Posts Tagged ‘américa latina’

Donde Miras guarani

quinta-feira, julho 10th, 2008

Percorrer a América Latina a pé promovendo a cultura. Esse é o objetivo da Expedición Donde Miras, um grupo de mais de 50 pessoas envolvidas direta ou indiretamente com arte. A expedição partiu no dia quatro de julho de São Paulo no segundo trecho de sua caminhada cultural, de São Paulo a Cananéia, contornando o litoral sul paulista. A primeira etapa ocorreu em janeiro deste ano e foi desde São Paulo até Curitiba pelo interior.

Aldeia Tenonde Porã.

O ponto de partida da segunda etapa foi a aldeia guarani Tenonde Porã, situada no bairro paulistano Parelheiros. O aspecto, porém, é de cidadezinha do interior – nem vestígios do ar da metrópole.
O grupo foi recebido com biju, mandioca, milho e batata doce, e recebeu a proteção guarani no ritual na Casa de Reza, entre dança, cantos e fumaça.

Milho na brasa.

A trilha
No dia seguinte, integrantes da aldeia guiaram a expedição numa trilha no meio da mata até a aldeia guarani Rio Branco, a trinta quilômetros de distância. Foram doze horas de caminhada passando por ruas de chão batido, trilho de trem e a decida da Serra do Mar em plena Mata Atlântica.

Trilho do trem.

A noite caiu e a trilha não acabava. Um grupo encontrou outra aldeia guarani na qual a maioria dos habitantes não fala português. As crianças se divertiram com os numerosos viajantes, apesar de não se comunicarem no mesmo idioma. Os adultos se mostraram mais cautelosos, mas permitiram que se acendesse uma fogueira até a chegada dos retardatários.

Com todos reunidos novamente, era hora de atravessar o rio, último obstáculo para chegar ao próximo destino, a aldeia Rio Branco, já no município de Itanhaém. O rio estava baixo. Uma corda foi estendida de ponta a ponta e, sob a luz das lanternas, os caminhantes cruzaram as águas e, exaustos, chegaram à aldeia. Apesar do cansaço, um breve sarau foi realizado à noite.

Integrantes da expedição descendo a serra.

Muitas dores nos pés, pernas e coluna – menos para os guaranis. Eles descem a serra correndo, demonstrando imensa intimidade com a mata nativa. Contaram que, em ritmo acelerado, realizam o mesmo percurso em quatro horas, um terço do tempo que levamos.

Dois de nossos guias guaranis.

A trilha percorrida integra o Peabirú, caminho guarani que permitia a comunicação entre diversas aldeias desde o Atlântico até o Pacífico, e posteriormente foi utilizado pelos jesuítas e bandeirantes. O Peabirú parte de São Vicente e passa por Paraguai, Argentina, Bolívia e Peru.

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Viajeros – Amém

segunda-feira, junho 30th, 2008


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Igreja em Ypacaraí, Paraguai. Agosto de 2006.

 

Essa imagem faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Expedición Donde Miras

sexta-feira, junho 27th, 2008

Caminhar, conhecer e transformar. Esses são os objetivos da Expedición Donde Miras em sua Caminhada Cultural pela América Latina. A primeira etapa ocorreu em janeiro deste ano, partindo de São Paulo com destino a Curitiba. Foram percorridos mais de 500 quilômetros, com 20 cidades visitadas e 24 saraus realizados em praça pública.

Mais de trinta artistas participaram, compreendendo atores, cineastas, artistas plásticos, músicos, dançarinos, produtores culturais, poetas, educadores e fotógrafos. Em seus saraus realizaram diversas manifestações e oficinas – exibição de filmes, apresentações de música, dança e teatro, performances, exposições, recitais de poesia, lançamento de livros e possíveis manifestações espontâneas.

A segunda caravana partirá no dia cinco de julho do Bar do Binho, na zona sul de São Paulo. A primeira parada é a aldeia guarani Tenonde Porá e o trajeto passa por Santos, Peruíbe, Ilha Comprida, entre outras localidades, até chegar a Cananéia.

A próxima etapa da caminhada compõe-se de colunas que partem de cinco países diferentes para se encontrar em Assunção, capital paraguaia, e está em fase de captação de recursos.

Como surgiu
Binho e Serginho, poetas parceiros, sentiam imensa vontade de desbravar esse misterioso e selvagem continente chamado América Latina. Até aí tudo bem, nada demais. Mas por que a pé? Segundo Binho, para que se possa experimentar o máximo possível, sentir cada cheiro, “trocar experiências, ouvir, somar, vivenciar na carne e nos olhos o modo como esses outros povos vivem, se organizam, se manifestam, quais rituais congregam, o modo como ocupam e como convivem com a terra e as relações humanas decorrentes dessas formas”.

Parte dos recursos são obtidos através da venda do livro Dois poetas e um caminho, de autoria de Sérgio e Binho, junto com a venda de camisetas estilizadas e do apoio de parte dos municípios visitados. Qualquer contribuição é bem-vinda, assim como a participação de todos.

Blog da Expedición: www.expediciondondemiras.blogspot.com

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Viajeros – A lenda do ñanduti

quarta-feira, junho 25th, 2008

Baseado em um conto lido no Café Literário em Assunção, que por sua vez foi inspirado em uma lenda guarani.

Um jovem índio, apaixonado e desesperançado. Sua mãe lastima a dor de seu rebento. Ele crê que perdeu de vez a chance de passar a vida ao lado do seu amor.

A moça, demasiado bela, é cobiçada por vários rapazes. Uma anciã, com certa maldade, contou-lhe que outro fez à moça a mais linda oferenda – pulseiras e braceletes de um metal branco e brilhante, que segundo dizem, ganhou da própria lua, sua madrinha.

Em desespero, o jovem índio fugiu à floresta, queria esconder-se de seu medo, correr sua dor. Encontrou um tronco tombado, e ao tocá-lo, um lindo broto floresceu. Subiu sua vista e se defrontou com um esplendoroso tecido, delicado e brilhante.

O fogo se reascendeu em seu coração – essa seria a oferenda perfeita para sua amada, nada poderia ser mais belo! Mas nesse instante seu rival apareceu. Travou-se o combate pelo amor. A luta foi intensa. O corpo morto parecia deixar certo seu êxito. Ele estendeu sua mão para finalmente pegar sua oferenda, mas o caprichoso destino mostrou-se irredutível: o belo emaranhado de fios se desfez em baba, escorrendo por suas mãos.

O sofrimento jamais foi tão grande – não haveria outra oportunidade. Vagou entre árvores até acabarem suas forças. De volta à casa, caiu em doença; estava febril e falava coisas sem sentido. Sua mãe o acordou, foram à beira do rio. Ele contou tudo o que passara e ao final de sua história ela, com muita candura, disse-lhe: me leve lá. O jovem encontrou nova esperança no semblante de sua mãe.

Caminharam. Acharam o corpo, coberto por folhas e vermes. O tecido estava novamente lá. O índio, tomado pelo cansaço da noite anterior, dormiu sobre a relva. Sua mãe, mirando o tecido, agora ainda mais belo ao refletir a luz do sol, pegou suas linhas e foi tecendo, copiando o modelo.

Quando seu filho despertou, viu um lindo vestido nos braços de sua mãe – o mais lindo que pudera haver. Agora sua alegria era completa: teve certeza que seria feliz ao lado de sua adorada índia.

Hoje este artesanato é tradição guarani, símbolo da cultura paraguaia. O ñanduti se encontra nas feiras, ruas e casas de cultura. Ñandu é como os índios guaranis chamam a aranha; ñanduti, sua teia.

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Toalha em ñanduti

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Viajeros – Patriotismo Multinacional

quarta-feira, junho 25th, 2008


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Coca-cola desenhada em ñanduti, na Casa de Cultura da capital paraguaia.

 

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Viajeros – Ruínas e “progresso”

quinta-feira, junho 12th, 2008

Partimos de Assunção e fomos a Encarnación, na fronteira paraguaia com a Argentina. Uma pequena cidade, com sinais de “desenvolvimento”: supermercados, ruas pavimentadas e praças. As outras cidadezinhas eram mais roots – algumas abandonadas, outras com a graça e a paz interioranas. A riqueza de Encarnación vem em grande parte do agronegócio, subsidiado pelo governo. O município exporta trigo e soja.

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Perto de Encarnación se localizam as ruínas de uma antiga missão jesuítica. Lá as paredes só faltam falar. Provavelmente seriam histórias tristes de um povo que sofreu imposição cultural e religiosa, e depois de perder a “proteção” dos jesuítas foi escravizado pelos bandeirantes, aqueles “nobres desbravadores” dos quais ouvimos falar nas aulas de História.

Lindas imagens. Pedras corroídas pelo tempo e estátuas de santos já sem cabeças em contraste com o céu azul, sem uma nuvem sequer. Ruínas de todo um tempo, de toda uma história e de muito sofrimento. Mas afinal, os jesuítas cumpriram sua missão. É na América Latina que hoje se encontra o maior rebanho da Santa Madre Igreja Católica. Amém.


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Viajeros – Malabares

quinta-feira, junho 12th, 2008

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Thiago e seu malabares nas ruínas – Paraguai, agosto de 2006.

 

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Viajeros – Troca de pele

quarta-feira, junho 4th, 2008

É uma tarefa muito árdua a que me proponho: perceber e refletir culturas. A subjetividade da vida me surpreende, me assusta e, acima de tudo, me fascina. Como posso transmitir algo que só eu percebo? Como posso chamar meu ponto de vista de realidade? Quem sou eu para julgar, mesmo que nesse caso o julgamento tenha aspecto de análise?

Conhecer a dor, a luta e a força dos Sem-Terra já mudou a cor de meus olhos. Quem dirá um ano cruzando continentes?! Já fui muitas Micheles, ainda encarnarei muitas outras, até chegar a ser nenhuma. Queria apreender a alma do povo paraguaio, mas nem sei se tal coisa existe – fronteiras artificiais que separam os humanos são romantizadas e enaltecidas, mas no fim geram mais guerras que unidades.

Sei que quero conhecer pessoas, sentir o outro – quem sabe até ser o outro, descobrir terras nunca dantes desbravadas dentro de mim. Sei que há uma hegemonia parasita mundial. Acredito na união latino-americana para que tenhamos autonomia e possibilidade. Mas a revolução, aquela que sensibilizará a mesquinhez da Terra (ou terra) não se fará com armas. A verdadeira revolução se dará (ou, infelizmente, não) na consciência. As armas não acabam com o medo e o egoísmo. O auto e alter conhecimento, creio que sim.

Estou abrindo minha pele, expondo minhas entranhas – no meio de tantos questionamentos, esse é agora meu norte. Mas minha bússola é caprichosa (ou despretenciosa) e pode apontar sua seta para qualquer direção a qualquer momento.


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Viajeros – Pobre (e rico) Paraguai

domingo, maio 18th, 2008

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Hoje fomos a duas cidades próximas de Assunção, Areguá e Ypacaraí. Areguá é a capital do departamento central (os departamentos são equivalentes aos estados no Brasil), o mesmo ao qual pertence Assunção, a capital federal. Ironicamente não passa de uma vila, uma cidadezinha típica de interior, constituída por uma praça, uma igreja, a prefeitura e poucas ruas. Muito charmosa, é repleta de artesanato típico, construções pertencentes ao Patrimônio Histórico Cultural e uma gente muito receptiva.  Também estivemos em Ypacaraí.

Com poucas exceções, como Assunção e Cidade de Leste, os municípios paraguaios são pequenos e pouco “desenvolvidos”. Existem somente duas rodovias no país, e quase todas as cidades localizam-se às suas margens. Beirando Assunção, várias cidades compõem a região metropolitana. Todas residenciais, alimentam-se da capital. Uma delas é Lambaré, onde estamos hospedados na casa da Ali.

A divisão das classes sociais é nítida: pelo modo de vestir, agir e falar – em grande parte devido à influência do guarani. Nos colégios elitizados, os estudantes são repreendidos quando usam expressões em guarani. Os pertencentes às classes sociais mais baixas têm o guarani como língua-mãe, e mesmo quando aprendem o espanhol suas origens continuam aparentes. Eles são discriminados, não conseguem bons empregos. Nem mesmo podem ser telefonistas ou atendentes, porque não são considerados apresentáveis.

O espantoso é que grande parte da população não fala o espanhol, o que demonstra quão estreitas são as portas da ascensão social. Os únicos que têm chance são aqueles que, por sua aparência, passam por ricos e modernos. Mesmo aqueles que têm um bom nível econômico, mas moram no interior, ocupam posição subalterna na escala social. É uma questão de se saber portar – “ter classe”.

Aqui a corrupção é firmemente institucionalizada. O ex-ditador Stroessner morreu, mas a hegemonia de quatro décadas do Partido Colorado continua, assim como a concentração de renda, as situações precárias de educação e saúde, os problemas de infraestrutura e a ineficácia do governo. Infelizmente são essas as expectativas para os países latino-americanos. Um povo com uma cultura tão rica, marcado pela exploração histórica, que “sofre com os dentes cerrados”, como disse Eduardo Galeano – mas que, apesar de tudo, resiste. E a diversidade cultural, que em meio a tantas dificuldades persiste e floresce, é sintoma e resultado desse contínuo re-existir.

 

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Viajeros – Borboletas no estômago

terça-feira, maio 13th, 2008

Ontem estava lendo um livro no Express Café – o cara saiu de Curitiba para percorrer alguns países da América do Sul, e definiu bem esse sentimento pré-partida: borboletas no estômago.

Correria, dúvidas, procuração, saco de dormir, câmera digital e frutas secas para a viagem – detalhes que parecem infinitos, cronograma apertado nesses últimos dias no aconchego do lar.

No mais, estou indo embora…

 

Enfim, Assunción

Depois de meses de expectativa, em 13 de agosto de 2006 nos encontramos nessa cidade quente, que não sei porque me faz pensar no Brasil uns trinta anos atrás – engraçado, memória de um tempo que não vivi. Estou numa sorveteria, onde a Ali trabalha, inclusive aos domingos. Ela deixou o seu posto para nos buscar na rodoviária e cá estamos.

Consegui o contato da Ali com um amiga que mora em Floripa e é presidente de um comitê da AFS, uma organização que promove intercâmbios culturais; ela recebeu a Ali por alguns dias em sua casa. Assim é a rede que conecta os viajantes. Pelo pouco que já conversamos, pude ver que é uma pessoa muito hospitaleira e dedicada.

Graças a Deus enfiei as roupas de frio bem no fundo da mala. 37°C. Acho que vou tomar um sorvete.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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