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Viajeros – As várias faces de Buenos Aires

domingo, setembro 21st, 2008

Entre experiências agradáveis e decepções, Buenos Aires está sendo uma loucura. Um dia, andando pelas ruas centrais, nos deparamos com um trio de rock (baixo, guitarra e bateria) alucinante. Uma grande platéia se juntou na praça, inclusive senhores de terno e gravata curtindo o som, que variava do punk até o reggae. Puro improviso.

Rock de rua.

Depois fomos parar numa casa de shows que parecia ser muito boa, com quadros inspirados no tango e velas sobre as mesas. A entrada era trinta pesos por pessoa. “Não tem desconto para estudante?”, tentei pechinchar. O funcionário acabou colocando nós dois para dentro por uma entrada. Saímos no lucro? Nada disso. Trinta pesos jogados no lixo. Uma tal de Silvina Garrés subiu ao palco e nos fez conhecer o pior da música pop romântica argentina.

Apresentação de Silvina Garrés.

 

O Thiago quase dormiu. Eu fiquei tentando entender o que ela falava, mas era sempre sobre alguém sem o qual ela não pode viver…

A casa em que estamos hospedados é muito legal. Pablo, um dos moradores, faz parte do Soylocoporti, organização pela integração latino-americano que tem como membros amigos nossos de Curitiba. Nesta casa moram umas seis pessoas, que vivem solidariamente e abrem espaço para a cultura.

Casa do Pablo

 

Às segundas-feiras acontece o ensaio da banda de música andina, da qual Pablo faz parte. Domingo houve uma oficina de introdução ao calendário maia e, na sexta-feira, uma festa de comemoração da independência do Chile. Pablo e Antonio, outro morador da casa, são chilenos, e muitos amigos conterrâneos compareceram à festa no terraço. Ficamos conversando com o Reymond, que é de Mendoza, província argentina na divisa com o Chile, famosa por seus vinhos. Seu irmão está morando em Cuba, nós queremos ir para lá e assim a conversa foi fluindo. Ele nos chamou para irmos a um bar, onde tocaria com outros músicos. Já que era de graça, fomos.

No caminho descobrimos que se tratava de um bar de jazz. Reymond toca saxofone e junto com ele estavam o também saxofonista Johnny, um baixista e um baterista. Foi fantástico. Johnny parecia que tinha música nas veias, além de ser um palhaço. A plateia também dava espetáculo. Os amigos dos músicos eram… como posso dizer… insanos.

Reymond e Johnny tocando saxofone. Foto de Thiago.

 

Depois da apresentação, uma mulher na mesa ao lado estava contando a história da Geni, personagem da música da Ópera do Malandro, de Chico Buarque. Me meti no meio da conversa: “oi, tudo bem, eu sou do Brasil, estava ouvindo a conversa e só queria dizer que, na verdade, Geni é um travesti”. Assim começou o papo. Ela apoia o MST e o PSOL, queria saber em quem eu vou votar, como está o processo eleitoral no Brasil, essas coisas. Engraçado, ela sabia mais da conjuntura política do Brasil que muitos brasileiros. Saímos do bar e voltamos para a festa. Quer dizer, eu fui direto para a cama.

Outra coisa interessante é que nas praças e parques sempre há pessoas deitadas na grama, lendo, brincando ou simplesmente tomando sol. E quando digo pessoas incluio crianças, velhinhos, jovens, casais de meia idade e também moradores de rua. Isso me surpreeendeu. Aqui não é como em Curitiba – riquinhos no Barigüi, mendigos na Tiradentes. As pessoas se misturam um pouco mais e parece que não se tem tanto medo das pessoas que vivem nas ruas.

Ah, mas como costuma ser em todos os lugares, existem várias Buenos Aires. A Buenos Aires dos cafés caros do centro, com pessoas sérias, bem vestidas, com jeito de esnobes. A Buenos Aires da periferia, repleta de bolivianos, favelas (ou villas, como chamam os argentinos) e condomínios feios. A Buenos Aires de San Telmo, o tradicional bairro com suas lojas de antiguidades, no qual a cerveja custa em média oito pesos, enquanto nos lugares mais baratos se paga três pesos e cinqüenta centavos. Tem a Buenos Aires da Recoleta, onde se localiza a Plaza de Francia, que me pareceu o lugar mais nobre da cidade.

É incrível a tenaz linha que separa a nobreza dos plebeus. Estávamos na Recoleta, saindo da feira de artesananto, com fome e procurando um lugar para almoçar. Tudo caro, obviamente. “Vamos até o centro”, pensamos, “lá vai ser mais barato”. E, depois de caminhar um pouco, de repente, de uma quadra para outra, saímos do reduto de luxo, onde as ruas são mais limpas e arborizadas, as lojas mais finas, os prédios mais elegantes, e entramos no centro. Três e cinqüenta um sanduichão. Viva as lanchonetes de banheiro sujo e comida barata.

Aliás, essa é uma característica argentina que não me agrada: comida barata, só besteirada. Não aguentamos mais comer pizza de mussarela. As massas também não saem muito caro e são bem mais atrativas, mas para quem precisa economizar, é um luxo que só se permite de vez em quando. Bom mesmo é quando podemos cozinhar. Comida boa, saudável e barata.

É, Buenos Aires surpreende, em todos os sentidos. Europa sul-americana, nem tanto. Mas que é uma loucura latino-americana, ah, isso é.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Viajeros – O país da informalidade

quarta-feira, julho 16th, 2008

Uma característica paraguaia quase sempre esteve presente: a informalidade. Assunção provavelmente concentra o maior índice de vendedores ambulantes por metro quadrado. Chipas – um tipo de broa bem típica do Paraguai -, maçãs, chicletes, óculos escuros, capas de celular, cigarros – ou seja, quase tudo que se possa imaginar sendo vendido nas ruas. E nos ônibus. Os vendedores podem entrar sem pagar passagem, oferecem seus produtos e descem. É muito bom quando se está cansado e com fome e aparece um vendedor com chipas quentinhas, mas as altas taxas de trabalho informal refletem a difícil condição do país, que não é capaz de gerar empregos suficientes para sua população.

O Paraguai é informal também em outro sentido – no jeito de ser do seu povo. Um exemplo: encontramos María Esperanza Ortiz, filha de Demétrio Ortiz, um tradicional músico paraguaio, numa homenagem a seu pai no museu de Ypacaraí. Ao fim da cerimômia ela convidou todos a visitar o museu que mantém em sua casa em Assunção. Conversamos com ela, que nos passou seu endereço e telefone. Disse que estaria nos esperando sábado à tarde e pediu para ligarmos para confirmar a visita. Eu liguei no sábado, como marcado, e Nicolás, seu marido, atendeu: “Ah, é a brasileira? Vocês não querem vir aqui hoje à noite, vai ter música, churrasco…”, falou ele em português, com forte sotaque paraguaio. Obviamente nós aceitamos o convite.


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María, filha de Demétrio Ortiz, e seus convidados.

Pensamos que não passaria de alguns amigos tomando cerveja e cantando à memória de Demétrio Ortiz – o que foi, no final das contas. Mas nos surpreendemos quando percebemos que estávamos num jantar com importantes músicos. Tratava-se do aniversário de trinta anos da morte do homenageado. Inclusive maestros estavam presentes para tocar a música tradicional paraguaia, e em especial, um pouco da obra de Demétrio Ortiz. Os mais velhos talvez lembrem de Mis noches sin ti e Recuerdos de Ypacaraí, as mais regravadas músicas paraguaias. Aliás, o nosso renomadíssimo Caetano Veloso tem uma versão de Recuerdos de Ypacaraí no álbum Fina Estampa.

Demétrio iniciou sua carreira em 1943 no Trio Asunceno, com o qual excursionou pelo Brasil em 1946. No ano seguinte, uma sangrenta guerra civil conturbou o Paraguai. O músico, assim como muitos compatriotas, migrou para Buenos Aires, onde integrou-se a diversos conjuntos, além de dar aulas de dança folclórica na Casa Paraguaia. Faleceu em 1975 na capital argentina, pouco depois de concluir sua autobiografia Una guitarra, un hombre… Demétrio Ortiz.


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Lucio Marín no violão; atrás Nicolás, marido de Maria.

Harpa, violões, maracas e várias vozes. Não sabíamos se tirávamos fotos ou simplesmente apreciávamos a boa música. Tentamos fazer os dois. E mesmo entre artistas renomados fomos muito, muito bem recebidos. O músico Lúcio Marín e sua esposa fizeram questão de passar o telefone e o endereço de sua casa, para que possamos visitá-los da próxima vez que estivermos em Assunção. Ele nos contou (algumas vezes, depois de alguns vinhos) da vez que conheceu Pelé, mas concordou comigo que o melhor jogador da história foi de fato Garrincha. Foi uma noite maravilhosa, que me deixou encantada com a cultura e com o povo paraguaio.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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