Entre experiências agradáveis e decepções, Buenos Aires está sendo uma loucura. Um dia, andando pelas ruas centrais, nos deparamos com um trio de rock (baixo, guitarra e bateria) alucinante. Uma grande platéia se juntou na praça, inclusive senhores de terno e gravata curtindo o som, que variava do punk até o reggae. Puro improviso.
Depois fomos parar numa casa de shows que parecia ser muito boa, com quadros inspirados no tango e velas sobre as mesas. A entrada era trinta pesos por pessoa. “Não tem desconto para estudante?”, tentei pechinchar. O funcionário acabou colocando nós dois para dentro por uma entrada. Saímos no lucro? Nada disso. Trinta pesos jogados no lixo. Uma tal de Silvina Garrés subiu ao palco e nos fez conhecer o pior da música pop romântica argentina.
O Thiago quase dormiu. Eu fiquei tentando entender o que ela falava, mas era sempre sobre alguém sem o qual ela não pode viver…
A casa em que estamos hospedados é muito legal. Pablo, um dos moradores, faz parte do Soylocoporti, organização pela integração latino-americano que tem como membros amigos nossos de Curitiba. Nesta casa moram umas seis pessoas, que vivem solidariamente e abrem espaço para a cultura.
Às segundas-feiras acontece o ensaio da banda de música andina, da qual Pablo faz parte. Domingo houve uma oficina de introdução ao calendário maia e, na sexta-feira, uma festa de comemoração da independência do Chile. Pablo e Antonio, outro morador da casa, são chilenos, e muitos amigos conterrâneos compareceram à festa no terraço. Ficamos conversando com o Reymond, que é de Mendoza, província argentina na divisa com o Chile, famosa por seus vinhos. Seu irmão está morando em Cuba, nós queremos ir para lá e assim a conversa foi fluindo. Ele nos chamou para irmos a um bar, onde tocaria com outros músicos. Já que era de graça, fomos.
No caminho descobrimos que se tratava de um bar de jazz. Reymond toca saxofone e junto com ele estavam o também saxofonista Johnny, um baixista e um baterista. Foi fantástico. Johnny parecia que tinha música nas veias, além de ser um palhaço. A plateia também dava espetáculo. Os amigos dos músicos eram… como posso dizer… insanos.
Depois da apresentação, uma mulher na mesa ao lado estava contando a história da Geni, personagem da música da Ópera do Malandro, de Chico Buarque. Me meti no meio da conversa: “oi, tudo bem, eu sou do Brasil, estava ouvindo a conversa e só queria dizer que, na verdade, Geni é um travesti”. Assim começou o papo. Ela apoia o MST e o PSOL, queria saber em quem eu vou votar, como está o processo eleitoral no Brasil, essas coisas. Engraçado, ela sabia mais da conjuntura política do Brasil que muitos brasileiros. Saímos do bar e voltamos para a festa. Quer dizer, eu fui direto para a cama.
Outra coisa interessante é que nas praças e parques sempre há pessoas deitadas na grama, lendo, brincando ou simplesmente tomando sol. E quando digo pessoas incluio crianças, velhinhos, jovens, casais de meia idade e também moradores de rua. Isso me surpreeendeu. Aqui não é como em Curitiba – riquinhos no Barigüi, mendigos na Tiradentes. As pessoas se misturam um pouco mais e parece que não se tem tanto medo das pessoas que vivem nas ruas.
Ah, mas como costuma ser em todos os lugares, existem várias Buenos Aires. A Buenos Aires dos cafés caros do centro, com pessoas sérias, bem vestidas, com jeito de esnobes. A Buenos Aires da periferia, repleta de bolivianos, favelas (ou villas, como chamam os argentinos) e condomínios feios. A Buenos Aires de San Telmo, o tradicional bairro com suas lojas de antiguidades, no qual a cerveja custa em média oito pesos, enquanto nos lugares mais baratos se paga três pesos e cinqüenta centavos. Tem a Buenos Aires da Recoleta, onde se localiza a Plaza de Francia, que me pareceu o lugar mais nobre da cidade.
É incrível a tenaz linha que separa a nobreza dos plebeus. Estávamos na Recoleta, saindo da feira de artesananto, com fome e procurando um lugar para almoçar. Tudo caro, obviamente. “Vamos até o centro”, pensamos, “lá vai ser mais barato”. E, depois de caminhar um pouco, de repente, de uma quadra para outra, saímos do reduto de luxo, onde as ruas são mais limpas e arborizadas, as lojas mais finas, os prédios mais elegantes, e entramos no centro. Três e cinqüenta um sanduichão. Viva as lanchonetes de banheiro sujo e comida barata.
Aliás, essa é uma característica argentina que não me agrada: comida barata, só besteirada. Não aguentamos mais comer pizza de mussarela. As massas também não saem muito caro e são bem mais atrativas, mas para quem precisa economizar, é um luxo que só se permite de vez em quando. Bom mesmo é quando podemos cozinhar. Comida boa, saudável e barata.
É, Buenos Aires surpreende, em todos os sentidos. Europa sul-americana, nem tanto. Mas que é uma loucura latino-americana, ah, isso é.
Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.
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