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Conversa com Aleida Guevara

quarta-feira, agosto 31st, 2011

Mulher, cubana, comunista. A filha de Ernesto “Che” Guevara seguiu a formação em medicina do pai e tornou-se pediatra. Aleida Guevara esteve na 10ª Jornada de Agroecologia, em Londrina, para contar sobre os êxitos e desafios da Revolução Cubana, assim como da necessidade de uma relação mais solidária entre os países latino americanos.

Confira abaixo a íntegra da entrevista concedida à equipe de comunicação do MST e à comunicação compartilhada da Jornada.

Transcrição: Michele Torinelli


Aleida Guevara na 10ª Jornada de Agroecologia. Imagem: Joka Madruga.

Agroecologia em Cuba

Só produzíamos açúcar, grandes quantidades de açúcar. Isso teve como consequência o desgaste de grandes extensões de terra em Cuba. Por sorte, nos demos conta a tempo. Diminuímos o uso de terras para plantar cana e consideramos que o açúcar em si não era tão importante: eram muito melhores os derivados do açúcar. Começamos a pensar como a cana de açúcar poderia ocupar menos espaço e produzir mais, com melhor qualidade, como resolver os problemas – 1º: cuidar dessa terra; 2º: buscar plantações que possam recuperar as terras esgotadas pelo monocultivo de cana; 3º: fazer rotatividade de cultivos, para que a terra se reestabeleça e mantenha sua fertilidade.

Foi um processo difícil, perdemos o primeiro lugar entre os produtores de açúcar do mundo, mas recuperamos nossa terra. Hoje Cuba produz açúcar, não tanto, mas em melhor qualidade, produz muitos outros produtos, e estamos preocupados em melhorar a produção dos pequenos agricultores. Havia franjas de terra do Estado, entre terras de pequenos agricultores, que não estavam sendo utilizadas: foram redistribuídas. Estamos ampliando a agricultura que respeita a terra. Utilizávamos muitos químicos também, era moda. Com a desaparição do campo socialista europeu, não tínhamos mais petróleo, portanto as máquinas agrícolas não podiam mais ser usadas. Sorte que não nos faltaram alternativas – nos demos conta que somente plantando pequenos cultivos rodeados de outros que os protegessem podíamos dispensar os químicos, que acabavam com a terra. Isso ajudou a recuperar o solo, melhorou a produção, a quantidade e a qualidade dos produtos.

Ainda falta, ainda é necessário recuperar terras em Cuba. A colonização acabou com nossos bosques, a Espanha nunca nos pagou um centavo por toda a madeira roubada, e nem vão pagar. Quando fui a Portugal, na biblioteca de uma das melhores universidades do mundo, me disseram que não precisam de químicos para proteger seus livros, porque as estantes são feitas com madeira muito especial, preciosa. E de onde pegaram essa madeira? Do Brasil! E quando vão pagar ao Brasil? Nunca! Não queremos dinheiro, queremos respeito. Queremos que comecem a negociar com nossos produtos com respeito, pagando-nos o que realmente valem. Isso que queremos e vamos conseguir, pouco a pouco.

Há muito o que aprender com o campesinato. E com as populações autóctones também. Cuba não tem essa sorte – praticamente toda a população originária foi massacrada. Mas o Brasil tem, a Bolívia tem, Equador, Venezuela. Agora, com essa unidade latino americana, a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), estamos aprendendo mais sobre nossas raízes culturais – a proteger melhor a terra, por exemplo. Quando se tira da terra uma cebola, a que horas? Os quéchuas tiram a cebola da terra entre as 4h e as 6h da manhã, porque nesse horário o sol ainda não incide sobre a terra e a cebola guarda suas substâncias – a cebola é muito rica em vitamina C. Temos que aprender a respeitar a terra, os cultivos, para saber quando podemos tirar o melhor para o ser humano respeitando a terra. Essas coisas podemos aprender do nosso passado, com nossos povos autóctones, usando a tecnologia, as novas técnicas, mas respeitando aqueles que souberam utilizar nossa terra durante séculos.

Mas às vezes é difícil convencer os campesinos, porque por muito tempo eles foram ensinados de outra forma, foram pressionados por transnacionais para produzir de determinada maneira. E agora se está dizendo “não, é melhor de outra forma”. É necessário convencê-los, e nunca se convence a uma gente impondo algo, mas mostrando como se faz melhor. Isso leva tempo.

Contribuição do MST e da Via Campesina na construção do socialismo na América Latina (mais…)

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Saramago, Lis.boa e a “Europa”

terça-feira, agosto 30th, 2011

Tá, vou continuar a contar a história dessa viagem. É minha terapia, no mínimo. E algo me diz que eu só vou conseguir pintar um quadro do que vivi na minha cabeça depois que eu contar essa saga todinha.

Então senta que lá vem história.

Depois de nossa memorável viagem de carnaval, passei alguns dias em Lisboa na casa da Roberta. Li Levantado do Chão, do Saramago, e me toquei que toda essa luta portuguesa, a esperança contra a opressão do latifúndio, é irmã da que existe no Brasil. Nem tão impecável é a história da Europa… Aliás, nem um pouco. E é tudo tão recente. A ditadura de Salazar foi até 1974!  Tivemos duas guerras mundias sobre suas terras, totalitarismos, intolerâncias, perseguições. Isso sem falar nos séculos anteriores. Como podemos ter essa miragem de estabilidade da Europa?

Há muitos problemas que são problemas da humanidade toda. Como esse: “Emprestam-te uma espingarda, mas nunca te disseram que a apontastes ao latifúndio, toda tua instrução de mira e fogo está virada contra o teu lado, é para o teu próprio e enganado coração que olha o buraco do cano da tua arma, não percebes nada do que fazes e um dia dão-te voz de atirar, e matas-te”. Assim conta Saramago. Não é igual por toda parte? (mais…)

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Primeiras palavras desde Europa

sexta-feira, março 18th, 2011

Já se passaram mais de 45 dias de viagem – Fórum Social Mundial em Dakar, depois España e agora Portugal, e até então não escrevi aqui. Primeiras letrinhas tão difíceis de sair. São imagens, situações, diálogos, transformações. Pedaçinhos de vida que teimo em conectar com palavras. Relembrar e inventar, eis o que nos resta. Damos a isso o nome de memórias.

No Senegal, território ao extremo oeste da grande Mama África, contribuí com textos e fotos para a Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada, na tentativa de transmitir um pouco do Fórum Social Mundial 2011 e da cultura senegalesa e africana. Lá passei 15 intensos dias, de choque cultural, aprendizado, construção coletiva e, de certa forma, retorno às raízes. África triste e linda, tão forte e tão pobrinha!

Meu voo Senegal-Brasil fazia escala em Madri. Aproveitei essa oportunidade para conhecer o velho continente, vontade tão antiga que já tinha ficado de lado – a paixão latino-americana teve (e tem) prioridade. Contudo todavia entretanto… queria ver como é essa terra, colocada como modelo a ser seguido, desenvolvimento a ser atingido; de onde saiu a versão oficial da história, de onde saíram nossos colonizadores e correntes culturais e filosóficas até hoje influentes em terras tupiniquins (como em todo o mundo).

E nem só de interesses sociais-antropológicos vive esse meu coração. Por motivos afetivos também cá estou, visitando amigos que se lançaram a esse outro pedaço de mundo, em busca de novos ares, conhecimento, evolução e oportunidades. E ainda por questões curiosísticas e turísticas, pois. Conhecer é preciso, e prazeiroso.

España de mi vida


Frio e tranquilidade no Parque del Retiro, Madrid

Cheguei em Madrid com meu amigo Marco Amarelo, companheiro de Ciranda e Senegal, irmão soyloquiano. Ficamos na casa de Pablo, que alguns anos antes havia passado mais de mês na República Socialista Soylocoporti, onde moravam alguns companheiros de coletivo em Curitiba. Já de cara Pablo nos contou um pouco da conjuntura política da Espanha, da situação dos imigrantes, dessa guinada à direita na Europa, e até voltamos um pouco no tempo – a ebulição anarco-socialista-comunista e a Guerra Civil Espanhola na década de 30, a confusão pós-Franco e essa estranha monarquia de rei simbólico.

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Nuestra Señora de la Rebeldía

quarta-feira, setembro 29th, 2010

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“Nuestra Señora de la Rebeldía” é um desafio que se aventura a recuperar historicamente a saga das insurreições populares a partir do convencimento de que os mitos e símbolos ancestrais podem contribuir a nutrir um imaginário coletivo reatualizado no presente, que tome corpo nas distintas formas de unidade e solidariedade que se desdobram na luta cotidiana contra as distintas máscaras que a ordem dominante adquire. A busca insistente por uma imagem dialética que possa nos aproximar de um processo de rebeldia resulta na criação desta imagem-manifesto como uma proposta de reflexão acerca da continuidade de uma resistência sustentada ao longo de séculos de conquista, colonização e saque.

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Por uma sociedade mais feminina

domingo, maio 23rd, 2010

Michele Torinelli

de Francisco Beltrãoimg_4504

Seminário da Jornada de Agroecologia aborda questão de gênero

“Resistência não significa resistir ao que é novo. Resistência é permanecer com aquilo que é do nosso bem-viver, que nos garante a liberdade de vida”. Foi assim que Luciana Piovezan, coordenadora nacional do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), iniciou o seminário de gênero, uma entre as mais de quarenta atividades realizadas sexta-feira (21) na 9 ª Jornada de Agroecologia.

A partir de exemplos históricos da resistência feminina – Juçara, indígena que sobreviveu ao massacre do povo guarani no Rio Grande do Sul em 1729, e Aqualtune, princesa e guerreira africana que foi vendida como escrava para o Brasil e participou da fundação do quilombo dos Palmares – a coordenadora fez um balanço do processo histórico do patriarcado e da repressão da mulher.

Luciana explicou que grande parte das mulheres é responsável pela manutenção do cotidiano, da segurança e da soberania alimentar dos lares, dando sustentação à vida produtiva da sociedade. “70% desse trabalho, não remunerado, passa pela mão das mulheres”, indica. Na época da fundação, ao discutir qual nome assumiria, o MMC concluiu que o alimento é o que conecta as mulheres desde o sul ao norte do país, seja na etapa de cultivo ou preparo. Percebeu-se assim a profunda relação feminina com a agricultura, o alimento e a manutenção da família. “Entretanto, o trabalho da mulher é invisibilizado”, alerta.

Experiência agroecológica

Manoela Pereira, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e do Movimento dos Pequenos Agricultores, compartilhou sua experiência organizativa. “Há oito anos, mulheres da Via Campesina promovem um grande encontro no Dia Internacional da Mulher na região central do Paraná, de forma autônoma e itinerante”, conta Manoela.

Ela participa da Ceagro, escola de agroecologia e centro de desenvolvimento sustentável da região, onde mulheres atuam com plantas medicinais, produção agroecológica e comercialização de produtos. “Há necessidade de organizar cada vez mais os trabalhos e as iniciativas já presentes”, conclui.

Solidariedade e luta

A coordenadora do MMC apontou que a solidariedade, tão presente nas práticas femininas, é uma importante faceta do projeto de mudança social. “Ao sermos solidários, estamos indo contra um dos principais pilares do capitalismo: o individualismo”, acredita. De acordo com Luciana, o capitalismo não permite que a diversidade prevaleça – como ocorre nas práticas de monocultura – e gera a dominação, como a que se dá entre o homem e a mulher.

“Nós todos estarmos aqui em Francisco Beltrão, as mulheres estarem aqui, é um ato de resistência”, enfatizou Luciana. O MMC está articulado nacionalmente há cinco anos, e atua na construção de um projeto de agricultura camponesa ecológico, fundamentado na defesa da vida, na mudança das relações humanas e sociais e na conquista de direitos.

[…]

As mulheres organizadas
De fato representam perigo
Ainda mais quando o inimigo
É provocador e algoz
Por mais que seja feroz
Elas o esmagaram à mão.

Qual fúria de um furacão
Fizeram ouvir sua voz.
O que era gigante tombou
O que era valente não veio
O bicho era tão feio
Soltou bramidos de dor
E elas mostraram que o amor
À vida está acima de tudo
Mostraram elas pro mundo
O que se faz com o opressor!!!

Seu moço, eu nem sabia que sabia, de Isaura Isabel Conte

Poema inspirado na ocupação da Aracruz Celulose em 8 de março de 2006 – cerca de 2 mil mulheres da Via Campesina tomaram a fábrica com o objetivo de denunciar os estragos sociais e ambientais causados pelo monocultivo de eucaliptos.

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Confecom: sociedade civil de mãos atadas

terça-feira, dezembro 15th, 2009
Representantes do poder público e do empresariado na abertura da Confecom

Representantes do poder público e do empresariado na abertura da Confecom

Pela primeira vez no nosso país, uma conferência na área da comunicação está sendo realizada. Reivindicada veementemente por movimentos sociais e entidades que atuam na luta pela democratização da comunicação, a Confecom é uma conquista histórica. Mas até que ponto podemos legitimar um processo amarrado, no qual o segmento empresarial chantageia e impõe suas demandas? Quais são as alternativas para a sociedade civil nesse cenário?

Nos bastidores do primeiro dia da Confecom, 14 de dezembro, um novo golpe se desferiu. O governo nacional mais uma vez demonstrou sua opção de não enfrentar o poder dos oligopólios da comunicação. Cansada de ceder, e vendo a finalidade da conferência ameaçada, a sociedade civil precisou definir sua estratégia: tensionar ou buscar avanços específicos dentro dessa conjuntura limitada.


O processo: embates na Comissão Organizadora

Três meses após o presidente Lula ter anunciado a convocação da I Confecom em janeiro deste ano no Fórum Social Mundial, compôs-se a Comissão Organizadora Nacional (CON) da conferência. Desde o início, o poder empresarial manteve sua postura histórica, impondo seus interesses corporativos. Após a chantagem exercida por esse setor, e do abandono da conferência por diversas entidades empresariais, a vontade dos dois únicos representantes remanescentes desse segmento prevaleceu: a composição de poder de decisão e número de delegados de 40% para a sociedade civil, 40% para o setor empresarial e 20% para o poder público, tanto na CON como na conferência em si. Isso significa que o empresariado recebeu o mesmo peso que toda a sociedade civil, cujos anseios deveriam ser a motivação e o objetivo das políticas públicas. Mas, ao menos nessas terras, historicamente não é assim que acontece.

Dessa maneira, o poder público, apesar de ser minoria nessa divisão do poder de decisão, é o ponto chave para definir quais dos dois outros segmentos prevalece. E, apesar de haver de fato convocado a conferência, demonstra claramente não optar por enfrentar os abusos de poder e a falta de regulamentação e fiscalização no setor das comunicações. Basta observar os fatos para percebê-lo.


AI – 8: precarização do processo democrático

Às vésperas das conferências estaduais, anteriores à etapa nacional, os empresários exigiram a implementação da resolução 8, apelidada de “AI -8” por entidades da sociedade civil. Tal medida definiu mudanças já nos estados: a extinção da votação de propostas nas plenárias finais, que resultou no encaminhamento direto de todas as propostas estaduais diretamente para a etapa nacional sem passar por debate, e a implementação de um processo peculiar – as questões polêmicas passaram a ser consideradas “tema sensível” e necessitam de quórum qualificado (60% + 1 do total de votos) para serem aprovadas. Essa resolução foi apresentada como premissa para a continuação da Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA) e da Telebrasil – Associação Brasileira de Telecomunicações no processo, as únicas representantes do empresariado na CON.

Na prática, a resolução definiu que para encaminhar propostas para a etapa nacional não era mais preciso construir coletivamente – valoriza-se a vontade individual em detrimento da construção colaborativa. Implica também no impedimento prático de avanços que não interessam ao segmento empresarial: mesmo com o consenso da sociedade civil e do poder público, ainda seria necessário um voto do outro setor para validar as propostas “polêmicas”. Entre elas estão o direito de antena às rádios comunitárias, o controle social de conteúdo, a universalização da banda larga estatal e gratuita e a regulamentação do artigo 221 da constituição que estabelece cotas para a produção regional e independente e limita a publicidade na programação.

Os representantes da sociedade civil na Comissão Organizadora argumentam que os acordos foram necessários para garantir a conferência, que só teria legitimidade com a participação dos três segmentos. Já o governo nacional cede às pressões empresarias e age como interlocutor na defesa desses interesses com a sociedade civil.

O último (ou mais recente) golpe

Enquanto todos esperavam a abertura oficial da Confecom, que iniciou com mais de duas horas de atraso, uma reunião da CON se dava nos bastidores. Aos 45 minutos do segundo tempo, a ABRA ameaçou se retirar do processo novamente. Como preço para sua permanência, exigiu a extensão de “tema sensível” aos Grupos de Trabalho, sendo que anteriormente estava previsto somente para a plenária final.

Pela manhã, tal medida já havia sido votada e o intento da ABRA derrotado. Mesmo assim, uma nova reunião foi convocada para discutir o mesmo tema. Com o poder público pressionando para que a proposta empresarial fosse aceita, a sociedade civil teve que reagir ao imprevisto. A única saída seria classificar essa reivindicação como “tema sensível” que, por tanto, precisaria ser aprovada com quórum qualificado, que exige voto de todos os segmentos, o que inviabilizaria sua aprovação se o campo popular estivesse unificado. Contudo, entidades da própria sociedade civil votaram contra: a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e a Associação Brasileira dos Canais Comunitários (ABCCOM). Como a votação se deu por maioria simples, a ABRA consolidou sua intenção.

Plenária da sociedade civil

Plenária da sociedade civil

Ao término da cerimônia de abertura, a sociedade civil reuniu-se em plenária para expor o ocorrido e tentar apontar caminhos. Rosane Bertotti, secretária nacional de comunicação da CUT, defendeu a postura da entidade. “Muitas reuniões foram feitas, houve bastante negociação para que a Confecom acontecesse. Fizemos as concessões com responsabilidade política, e se não tivéssemos feito isso hoje nós teríamos implodido a conferência”, argumentou.

Contudo, outras entidades da CON não concordaram com a estratégia adotada. “Se querem nos calar no grito, no golpe, na rasteira, nós temos que dizer não”, apontou Lurdinha Rodrigues, da Rede Mulher e Mídia. A reunião foi tensa, e diversas entidades se manifestaram. Bia Barbosa, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, defendeu que “a sociedade civil tem que se unir para derrubar esse quórum sensível nos GTs, porque essa medida impedirá que aprovemos as propostas construídas até agora”.

A sociedade civil terminou o primeiro dia da Confecom com muitas incertezas e tendo na pauta do dia seguinte a aprovação do regulamento interno e o início dos trabalhos nos grupos. Vale destacar que apesar da postura dos representantes do poder público na CON, há diversos setores desse segmento abertos ao diálogo progressista. Também entre os empresários encontram-se companheiros de veículos alternativos dispostos a construir avanços. Em meio ao caos, existem possíveis caminhos – o risco está sempre presente, mas o êxito depende de um tênue equilíbrio entre coerência e articulação. Há de se roer a corda.

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Unidade do campo popular na Conferência Estadual de Comunicação

segunda-feira, novembro 16th, 2009

Sociedade civil demonstrou coesão e unificou suas pautas na Confecom – PR

Após treze etapas preparatórias ao redor do estado, a Conferência Estadual de Comunicação (Confecom – PR) realizou-se de 6 a 8 de novembro no Canal da Música, em Curitiba. Foram três dias de conferência, cerca de 800 inscritos, seis grupos de trabalho, 81 delegados eleitos e mais de 170 propostas enviadas para a etapa nacional.

Rachel Bragatto representou a CPC - PR na mesa de abertura da Confecom - PR.

Rachel Bragatto representou a CPC - PR na mesa de abertura da Confecom - PR.

“As etapas livres, organizadas pelo campo popular, foram fundamentais para que obtivéssemos formação, coesão e envolvimento de diversas regiões, o que possibilitou que a Confecom – PR estivesse tão mobilizada”, destacou Rachel Bragatto, integrante da Comissão Paranaense Pró-Conferência de Comunicação (CPC – PR) e do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. As propostas das conferências municipais e regionais foram sistematizadas para a etapa estadual e serviram de base para a discussão nos grupos de trabalho.

A Confecom – PR foi uma das primeiras etapas estaduais a serem convocadas. “O Governo entendeu desde o início, que a etapa estadual deveria ser consistente para que pudéssemos, em Brasília, não apenas representar o Estado, mas representar um pensamento, uma posição, e acredito que tenhamos atingido esse objetivo”, afirmou o secretário de Estado da Comunicação, Benedito Pires. “Daqui estão saindo propostas que farão avançar a abertura dos meios de comunicação ao povo brasileiro”, disse.

Participantes promoveram debate na Confecom-PR.

Participantes promoveram debate na Confecom-PR.

Já o cenário nacional é diverso. João Paulo Mehl, representante do Coletivo Soylocoporti e membro da CPC-PR, ressaltou que “esta conferência não foi um processo simples, sofremos muita pressão e chantagem por parte dos representantes dos monopólios da comunicação. Muita concessão foi feita para que o processo continuasse e este debate se tornasse público”. A etapa nacional da Confecom acontecerá de 14 a 17 de dezembro em Brasília.

Representação da sociedade civil na I Conferência Nacional de Comunicação

Dos 81 delegados que irão para a etapa nacional, 36 são representantes da sociedade civil. A eleição se deu por chapa, formada por consenso entre os participantes. A composição seguiu os critérios de participação no processo de conferência e representatividade regional, étnica e de gênero.

Segundo João Paulo Mehl, “os mais de 800 participantes deixaram claro que este não é um debate apenas para especialistas: o povo quer discutir comunicação como direito humano, e para isto nós vamos pressionar. Iremos a Brasília com nossas bandeiras na mão, lutar para que a comunicação seja efetivamente um direito de todos e todas”.

Saiba mais sobre a Confecom – PR aqui

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Estréia do curta Rua José Cadilhe – 31/10 – Cinemateca

quarta-feira, outubro 28th, 2009

Aparentemente, uma rua qualquer… Porém, cuidado: não tem saída.

Estréia, no dia das bruxas e do saci, o curta Rua José Cadilhe, uma produção legitimamente curitibana. Após, festa de lançamento no Blues Velvet, com exposição de fotos desta que vos escreve. Abaixo, tudo o que precisais saber para entrar nesse universo.

webflyerjoseca

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Semana de cultura americana – 06 a 12/10

terça-feira, outubro 6th, 2009

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Nesta semana Curitiba se vê mais latina, por debaixo da grossa camada de pó europeu. A 1ª Semana Americana de Solidariedade com os Povos – Homenagem aos Poetas da América começou na terça e termina com festa no feriado. Na programação estão palestras, exposições, música, oficinas de teatro, mosaico, apresentação de danças típicas de povos da América e exibição de filmes.

Entre os convidados especiais estão Thiago de Mello, Aleida Guevara e Leonardo Boff.

PROGRAMA:

SEMANA AMERICANA DE SOLIEDARIDADE COM OS POVOS – HOMENAGEM AOS POETAS DA AMÉRICA

06 DE OUTUBRO:
– 14 h – BIBLIOTECA PÚBLICA – Abertura da exposição de cartazes sobre cinema e apresentação de filmes com debate. Filme: “El fraude” (México). Apresentador: Jorge Hernández
– 18:30 h – CANAL DA MÚSICA – ABERTURA OFICIAL,com coquetel e programação a seguir:
* Lançamento da exposição de mosaicos: “Poetas da América”, por Javier Guerrero e equipe;
* Lançamento do livro com fotografias dos retratos em mosaico e suas biografias, assim como um poema de cada um deles, em versão bilíngüe (português/ espanhol). Os textos biográficos serão de Pedro Carrano com tradução para o espanhol por Fátima Caballero. Os quadros em mosaico serão fotografados por Elisandro Dalcin.
* Mesa redonda, com os poetas THIAGO DE MELLO e o ROBERTO FERNÁNDEZ RETAMAR (presidente da Casa das Américas de Cuba) – Tema: “A poesia na resistência dos povos e como expressão da solidariedade”
* Leitura dramática do poema Estatutos do Homem de Thiago de Mello a ser realizada pelos grupos de teatro Nuspartus e Atormente.
* Apresentações de dança cubana.

• 07 DE OUTUBRO:
– Das 09 às 12 h – CENTRO CHE – Oficina de mosaico, com Javier Guerrero (vagas limitadas – informações: Centro Che f: 3024-0611);
– Das 14 às 17 h – CENTRO CHE – Oficina de teatro, com o cubano Atílio Caballero (vagas limitadas – informações: Centro Che f: 3024-0611);
– 14 h – BIBLIOTECA PÚBLICA – Apresentação de documentários chilenos. Apresentadora: Ximena.
– 18:30 h – CANAL DA MÚSICA
* Mesa redonda, com JANICE THIEL (PUC-PR), REGINA M. PRZYBYCIEN (UFPR) e MARIA LÚCIA MILLÉO MARTINS (UFSC) – Tema: “A solidariedade dos povos dos EUA e do Canadá, expressa através da obra poética.”
* Dramatização poética, com o ator LUIZ REIKDAL

• 08 DE OUTUBRO:
– Das 09 às 12 h – CENTRO CHE – Oficina de mosaico, com Javier Guerrero;
– 13 h – BOCA MALDITA – Ato Público em memória a Che Guevara;
– Das 14 às 17 h – CENTRO CHE – Oficina de teatro, com o cubano Atílio Caballero;
– 14 h – BIBLIOTECA PÚBLICA – Apresentação do filme “Che”. Apresentadora: Rosa Rorbira.
– 18:30 h – CANAL DA MÚSICA
* Mesa redonda, com ALEIDA GUEVARA, TADEU VENERI (Dep.Estadual) e ROBERTO BAGGIO (MST) – Tema: “Homenagem a Che Guevara”.
* Grande Show Musical em homenagem a Che Guevara, com:
– VICENTE FELIÚ (Cuba)
– DANTE RAMON LEDESMA (Argentina)
– Grupo VIENTO SUR (Curitiba)

• 09 DE OUTUBRO:
– Das 14 às 17 h – CENTRO CHE – Oficina de teatro, com o cubano Atílio Caballero;
– 14 h – BIBLIOTECA PÚBLICA – Apresentação de um documentário sobre torturados em Curitiba durante a ditadura. Apresentador: a definir.
– 18:30 h – CANAL DA MÚSICA
* Palestra, com CLÁUDIO RIBEIRO (Advogado) – Tema: “A poética da luta armada nos anos 60”.
* Apresentações de Danças – Paraguaia e Peruana

• 10 DE OUTUBRO:
– 15 h – CANAL DA MÚSICA
* 1ª Mesa redonda, com CARLOS TREJO SOSA (cônsul de Cuba), RENATO SIMÕES (PT) e representantes dos consulados da Bolívia, Equador e Venezuela – Tema: “A política solidária entre os povos americanos”.
– 17 h – CANAL DA MÚSICA – Apresentação de Dança.
– 17:30 h – CANAL DA MÚSICA
* 2ª Mesa redonda, com LEONARDO BOFF (teólogo), RAIMUNDO CARUSO e MARILÉA LEAL CARUSO (escritores) – Tema: “A Identidade Solidária da América”.
– 20 h – AUDITÓRIO DO MUSEU OSCAR NIEMEYER – Apresentação de teatro: “La octava puerta” pelo grupo El Caballero (Cuba).
– 22 hs – CALAMENGAU (Soc. Vasco da Gama) – FESTA DA SOLIDARIEDADE, com a banda El Merecumbê.

• 11 DE OUTUBRO:
– Das 09 às 12 h – CANAL DA MÚSICA – Seminário com 3 mesas temáticas:
* MESA 1 – “A irmandade entre os povos e a contribuição à solidariedade”, coordenado pelo grupo de estudantes cubanos que vivem no Brasil.
* MESA 2 – “Situação política e econômica latino-americana”, coordenada por Roberta Traspadini (Consulta Popular).
* MESA 3 – “O papel da cultura na libertação dos povos”, coordenada por EVELAINE MARINES (Via Campesina)
– Das 14 às 15:30 – CANAL DA MÚSICA – continuidade ao seminário.
– 16:30 h – CANAL DA MÚSICA – PLENÁRIA de conclusão do seminário, com as conclusões das 3 mesas de trabalho.

• 12 DE OUTUBRO:
– A partir das 09 h – BOSQUE SÃO CRISTÓVÃO (Sta. Felicidade) – 7ª Festa Latino-Americana, promovida pela Pastoral do Imigrante e pela AILAC (Associação de Latinos em Curitiba)
* 09 h – Missa
* 12 h – Degustação de comidas típicas
* 14 h – Apresentação de danças e conjuntos musicais

Organizadores do evento:
Associação cultural José Martí PR- Cuba
Centro de Estudos Che Guevara
Grupo OLLA – Ousadia e Liberdade Latino-americana
AILAC – Associação de Latinos em Curitiba
Pastoral do Imigrante.
Via Campesina
Biblioteca Pública do Estado do Paraná

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A cidade vazia

domingo, outubro 4th, 2009

Um espirro. Marcelo, constrangido, tira o lenço do bolso e assoa o nariz. A senhora ao lado, um pouco temerosa, mas muito arraigada aos costumes, põe a máscara de lado e lhe deseja saúde. Uma mulher, com uma criança dormindo ao colo, puxa seu filho mais velho bruscamente pelo braço, enquanto o homem guarda o lenço. O menino faz um pouco de manha, mas resigna-se. Ninguém ousa cruzar olhares.

A enfermeira entra na imensa recepção e chama dez nomes, pelo sistema de som, seguindo a lista que tem nas mãos. Marcelo levanta-se, junto com os outros – são conduzidos pelos corredores assépticos do hospital. Ele não quer ir. Sente-se um covarde. Ele sabe que não deveria estar ali, ninguém deveria estar ali.

Ouvem-se somente passos, que ecoam pelas paredes lisas. O barulho da borracha das solas em atrito com o piso aumenta o desconforto. Param em frente ao “Centro de Vacinação”: as portas se abrem. A enfermeira aciona o projetor 3D, que executa uma didática apresentação sobre os possíveis efeitos devastadores da gripe láctea, um vírus mutante que ameaça a estabilidade social. Números atrás de números são apresentados – dados de atingidos e mortos pela doença, seguidos de previsões catastróficas. “É dever de todo cidadão prevenir-se”, conclui o informe virtual.

Os pacientes são convocados a alinhar-se no balcão de vacinação. Um ao lado do outro, eles seguem as instruções e inclinam seus braços sobre o sinalizador. Marcelo desvia o olhar – ele nunca gostou de injeções. Levanta a vista para o teto para não ter que olhar a agulha; alguma coisa chama sua atenção, na extremidade da sala. Checa os cantos – tudo monitorado. A “imprensa b” fala em terrorismo de Estado, sob pseudônimos, protegendo-se do que chama de “caça aos esclarecidos”. Fontes atestam que a vacina é altamente prejudicial e sua distribuição segue interesses da indústria farmacêutica, outras afirmam que tal política de saúde faz parte de um programa mundial de rastreamento liderado pela CIA. Dizem que tal vírus surgiu das péssimas condições de criação de vacas leiteiras e da negligência no tratamento de seus excrementos. Mas a mídia de massa, que atinge cada celplayer do mundo inteiro, não discute causas, nem pesa polêmicas. O pânico gerado se alastra, derrubando qualquer ameaça de reflexão.

A enfermeira responsável pela vacinação inicia o procedimento. Após a esterilização, as dez injeções, alinhadas no mesmo mecanismo, iniciam o movimento para baixo. Precisamente, com um suave ruído, os tubos de Teroclox aproximam-se das veias, seus destinos.

– Moça, moça, por favor – chama Marcelo, interrompendo a angústia resignada do silêncio com a inquietude do desespero. A enfermeira o olha com desconfiança, paralisa a operação e vai em sua direção.

– Pois não?

– Me desculpa, mas é que eu tenho pressão baixa, tô me sentindo mal, preciso sair pra tomar um ar…

– Senhor, o procedimento será concluído em trinta segundos, se o senhor cooperar. Venha, eu ajudo o senhor.

– Não, você não está entendendo…

– Por favor, eu o ajudo – e, guiando-o até o balcão, discretamente colocou uma de suas mãos no bolso do jaleco e emitiu um alerta pelo comunicador interno.

Ela foi guiando-o pelo braço, ele desnorteado, sem ter a menor ideia do que fazer, mas com a certeza de ter que se mandar imediatamente. Procurou janelas, mas não havia – a enfermeira, numa situação patética, o sentava na cadeira, conduzia todos os seus movimentos, pegava seu braço e ele lá, estúpido, hesitante.

A enfermeira reposicionou Marcelo e acionou novamente o mecanismo. Mais uma vez, a máquina macabra de dez injeções descia lentamente, precisamente, inexoravelmente. Num impulso de pavor, ele se levantou, esbarrou na enfermeira e correu em direção à porta. Ele alcançou a saída ofegante, mas não conseguiu ultrapassá-la: seu rosto encontrou o peito de um dos seis seguranças robotizados que cercavam a sua saída.

Nas ruas, não havia ninguém. Escolas, museus, praças – tudo parado. Contraditoriamente, somente os centros de consumo e de produção, além do setor de saúde, continuavam girando sua engrenagem, irredutíveis. E ele nesse cenário deprimente, sem vida – carcaças de civilização – sendo transportado como se fosse uma ameaça à sociedade.

No caminho para a Casa de Cura Psíquica e Ordem Social, ele lembrou de um livro muito antigo que havia lido. Contava que no início do século XX houve uma epidemia de varíola. Os suspeitos de ter a doença eram levados pela segurança pública a cárceres imundos; depois disso, ninguém nunca mais sabia deles. Teve um ímpeto de gritar, mas o que saiu foi um profundo suspiro. Não havia ninguém para ouvir.

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