Peguei esse livro, que aglutina Metal Rosicler e Solombra, para ler na casa da minha mãe. Me atravessou. Tive que copiar alguns trechos. Cecília Meireles, saravá.
METAL ROSICLER
28
Sob os verdes trevos que a tarde
rossia com o mais leve aljofre,
tonta, a borboleta procura
uma posição para a morte.
Oh! de que morre? Por que morre?
De nada. Termina. Esvaece.
Retorna a outras mobilidades,
recompõe-se em íris celestes.
Nos verdes trevos, pousa, cega,
à procura de um brando leito.
Altos homens… Árvores altas…
Igrejas… Nuvens… Pensamento…
Não… Tudo extremamente longe!
O mundo não diz nada à vida
que sozinha oscila nos trevos,
embalando a própria agonia.
Que diáfana seda, que sonho,
que aérea túnica tão fina,
que invisível desenho esparso
de outro casulo agora fia?
Secreto momento inviolado
que ao tempo, sem queixa, devolve
as asas tênues, tão pesadas
no rarefeito céu da morte!
Sob os verdes trevos que a noite
no chão silenciosa dissipa,
jaz a frágil carta sem dono:
– escrita? lida? – Restituída.
32
Parecia que ia morrendo
sufocada.
Mas logo de seu peito vinha
uma trêmula cascata,
que aumentava, que aumentava
com borboletas de espuma
e fogo e prata.
Parecia que ia morrendo
de loucura.
Mas logo rápida movia
não sei que vaga porta escura
e, mais tênue que o sol e a lua,
passava entre fitas e rosas
sua figura.
Parecia que ia morrendo
em segredo.
Mas uma rumorosa vida
rugia mais que oceano ou vento
nas suas mãos em movimento.
Agarrava o tempo e o destino
com um ágil dedo.
Parecia que ia morrendo
e revivia.
E girava saias imensas,
maiores do que a noite e o dia.
Rouca, delirante, aguerrida,
pisando a morte e os maus agouros,
“olé!” – dizia.
36
Não temos bens, não temos terra
e não vemos nenhum parente.
Os amigos já estão na morte
e o resto é incerto e indiferente.
Entre vozes contraditórias,
chama-se Deus onipotente:
Deus respondia, no passado,
mas não responde, no presente.
Por que esperança ou que cegueira
damos um passo para a frente?
Desarmados de corpo e de alma,
vivendo do que a dor consente,
sonhamos falar – não falamos;
sonhamos sentir – ninguém sente;
sonhamos viver – mas o mundo
desaba inopinadamente.
E marchamos sobre o horizonte:
cinzas no oriente e no ocidente;
e nem chegada nem retorno
para a imensa turba inconsciente.
A vida apenas à nossa alma
brada este aviso imenso e urgente?
Sonhamos ser. Mas ai, quem somos,
entre esta alucinada gente?
SOLOMBRA
Eu sou essa pessoa que o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquina de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza.
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
iá de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento, em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
“Agora és livre, se ainda recordas.”