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Viajeros – A lenda do ñanduti

quarta-feira, junho 25th, 2008

Baseado em um conto lido no Café Literário em Assunção, que por sua vez foi inspirado em uma lenda guarani.

Um jovem índio, apaixonado e desesperançado. Sua mãe lastima a dor de seu rebento. Ele crê que perdeu de vez a chance de passar a vida ao lado do seu amor.

A moça, demasiado bela, é cobiçada por vários rapazes. Uma anciã, com certa maldade, contou-lhe que outro fez à moça a mais linda oferenda – pulseiras e braceletes de um metal branco e brilhante, que segundo dizem, ganhou da própria lua, sua madrinha.

Em desespero, o jovem índio fugiu à floresta, queria esconder-se de seu medo, correr sua dor. Encontrou um tronco tombado, e ao tocá-lo, um lindo broto floresceu. Subiu sua vista e se defrontou com um esplendoroso tecido, delicado e brilhante.

O fogo se reascendeu em seu coração – essa seria a oferenda perfeita para sua amada, nada poderia ser mais belo! Mas nesse instante seu rival apareceu. Travou-se o combate pelo amor. A luta foi intensa. O corpo morto parecia deixar certo seu êxito. Ele estendeu sua mão para finalmente pegar sua oferenda, mas o caprichoso destino mostrou-se irredutível: o belo emaranhado de fios se desfez em baba, escorrendo por suas mãos.

O sofrimento jamais foi tão grande – não haveria outra oportunidade. Vagou entre árvores até acabarem suas forças. De volta à casa, caiu em doença; estava febril e falava coisas sem sentido. Sua mãe o acordou, foram à beira do rio. Ele contou tudo o que passara e ao final de sua história ela, com muita candura, disse-lhe: me leve lá. O jovem encontrou nova esperança no semblante de sua mãe.

Caminharam. Acharam o corpo, coberto por folhas e vermes. O tecido estava novamente lá. O índio, tomado pelo cansaço da noite anterior, dormiu sobre a relva. Sua mãe, mirando o tecido, agora ainda mais belo ao refletir a luz do sol, pegou suas linhas e foi tecendo, copiando o modelo.

Quando seu filho despertou, viu um lindo vestido nos braços de sua mãe – o mais lindo que pudera haver. Agora sua alegria era completa: teve certeza que seria feliz ao lado de sua adorada índia.

Hoje este artesanato é tradição guarani, símbolo da cultura paraguaia. O ñanduti se encontra nas feiras, ruas e casas de cultura. Ñandu é como os índios guaranis chamam a aranha; ñanduti, sua teia.

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Toalha em ñanduti

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Histórias fantásticas da Ilha do Mel

sexta-feira, maio 2nd, 2008


Fui à gruta e não encontrei as sereias, só o Peter Pan e seus amiguinhos

Nenê, nativo da ilha de 50 anos, me contou algumas histórias de antigamente. Sua vó era parteira, portanto acumulava grande parte do conhecimento da medicina popular. Ela morreu com mais de cem anos, estava lúcida e ainda trabalhava a terra. “Ela era desse tamanhinho, parecia uma criança, tinha os cabelos bem branquinhos e usava um chapéu de palha”, lembra Nenê. Ela lhe contou diversas histórias do tempo da carochinha. “Nessa época não tinha quase ninguém na ilha; hoje você anda por essas trilhas, sempre tem alguém por perto”, conta, “antes não, se andava sozinho por esses caminhos”.
A vó contava que viu as sereias na gruta das Encantadas. Diz a lenda que as sereias entoavam seu belo canto; os marinheiros que ouvissem perdiam o rumo de suas embarcações e se espatifavam na rocha. Segundo Nenê, sua mãe também viu a sereia, e outras pessoas na ilha afirmam ter visto esses seres fantásticos.
Outra história contada pela vó de Nenê é a de José Ricardo, que conhecia como ninguém a natureza da região. Quando alguém era picado por uma cobra, mandavam chamá-lo. José Ricardo dava três assobios e todas as cobras que estavam por perto apareciam à sua frente; ele apontava a malvada que deu a picada, mas sem matá-la. Benzia o ferimento, tirando o veneno, e a vítima sarava.
Se essas histórias são mesmo verdade, só quem viu pode falar. Hoje não existe mais nada disso. José Ricardo morreu e agora tem posto de saúde, ninguém precisa mais conhecer a natureza. As sereias devem ter sido levadas para algum circo em Hong Kong, onde fazem estripulias num aquário gigante.

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