas terminou comprando um sítio em Floripa e estudando agronomia. “Música tem que ser só por prazer, não para vender”, disse Nei.

O sítio era praticamente só pasto. Hoje a área é repleta de árvores, frutas, flores e animais, graças ao trabalho braçal e às técnicas de permacultura e agrofloresta. Além de Nei e sua esposa Andréia, vários amigos fazem parte da família Çarakura. A arquiteta Sumara Lisboa é um deles, e ela foi a responsável pela organização de uma vivência ecológica no sítio, da qual tive o prazer de participar.

Permacultura
Fui buscar uma definição de permacultura no site www.permear.org.br. Aí vai:

“Os australianos Bill Mollison e David Holmgren, criadores da Permacultura, cunharam esta palavra nos anos 70 para referenciar um sistema evolutivo integrado de espécies vegetais e animais perenes úteis ao homem. Estavam buscando os princípios de uma Agricultura Permanente. Logo depois, o conceito evoluiu para “um sistema de planejamento para a criação de ambientes humanos sustentáveis” , como resultado de um salto na busca de uma Cultura Permanente, envolvendo aspectos éticos, socioeconômicos e ambientais.

Para tornar o conceito mais claro, pode-se acrescentar que a Permacultura oferece as ferramentas para o planejamento, a implantação e a manutenção de ecossistemas cultivados no campo e nas cidades, de modo que eles tenham a diversidade, a estabilidade e a resistência dos ecossistemas naturais. Alimento saudável, habitação e energia devem ser providos de forma sustentável para criar culturas permanentes.

Permacultura é algo fácil de identificar com um monte de desejos pessoais profundos entre aquelas pessoas que sonham com paz, harmonia e abundância. Nas palavras de Bill Mollison, a Permacultura é uma tentativa de se criar um Jardim do Éden, bolando e organizando a vida de forma a que ela seja abundante para todos, sem prejuízo para o meio ambiente.”

A vivência
Ratones é o último reduto rural da Ilha. A melhor maneira de chegar lá é pegar um barco na Lagoa e ir até a parada final. Daí é subir a trilha da Costa da Lagoa; chegando lá em cima, um prêmio pelo cansaço: uma vista maravilhosa. O sítio se encontra logo após a descida.

Entre as muitas atividades que praticamos, limpamos terreno para a horta mandala, plantamos as sementinhas, fizemos viveragem e terminamos de construir um forno de tijolos de barro. Também tivemos um dia só de passeio: fomos conhecer pessoas ligadas ao movimento ecológico de Florianópolis.


Construindo o forno: À direita, Nei e Sumara; à esquerda, Paulo e Nina, que também participaram da vivência.

Sumara foi nossa guia turística, e a primeria parada foi numa comunidade do Santo Daime, onde vivem 30 famílias. O lugar é lindo. Eles estão desenvolvendo novas maneiras de se relacionar com a natureza e com a sociedade, por meio das técnicas de permacultura e da pedagogia Waldorf, uma metodologia de ensino que integra a criança com o seu meio e supera a condição tradicional da pedagogia de transmissão de conhecimento aluno-professor, investindo na interação.

Depois fomos à casa de Rodrigo Primavera, um mestre em bambu e adepto da permacultura. A casa é linda: pequena, funcional e com a estrutura toda em bambu. Os móveis também são praticamente todos feitos de bambu: mesa, cama, sofá, luminária, porta Cd´s e muita coisa mais. Fomos muito bem recebidos, com direito a suco de maracujá da horta.


Estrutura em bambu

Passamos na tranqüila praia do Moçambique e seguimos para a casa de Márcio e Karina, que utilizam várias técnicas eco-sustentáveis, como a obtenção de energia solar, o banheiro compostável, o círculo de bananeiras, que reutiliza a água usada no banheiro, entre outras coisas. Fomos apresentados à Recicleide, personagem de Karina que trata, com muito humor, dos temas de reciclagem e consciência ecológica.


Moçambique


Moçambique de trás, tomada por Pinus

Devido à chuva que não dava trégua, nos últimos dois dias sofremos uma diminuída no ritmo de trabalho. O riozinho que passa ao lado da casa onde estávamos hospedados, completamente inerte quando chegamos, se transformou nas Cataratas do Iguaçu.


Cataratas do Iguaçu em Ratones

A vivência de cinco dias custou cinquenta reais, incluídos alojamento numa casa maravilhosa, construída pelo próprio Nei, alimentação farta, gostosa e saudável, preparada pela Dona Maristela, mãe da Andréia, além da beleza natural e do acolhimento dos moradores. Um excelente lugar para aprender mais sobre o relacionamento do homem com a natureza e para encontrar paz.

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Caminhos de uma psiquiatria rebelde

terça-feira, abril 28th, 2009

Em épocas de eletrochoques, Nise da Silveira enfrentou os procedimentos estabelecidos e apostou na arte e na interação como métodos de terapia psiquiátrica. Única mulher entre os 157 homens da turma de Faculdade de Medicina da Bahia a formar-se em 1926, foi presa dez anos depois pela posse de livros marxistas. Na prisão conheceu Olga Benário, Graciliano Ramos e outros participantes do movimento comunista, que se tornaram amigos seus.
Iniciou os trabalhos de terapia ocupacional no Brasil e fundou, em 1952, o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, documentando os trabalhos de seus pacientes nas oficinas de modelagem e pintura, valorizando-os como forma de compreender profundamente o universo interior do esquizofrênico.

A exposição Nise da Silveira – caminhos de uma psiquiatra rebelde, está aberta à visitação no Museu Oscar Niemeyer.

Ruptura

Uma coisa que me decepciona é a falta de compreensão de alguns médicos que aqui trabalham. Apesar de estar afirmado e reafirmado por grandes mestres da psiquiatria a utilidade da ocupação com fim terapêutico,  vários colegas meus não lhe dão o devido crédito. Acreditam mais em “choques” elétricos e outros processos. Talvez seja a influência da época que atravessamos: a era da máquina. A alma é colocada em segundo lugar. (Nise da Silveira)


Escultura produzida por esquizofrênico antes de passar pela lobotomia (cirurgia cerebral que atrofia funções do cérebro). Todas as esculuturas abaixo foram feitas pela mesma pessoa.
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Escultura produzida por esquizofrênico antes de passar pela lobotomia.
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Escultura produzida por esquizofrênico depois de passar pela lobotomia.
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Escultura produzida por esquizofrênico depois de passar pela lobotomia.

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Durante esses anos todos que passei afastada, entrou em voga na psiquiatria uma série de tratamentos e medicamentos novos que antes não se usavam. Aquele miserável daquele português, Egas Muniz, que ganhou o prêmio Nobel, tinha inventado a lobotomia. Outras novidades eram o eletrochoque, o choque de insulina e o de cariazol. Fui trabalhar numa enfermaria com um médico inteligente, mas que estava adaptado àquelas inovações. Então me disse:

– A senhora vai aprender as novas técnicas de tratamento. Vamos começar pelo eletrochoque.

Paramos diante da cama de um doente que estava ali para tomar eletrochoque. O psiquiatra apertou o botão e o homem entrou em convulsão. Ele então mandou levar aquele paciente para a enfermaria e pediu que trouxessem outro. Quando o novo paciente ficou pronto para a aplicação do choque, o médico me disse:

– Aperte o botão.

E eu respondi:

– Não aperto.

Aí começou a rebelde.

(Nise da Silveira)

 

Mandalas

Segundo a psiquiatria dominante, a cisão das diferentes funções psiquiátricas é uma das características mais importantes da esquizofrenia. Seria de esperar, muito logicamente, que as cisões internas se refletissem na produção plástica pela ruptura, pela fragmentação das formas. […] Entretando imagens circulares ou tendendo ao círculo, algumas irregulares, outras de estrutura bastantes complexa e harmoniosa, impunham sua presença na produção espontânea dos frequentadores do ateliê do hospital psiquiátrico. A analogia era extraordinarimente próxima entre essas imagens e aquelas descritas sob a denominação de mandala, em textos referentes às religiões orientais.

A configuração de mandala harmoniosa, dentro de um molde rigoroso, denotará intensa mobilização de forças auto-curativas para compensar a desordem interna.

Então pedi para que fotografassem algumas mandalas e as enviei com uma carta para C. G. Jung, explicando o que se passava. Foi um dos atos mais ousados da minha vida.


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Mandalas produzidas pelos frequentadores do ateliê de pintura.

Dessa maneira, Nise entrou em contato com Jung. Ele se interessou intensamente pelo seu trabalho, tanto que em 1956 inaugurou em Zurique uma exposição de pinturas do Museu de Imagens do Inconsciente, coordenado por Nise, no II Congresso Internacional de Psiquiatria. 

A configuração de mandalas é evidentemente um fenômeno que exprime tentativas de auto-cura não provenientes da reflexão. mas de um impulso instintivo. (Nise da Silveira)

As citações de Nise foram retiradas da exposição citada. Mais informações sobre a exposição aqui.

Mais informações sobre a trajetória de Nise da Silveira aqui.

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Viajeros – Uma espiadinha no Chile

terça-feira, abril 21st, 2009

Yerko, um chileno que conheci na Bolívia, definiu o Chile de uma maneira bem engraçada: o condado dos hobbits. Naturalmente isolados do mundo pela Cordilheira dos Andes e pelo Pacífico, os chilenos levam sua vida tranquilos, e apesar de chegarem notícias do mundo inteiro, elas parecem tão distantes…

A imagem que eu tinha do Chile era a de “país mais desenvolvido da América Latina”. Mas o termo “desenvolvimento” junto com “América Latina” sempre é uma piada – só abarca uma elite.

Passamos duas semanas no Chile – dez dias em Valparaíso e quatro rumo à Bolívia. O que escrevo aqui são interpretações pessoais e opiniões de pessoas que conheci, que para mim fizeram sentido. Não tenho pretensões de revelar verdades, para isso já existem a enciclopédia e o dicionário.

Valparaíso

Conheci Luciana em janeiro de 2006 no Estágio Interdisciplinar de Vivência em Áreas de Reforma Agrária de Minas Gerais. Contei a ela dos meus planos de viagem e me convidei para ficar na sua casa no Chile. Ela, muito solícita, disse que estaria nos esperando em Valparaíso, cidade onde vive.

Casa da Luciana.

Nunca tinha ouvido falar desse lugar, apesar de ser a segunda maior cidade do Chile, o principal porto do país, sede do poder legislativo nacional e ficar a menos de duas horas de carro de Santiago.

Um porto, seguido pelo centro ao nível do mar, rodeado por quarenta e tantos morros – essa é Valparaíso. A cidade tem um sério problema com coleta de lixo, por isso é relativamente suja. Apesar de ser grande, com mais de um milhão de habitantes, são poucos os edifícios altos, o que a torna mais aconchegante, com um ar provinciano.

Valparaíso tem fama de ser violenta. Uma certa noite estávamos os três – eu, Thiago e Luciana – voltando de um bar. Luciana viu dois homens nos seguindo do outro lado da rua, justamente quando estávamos a menos de uma quadra de sua casa. Eles pararam e pegaram um pau. Seu amigo tinha sofrido uma tentativa de assalto idêntica, no mesmo lugar, pouco tempo atrás. Ele conseguiu fugir. Diante da situação demos meia volta e esperamos; quando voltamos, eles não estavam mais lá. Isso nunca tinha acontecido com a Luciana – nunca a roubaram, apesar de já terem tentado abrir sua mochila no corre-corre da rua algumas vezes. É preciso estar atento e tranqüilo – o perigo existe, mas a paranóia costuma tomar proporções desmedidas.

Perigos à parte, nossa passagem por Valparaíso foi bastante agradável. O melhor da cidade são os morros, repletos de casinhas coloridas, entrecortados por caminhos que só quem vive ali percorre sem se perder. A vista noturna é pura poesia: milhares de pontinhos de luz ondulantes até perder de vista; do outro lado, o pacífico, trazendo os ares do Oriente. Não é à toa que Pablo Neruda tinha uma casa ali.

Para inglês ver

Colada em Valparaíso está Viña del Mar, onde vivem as pessoas mais endinheiradas do Chile. Tudo dentro do moldes turísticos: avenidas margeadas por palmeiras, hotéis de luxo, cassinos, restaurantes e tudo caro, muito caro.

Fomos dois dias a Viña para vender artesanato. Thiago ganhou uma graninha fazendo malabarismo no semáfaro e eu, como de costume, não vendi nada. Mas valeu à pena: vi o por do sol no Pacífico, a primeira vez que vi o sol se por no mar (no Brasil, vemos o sol nascer no mar, a não ser que estejamos numa ilha – questão de bússola). Voltamos a Valparaíso caminhando. Um trajeto de duas horas, que já havíamos percorrido na ida. Cheguei exausta, faminta e queimada do sol. Todos riram da brasileira que ficou vermelha no Chile.

Trauma e silêncio

Os horrores do regime militar ainda estão muito vivos na memória chilena, uma ferida não-cicatrizada. Quando a ditadura brasileira estava no auge da sua repressão, época de exílio, mortes e torturas, meus pais eram crianças tornando-se adolescentes. No Chile, a ditadura terminou em 89, sendo que a década de oitenta ainda foi testemunha do braço de ferro de Pinochet. Luciana conta que na sua infância seu pai recebia pessoas em casa que ficavam o tempo todo dentro de um quarto, não saíam nem para comer. Eram perseguidos políticos. A geração atual chilena carrega em si as marcas desse período.

Depois da ditadura veio o neoliberalismo, que ao que tudo indica se adaptou muito bem aos diversos climas chilenos, desde o desértico norte até o gélido sul. As opiniões de Yerko e Luciana convergem em um ponto: parece que a propaganda do governo funciona bem, que o povo acredita nessa imagem de desenvolvimento, que estão na melhor situação que poderiam estar, enquanto os problemas sociais são evidentes – mendigos pelas ruas, muito trabalho informal, violência e discriminação racial. Os mapuches, indígenas originários da região centro-sul chilena, são os que mais sofrem com a pretensa estabilidade, e são uns dos poucos que ousam levantar a voz.

A causa mapuche

Mapuche significa “gente da terra”. Eram realmente gente da terra, até terem seu território expropriado pela colonização espanhola e serem relegados ao nível mais baixo da escala social. Hoje eles escondem suas origens, alguns trocam de sobrenome para serem aceitos na “sociedade civilizada” e conseguirem um emprego qualquer. É o fenômeno da padronização cultural, apesar da liberdade que se atribui ao sistema.

Existe a lei do indígena no Chile, mas simplesmente não é respeitada. As políticas governamentais, além de serem as comuns “tapa-buracos”, não levam em conta as reais necessidades e os desejos dos mapuches. Um exemplo concreto: num determinado caso, derrubaram suas cabanas e construíram casas. Mas o mapuche não vive em casas, vive em cabanas. Quando foram ver, as casas construídas estavam sendo usadas como chiqueiro pelos supostos beneficiários.

O movimento mapuche acusa o governo de terrorismo de Estado por encarcerar mapuches sem evidência alguma e criminalizar o movimento social.

Pé na estrada

Após dez dias em Valparaíso, já sentíamos que era hora de partir. Queríamos chegar ao Fórum Social Internacional de Sabedorias Ancestrais na Bolívia, de 12 a 15 de outubro. É sempre bom seguir viagem, mas também é um pouco difícil – quando acabamos de nos apaixonar por um novo lugar, novas pessoas, novos costumes, já está na hora de ir.

Em nosso último fim de semana em Valparaíso, pegamos o Carnaval dos Mil Tambores. Ficamos até as cinco e meia da manhã, numa festa com muito batuque e dança. Não é só brasileiro que sabe fazer festa não.

Saída do Carnaval dos Mil Tambores. Fotos de Thiago Martins.

Tivemos um jantar de despedida na casa de Camila, irmã de Luciana. Ela, que cozinha muito bem, fez um pulmai, prato típico que leva mariscos, batata, carne de porco e frango, acompanhado de vinho branco. Mais uma vez ficamos até as cinco e meia da manhã, apesar de que nosso plano era partir no dia seguinte cedinho. Sabe-se lá quando poderíamos rever esses novos amigos, e a noite estava tão boa…

Mas partimos. Tentamos pegar carona a tarde inteira, mas não saímos do lugar. Decidimos gastar com ônibus, afinal nosso objetivo era chegar a tempo para o fórum. No guichê da rodoviária, expliquei que queríamos ir para a Bolívia e perguntei para onde deveríamos ir. Nos mandaram para San Pedro de Atacama, mas só tinha ônibus na noite seguinte. Ficamos num hotelzinho e no dia seguinte fomos rumo ao norte. Chegamos lá tarde da noite. Para nosso azar, não tinha como ir para a Bolívia por ali – demoraria muito, as estradas são muito ruins. (Nem sempre acredite nos atendedores de guichê de rodoviária.). Era melhor irmos para Calama, pertinho dali, onde deveríamos pegar um ônibus para Arica e daí então entrar na Bolívia. Porém ônibus para Calama, só na manhã seguinte. Nesta nossa romaria para deixar o Chile, dormimos num albergue em San Pedro, cidade que vive do turismo, situada em pleno deserto do Atacama. Nunca vi tantas agências de viagem num lugarzinho tão pequeno. A região tem fama de ser mágica e singular, mas só tivemos tempo de dar uma voltinha.

Chegamos ao meio-dia em Calama. Comprei nossas passagens para Arica, mas teríamos que esperar até às onze da noite. Estávamos fazendo hora na rodoviária; num determinado momento, fui ao banheiro, enquanto Thiago estava lendo. Nesse instante de distração, roubaram minha mochilinha, não a grande com as roupas, mas a que levava minhas duas câmeras fotográficas (uma digital fuleira e minha Nikon FM2, adquirida especialmente para a viagem), meu cartão de crédito, os colares que estávamos vendendo, um disco do Victor Jara, definido como o “Chico Buarque chileno”, que um amigo de Valparaíso me deu, y otras cositas más. Passei o dia inteiro fazendo boletim de ocorrência, tentando entrar em contato com minha mãe para que cancelasse meu cartão, andando na rua olhando neuroticamente todas as pessoas, para ver se encontrava o desgraçado com minha mochila. Susto, raiva, impotência, desânimo – esses sentimentos que costumam aparecer nesses momentos vieram à tona, e o clima da delegacia só contribuiu para aumentá-los. O que eu não sabia é que esse incidente seria a peça inicial que, num efeito dominó, desecadearia toda uma mudança na nossa forma de viajar.

Chegamos em Arica na manhã seguinte e de lá pegamos um ônibus para a Bolívia. Um lugar completamente diferente de tudo o que já vivi. Mas essa já é outra história…

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Viajeros – El gaucho y el tango

segunda-feira, abril 6th, 2009

Apresentação no 66 Billares, Buenos Aires, setembro de 2006.

 

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