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Primeira vista da Cordilheira dos Andes.
Hoje, pela primeira vez, vimos montanhas na Argentina. E não se tratam de simples montanhas: tivemos o prazer de vislumbrar a Cordilheira dos Andes delineada pelo por do sol. Em dois dias de estrada praticamente cruzamos o país horizontalmente. Faltam menos de 300 km para chegarmos ao nosso destino, uma cidadezinha andina rodeada por neve, quase no Chile.
Acordamos em Buenos Aires às quatro horas da manhã. Pegamos três ônibus urbanos até alcançarmos o ponto da estrada indicado para pedir carona. Depois de algumas caronas curtas, chegamos à cidade de Cochabuco. Mais um fim de tarde, mais uma expectativa de dormir na estrada. Estávamos decidindo onde nos abrigar quando um carro com dois senhores de uns 50 anos parou. Iriam a Junin, a uns 50 km dali. Aceitamos a carona – ao menos avançaríamos um pouco mais.
Eles faziam o tipo de quem nunca se espera uma carona – meia idade, um bom carro e roupa social. Mas os dois pareciam ser boa gente. Beto, que estava no volante, combinava um churrasco com seus amigos através do celular. Conversa vai, conversa vem, ele nos convidou para o churrasco. É claro que aceitamos de imediato, apesar de sermos vegetarianos. Abrem-se exceções. Beto ficou espantado com a rapidez com que eu aceitei, sem nem pensar muito. “É que eu gosto muito quando as coisas acontecem por si só, sem planejamento”, eu disse. “Você deve gostar muito de churrasco, isso sim”, gracejou Beto.
O fato é que, com churrasco ou sem churrasco, não conseguiríamos mais caronas – a noite já vinha chegando. Teríamos que pernoitar em Junin. “Onde vocês pensam em dormir?”, perguntou Beto. “Não sei, se tiver um albergue, um hotelzinho barato, um camping, não sei”, meio que perguntei, meio que respondi. No fim das contas, ele ligou para seu irmão, dono de um hotel que funciona na antiga casa da família de Beto, onde ele passou sua infância. “Pronto, consegui um lugar para vocês essa noite, e sem pagar nada”.
Não podíamos acreditar. Iríamos a um churrasco – asado, como dizem por aqui -, a mais típica comida argentina, dormíriamos num hotel, tudo assim, de repente, do nada. Mas o mais tocante foi a atenção que recebemos. Beto nos mostrou a cidade, nos levava e buscava do hotel e, por sua insistência, acabamos ficando mais uma noite. Conhecemos sua família, seus amigos, até fui ao mercado com ele e sua filha. Pegaram dois carrinhos: enquanto ela fazia compras para casa, ele comprava comida para uma senhora a quem ajuda. Abandonada pelo marido, desempregada e com cinco filhos pequenos para criar, ela se mantém às custas de caridade. O carrinho dele estava cheio de carne, leite, queijo, frutas e besteirinhas para as crianças. “Pai, você vai gastar demais”, advertiu a filha. “Quando a gente morre não leva nada junto, nem o dinheiro, não é verdade?”, disse Beto, com seu jeito bonachão.
No incidente “feira de artesanato na Plaza de Francia” fiquei muito decepcionada com o ser humano. Em momentos como aquele me pergunto se vale a pena tentar construir uma sociedade melhor, dedicar a vida a isso. Às vezes parece que o ser humano é um animal escroto por essência, que é essa a condição humana. Mas quando encontro pessoas como Beto, sua família e seus amigos, me encho de esperança, passo a acreditar que só precisamos de uma forcinha, que a bomba está prestes a explodir (se é que já não explodiu), que encontramos a escada, é só começar a subir. Brilha uma estrela no céu nublado.
Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.
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Florianópolis – ilha da magia, da alegria, da fantasia. Praias paradisíacas, clima de litoral, cheiro de sal e aquele jeito manezinho de encarar a vida com tranquilidade. No carnaval, fervo – todas as estradas levam à Ilha de Santa Catarina. O centro ficou lotado com carros de som – funk, samba, hip hop e todas as modas possíveis em alto e bom (ou mau) som. O bloco dos sujos tomou as ruas, fazendo surgir coelhinhas de pernas peludas, heroínas de voz grossa e Amy Winehouses com pomos de Adão à torto e à direito.
Em terra conhecida por suas ascedências germânicas, açorianas e italianas, a cultura afro se manifesta comprovando sua forte influência, quase uma onipresença, na cultura popular brasileira. Teve bloco de maracatu em Santo Antônio de Lisboa, no centro, na Lagoa da Conceição e até na Guarda do Embaú. Tive o imenso prazer de participar dessa catarse coletiva, com os blocos Arrasta Ilha e Tamboritá em Santo Antônio de Lisboa e uma segunda dose de Arrasta Ilha no centrinho da lagoa, precedido por um grupo de música e dança afro.
“Maracatu, maracatu, maracatu, maracatu” – o tambor canta, o sangue pulsa, a carne vibra, a pele sua. Debaixo de sol ou chuva pessoas desconhecidas se reúnem para celebrar juntas a alegria de estar vivo e poder sentir.
Soube dessa notícia por amigos de São Paulo que estão com companheiros de luta presos e feridos. A matéria foi tirada do site do movimento – http://www.mtst.info/.
A coordenação do MTST, na ocupação realizada em setembro do ano, procurou desde o início dialogar com as autoridades locais, procurando a Prefeitura que mantinha um canal aberto com o movimento, chegando até a discutir o abastecimento de água para a ocupação.
Surpreendentemente, com a mudança de gestão na Prefeitura para o governo de Oswaldo Dias esse canal foi fechado. Na única reunião que houve com a Prefeitura dia 26 de Janeiro, já havia uma liminar de reintegração de posse, concedida pelo judiciário local desde o dia 15 do mesmo mês, e a Prefeitura nada informou as representantes do movimento, revelando uma postura autoritária e negligente com a iniciativa de diálogo tranqüilo proposta pelo movimento.
Não restando alternativas às famílias, fomos para a luta reivindicar nosso direito e abrir os canais de negociações com o município. Ocupamos o saguão da Prefeitura pacificamente e esperávamos uma negociação para nos retirarmos da mesma forma. Entretanto, numa ação desproporcional e truculenta a Guarda Civil Metropolitana a mando de representantes da Prefeitura, agrediu as famílias com cassetetes e tiros de revolver. Mais de 19 pessoas ficaram feridas, uma gravemente com ferimentos na cabeça e um de nossos companheiros foi baleado. A Polícia Militar deteve 79 companheiros que estão sendo liberados.
A atitude da Prefeitura em acionar a Guarda sem procurar qualquer diálogo, é inconseqüente, truculenta e autoritária. Já é sabido de todos o despreparo da Guarda Municipal para esse tipo de ação, e acionaremos todos os meios legais para afastar os responsáveis. Se alguém acreditou que haveria maior facilidade de diálogo com o Prefeito Oswaldo Dias, a máscara democrática e popular do governo caiu.
Essa atitude desumana e brutal da Prefeitura e da Guarda Civil de Mauá não nos fará parar: exigimos a suspensão do despejo para os moradores da ocupação no Paranavaí. A luta pelos nossos direitos é uma luta justa, e estaremos dispostos a fazê-la até que se cumpra.
Dizem que Curitiba é fria. Pode ser – depende de onde e com quem. No carnavalzinho do largo, que ocorre todos os anos nos quatro domingos que antecedem o carnaval, a capital paranaense arde em chamas. O bloco Garibaldis e Sacis, de apenas dois aninhos, garante a música e as brincadeiras. O povo, recíproco, aumenta a dose de alegria. São crianças, velhos, jovens, homens, mulheres, travestis e homossexuais. Cada um com sua individualidade, respeitando a diversidade. Ninguém é igual, mas todos são foliões. Viva a festa legitimamente popular brasileira!
Curitiba, 15 de fevereiro de 2009.
Paraisópolis 04/02/2009
Os passarinhos eu não os tenho ouvido
Todos devem estar acuados em algum cantinho verde descoberto neste território
Hoje tem cavalaria, tem cachorro bravo
O som agora é papapapapapapapa
Há um pássaro de aço sobre a minha cabeça
Sobre a favela este som que faz a vigília todo o tempo
Nas entradas, tudo que é camuflado esta explícito
Todos uniformizados
Lá o aço também se faz presente em formato de fuzil
Do céu o som
Dos lados, a imagem do uniforme camuflado, o controle
Aqui dentro, uma só pressão
No peito, na garganta, nos olhos
E no estômago
As pessoas passam olhando para o chão, suas caras estampam a tristeza imposta
A rua que é sempre cheia, com as pessoas de roupas coloridas, está quase vazia
Pouco movimento
Não agüento mais esta máquina na minha cabeça
papapapapapapapa
A cidade Paraíso no seu antagonismo máximo
Contradições, desproporções, uma cadeia ao ar livre,
Contradição…
Os contra e os a favor
Uma garota me diz ao telefone
“Desculpa, ontem eu não fui à aula por causa da guerra”
Escuto e não acredito, aquilo parece um raio dentro de mim.
A guerra
É isto olha, escuta …….. papapapapapapapapa
Ele não para
Vigia este povo, esta gente com a pele escura
Esta gente quase nua, vigia, controla
A guerra,
É só isto
Aqui são 80 mil, e o espaço…. só um pedacinho de chão
assim ….o Paraíso
Paraisópolis
Todas as pessoas vigiadas, todas as lotações verificadas, cada sacolinha que a humilde senhora carrega tem que ser mostrada, as casas invadidas para averiguações
Humilhação
Por cima, pelos lados, controle, opressão
Debaixo está a pressão, vai explodir, vem explodindo,
E assim vem aquela força e os meninos vão
Seus atos são vândalos, mas o seu inconsciente não
Traz dentro de si o arquétipo do cabresto, a humilhação, a miséria de seu povo,
Lamentavelmente o seu grito é assim… visceral, irracional, é na paulada, tijolada,
Foram vândalos, marginais,
Os meninos sem escolas, nem estas de mentirinha que a gente conhece eles tem, destituídos de muitos direitos
A pressão cresce, e é também um sentimento mesclado, camuflado, que a gente não explica bem
Pressão crescente, desta vez de baixo para cima
Explode em pauladas, tijoladas, incêndios, caos
Atos vândalos
A cidade Paraíso esta em explosão
Razão?????
É a guerra tia
È a guerra….
papapapapapapapapapa
Poema-desabafo de Diane Padial, caminhante da Expedición Donde Miras que trabalha em Paraisópolis.