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Donde Miras – Pedrinhas

sexta-feira, setembro 26th, 2008

Bicicloteca em Vila de Pedrinhas, julho de 2008.

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Viajeros – As várias faces de Buenos Aires

domingo, setembro 21st, 2008

Entre experiências agradáveis e decepções, Buenos Aires está sendo uma loucura. Um dia, andando pelas ruas centrais, nos deparamos com um trio de rock (baixo, guitarra e bateria) alucinante. Uma grande platéia se juntou na praça, inclusive senhores de terno e gravata curtindo o som, que variava do punk até o reggae. Puro improviso.

Rock de rua.

Depois fomos parar numa casa de shows que parecia ser muito boa, com quadros inspirados no tango e velas sobre as mesas. A entrada era trinta pesos por pessoa. “Não tem desconto para estudante?”, tentei pechinchar. O funcionário acabou colocando nós dois para dentro por uma entrada. Saímos no lucro? Nada disso. Trinta pesos jogados no lixo. Uma tal de Silvina Garrés subiu ao palco e nos fez conhecer o pior da música pop romântica argentina.

Apresentação de Silvina Garrés.

 

O Thiago quase dormiu. Eu fiquei tentando entender o que ela falava, mas era sempre sobre alguém sem o qual ela não pode viver…

A casa em que estamos hospedados é muito legal. Pablo, um dos moradores, faz parte do Soylocoporti, organização pela integração latino-americano que tem como membros amigos nossos de Curitiba. Nesta casa moram umas seis pessoas, que vivem solidariamente e abrem espaço para a cultura.

Casa do Pablo

 

Às segundas-feiras acontece o ensaio da banda de música andina, da qual Pablo faz parte. Domingo houve uma oficina de introdução ao calendário maia e, na sexta-feira, uma festa de comemoração da independência do Chile. Pablo e Antonio, outro morador da casa, são chilenos, e muitos amigos conterrâneos compareceram à festa no terraço. Ficamos conversando com o Reymond, que é de Mendoza, província argentina na divisa com o Chile, famosa por seus vinhos. Seu irmão está morando em Cuba, nós queremos ir para lá e assim a conversa foi fluindo. Ele nos chamou para irmos a um bar, onde tocaria com outros músicos. Já que era de graça, fomos.

No caminho descobrimos que se tratava de um bar de jazz. Reymond toca saxofone e junto com ele estavam o também saxofonista Johnny, um baixista e um baterista. Foi fantástico. Johnny parecia que tinha música nas veias, além de ser um palhaço. A plateia também dava espetáculo. Os amigos dos músicos eram… como posso dizer… insanos.

Reymond e Johnny tocando saxofone. Foto de Thiago.

 

Depois da apresentação, uma mulher na mesa ao lado estava contando a história da Geni, personagem da música da Ópera do Malandro, de Chico Buarque. Me meti no meio da conversa: “oi, tudo bem, eu sou do Brasil, estava ouvindo a conversa e só queria dizer que, na verdade, Geni é um travesti”. Assim começou o papo. Ela apoia o MST e o PSOL, queria saber em quem eu vou votar, como está o processo eleitoral no Brasil, essas coisas. Engraçado, ela sabia mais da conjuntura política do Brasil que muitos brasileiros. Saímos do bar e voltamos para a festa. Quer dizer, eu fui direto para a cama.

Outra coisa interessante é que nas praças e parques sempre há pessoas deitadas na grama, lendo, brincando ou simplesmente tomando sol. E quando digo pessoas incluio crianças, velhinhos, jovens, casais de meia idade e também moradores de rua. Isso me surpreeendeu. Aqui não é como em Curitiba – riquinhos no Barigüi, mendigos na Tiradentes. As pessoas se misturam um pouco mais e parece que não se tem tanto medo das pessoas que vivem nas ruas.

Ah, mas como costuma ser em todos os lugares, existem várias Buenos Aires. A Buenos Aires dos cafés caros do centro, com pessoas sérias, bem vestidas, com jeito de esnobes. A Buenos Aires da periferia, repleta de bolivianos, favelas (ou villas, como chamam os argentinos) e condomínios feios. A Buenos Aires de San Telmo, o tradicional bairro com suas lojas de antiguidades, no qual a cerveja custa em média oito pesos, enquanto nos lugares mais baratos se paga três pesos e cinqüenta centavos. Tem a Buenos Aires da Recoleta, onde se localiza a Plaza de Francia, que me pareceu o lugar mais nobre da cidade.

É incrível a tenaz linha que separa a nobreza dos plebeus. Estávamos na Recoleta, saindo da feira de artesananto, com fome e procurando um lugar para almoçar. Tudo caro, obviamente. “Vamos até o centro”, pensamos, “lá vai ser mais barato”. E, depois de caminhar um pouco, de repente, de uma quadra para outra, saímos do reduto de luxo, onde as ruas são mais limpas e arborizadas, as lojas mais finas, os prédios mais elegantes, e entramos no centro. Três e cinqüenta um sanduichão. Viva as lanchonetes de banheiro sujo e comida barata.

Aliás, essa é uma característica argentina que não me agrada: comida barata, só besteirada. Não aguentamos mais comer pizza de mussarela. As massas também não saem muito caro e são bem mais atrativas, mas para quem precisa economizar, é um luxo que só se permite de vez em quando. Bom mesmo é quando podemos cozinhar. Comida boa, saudável e barata.

É, Buenos Aires surpreende, em todos os sentidos. Europa sul-americana, nem tanto. Mas que é uma loucura latino-americana, ah, isso é.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Donde Miras – Quentinho

quarta-feira, setembro 17th, 2008


Aldeia Tenonde Porã, São Paulo – julho de 2008.

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Viajeros – Homem primata

sábado, setembro 6th, 2008

Nas situações mais corriqueiras me deparo com a necessidade urgente de uma grande mudança que parta da humanidade. É uma questão de mentalidade, dos valores básicos que regem nosso cotidiano, nossos relacionamentos, nossa visão de mundo, do outro e de nós mesmos.

Há pouco mais de um ano estive como turista em Buenos Aires. Naquela ocasião conheci a Plaza de Francia, que todo fim de semana é ocupada por uma feira de artesanato. Fiquei encantada com tantas coisas lindas, por sua originalidade e engenhosidade. Hoje voltei à mesma praça, agora como artesã, e infelizmente o encanto se desfez.

Chegamos à praça e fomos fazer o “reconhecimento do local”. Percebemos que não havia artesãos estendendo panos no chão. Conversei com um vendedor e ele me confirmou que realmente a polícia não permite a venda informal. Amarrei nossos swings de fitas no pescoço e comecei a brincar com um par deles, mostrando como se faz. Se alguém parasse para olhar, daí sim diria que estavam à venda. Um jeitinho de driblar a fiscalização.

Ao meu lado, a uns seis metros, um senhor tocava seu violão, com o chapéu no chão. Ele pareceu fazer um gesto para mim. “Será que ele quer que eu saia?”, pensei. “Não, não deve ser isso”. Mas era. Ele se levantou e veio em minha direção. Disse que eu tinha parado muito perto dele, que era para eu sair dali. Argumentei que não estava pedindo dinheiro pelo “espetáculo” (eu estava treinando, minha habilidade com os malabares é pífia). Mas ele firmemente, ou rudemente, falou que eu desviaria a atenção das pessoas. “Há outros lugares por aí, aqui já tem gente suficiente”, concluiu. Virou as costas e voltou à sua posição. Eu, muito chateada, cedi. Afinal, se o trabalho de um artesão atrapalhasse o do outro, por que todos se juntariam em uma praça? Não é justamente a diversidade o atrativo das feiras?

Saí para dar uma volta, tirar fotos, espairar. Encontrei um outro senhor tocando violão e cantando. Apontei minha objetiva, estava ajustando o foco quando o vi fazer um gesto – dessa vez eu entendi, ele queria que eu colocasse uma moeda, justo eu, andarilha aspirante a artesã frustrada. “Sem dinheiro, sem foto”, disse ele. Parou a música só para me impedir de tirar uma foto. Fiquei tão chocada que não consegui argumentar. Nocaute. Justamente dois senhores, de quem se espera sabedoria, ou ao menos maturidade. No mínimo educação. Mas a pobreza de espírito não tem idade, sexo nem raça.

Lembrei dos artesãos de Isla de Cerrito. Sentiam imenso prazer em dividir seu espaço, sua comida, seu conhecimento com quem quer que fosse, inclusive dois brasileiros que haviam conhecido dois dias antes.

Sim, é uma questão de mentalidade, de valores. De pôr em prática a fraternidade e superar o egoísmo e o materialismo. Uma questão de se permitir evoluir, de plenamente ser humano.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Donde Miras – Pelada

quarta-feira, setembro 3rd, 2008

Cananéia, julho de 2008.


Goleira

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Viajeros – Admirável Mundo Novo

quinta-feira, agosto 21st, 2008

Aproveitando a passagem pela província de Córdoba, fomos à casa onde Che Guevara passou sua infância, transformada em museu. A casa se localiza em Alta Gracia, a cinquenta minutos de ônibus da capital da província.

Pudemos conhecer a história do menino e adolescente que viria a tornar-se o homem-mito, símbolo da luta por justiça e igualdade, e sua posterior trajetória como guerrilheiro e líder político. Sua dedicação aos seus ideais é memóravel. Um homem que na conduta privada e social seguia seus princípios, que dedicou a vida à construção de uma sociedade que não diferencia pobres e ricos, brancos e negros, homens e mulheres, e que acreditava que a luta armada era a única maneira de mudar o sistema opressor. Abdicou dos prazeres que sua condição social oferecia, da convivência com sua família, tudo na tentativa de concretizar o que achava ser o melhor para a humanidade.

“Sejam capazes de se indignar cada vez que virem uma injustiça”, escreveu Che Guevara aos seus filhos. Mas não queremos ver. Convivemos com crianças revirando lixo em busca de comida e desviamos o olhar. Selecionamos o que convém à estabilidade de nossos mundinhos de ilusão e consumo. Nos empilheiramos em grandes centros, cedemos à massificação, à desumanização e ao tratamento impessoal da civilização moderna. Fazemos dos meios os fins. O dinheiro deixa de ser uma ferramenta, passa a ser um objetivo em si mesmo, o maior e incontestável valor humano. Somos incapazes de conversar com os moradores de rua, de oferecer-lhes um pedaço de pão. Transformamos solidariedade e amor ao próximo em palavras vagas, esvaziadas de seu verdadeiro significado.

Somos egoístas. Competitivos. Capitalistas. “Que vença o melhor”, esse é o lema de nossa sociedade. Mas a maioria nem tem a oportunidade de desenvolver seu melhor, é explorada em subempregos, desempregada, sobrevive nas condições mais precárias de vida, excluída de infraestrutura e tecnologia.

Tenho vergonha do que a humanidade se tornou. Bando de selvagens egoístas, isso que somos. Temos medo. Queremos poder, conforto e prazer. Não dialogamos, trocamos frases mecânicas que não dizem nada. Conveniência social, bons modos. Desumanização. Escondemos o que temos de mais rico, de mais espontâneo e único atrás de frases feitas. Nossos olhos estão presos aos nossos umbigos. E assim, insistentemente, seguimos.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Donde Miras – Jo ana

segunda-feira, agosto 18th, 2008


Cananéia, julho de 2008.

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Viajeros – Vida de mochileiro

quinta-feira, agosto 14th, 2008

Em Resistencia, capital da província do Chaco, empreendemos nossa primeira tentativa de vender artesanato. Até então estávamos produzindo para juntar quantidade suficiente para expor. Paramos numa esquina movimentada, estendemos nosso pano, colocamos os colares e malabares e timidamente cumprimentávamos as pessoas que dirigiam alguma atenção ao nosso trabalho. Fizemos isso uns dois ou três dias, por cerca de duas horas. Não vendemos nada.

Nos alojamos no Parque Municipal e Camping Dos de Febrero. Lá conhecemos três artesãos – Keko e Andrés de Córdoba e a chilena Maribel. Eles nos falaram da Festa do Dourado, que iria acontecer em Isla de Cerrito no fim de semana, com a promessa de que lá seria bom para vender artesanato.


Festival em Isla de Cerrito. A bandeira do Brasil, nosso mostruário.

Isla de Cerrito é uma cidadezinha do interior, a 60 km de Resistencia. A Festa do Dourado é o grande acontecimento da cidade. Chegamos lá no dia 31 de agosto, uma quinta-feira. A festa iria de sexta a domingo. Durante todo o festival vendemos um colar. Cinco pesos, equivalente a cerca de três reais. Conhecemos vários artesãos de diversas partes do país. Uma vida simples, porém livre. Eles percorrem a Argentina vendendo seu trabalho e conhecendo gente. “É uma vida boa, para quem não é materialista”, me disse Santiago, um dos artesãos que conheci. Vivem com pouco e dividem o pouco que têm. Desprezam o luxo, amam a liberdade.


Artesãos malabaristas na Festa do Dourado.

De volta à estrada
Segunda-feira nos despedimos de nossos novos amigos. Pegamos o ônibus até Resistencia para pedir carona mais uma vez, com destino a Córdoba. Já era final de tarde; junto com a noite se aproximava a possibilidade de dormirmos mais uma vez na loja de conveniência do posto de gasolina, o mesmo onde tínhamos passado a noite há cerca de uma semana atrás depois de um dia inteiro pedindo carona sem sucesso. Quando já estávamos na expectativa de mais uma noite mal dormida, um caminhão que transportava gado parou. Impossível descrever a sensação de alívio que esse momento propicia.

Histórias de caminhoneiro
Marcelo era seu nome. Seu caminhão era bem equipado, moderno. Não parecia querer muita conversa. Entretinha-se com seus dois celulares, fazendo ligações e mandando mensagens. Tentei puxar assunto, mas ele não respondeu. Não sei se não me ouviu ou simplesmente me ignorou. De qualquer maneira, entendi o recado e fiquei na minha.

Uma foto pendurada chamava a atenção – uma linda mulher de tranças loiras e olhos claros. Devia ser alguma modelo ou atriz famosa, pensei. Até que ele nos perguntou: “Quantos anos vocês acham que ela tem?”. Chutamos uns vinte e poucos. “Ela tem dezoito anos, é a filha do meu patrão”, disse ele.

Eles se conheceram há três anos pela internet. Foram conversando sem saber suas identidades. Um dia ela comentou que seu pai era dono de uma empresa de caminhões – a empresa onde Marcelo trabalhava. Eles passaram a se encontrar e ela demonstrou interesse por ele. Ela tinha só quinze anos e era filha de seu patrão. Ela era rica, ele pobre. Marcelo sabia que isso traria problemas e tentou evitar o romance. Mas ela era tão linda…

Namoraram uns cinco meses escondidos. Como era inevitável, um dia ele foi falar com os pais dela, os seus patrões. “Eu estou com um problema amoroso”, disse ele. “Qual problema?”, perguntou a mãe. “É com sua filha, esse é o problema”, respondeu Marcelo. Os pais dela disseram que isso não era um problema. Disseram que ele era honesto, trabalhador, isso que importava. Eles mesmos já tinham sido pobres e aceitaram bem o romance da filha com o empregado.

Faz três anos que eles estão juntos. Ela lhe deu um carro e um caminhão novo, mas ele diz que isso não interessa, quem tem dinheiro é ela, ele continua pobre. E continua a tratar seu patrão da mesma maneira enquanto trabalha, mantendo o relacionamento patrão-empregado. Fora da empresa ele é seu genro, mas continua sendo seu chefe. Ela quer casar, diz ele que não tem pressa. E passou toda a viagem falando de sua namorada.

Nos deixou na cidade de Sé Pereira, em Santa Fé, perto da província de Córdoba. Confesso que em alguns momentos desconfiei do conto de fadas do rapaz. Talvez aquela foto fosse de uma modelo famosa e todo o resto, fantasia. Talvez.

Eram sete horas da manhã. Lindo nascer do dia. Fazia muito frio, o capim estava congelado. Paramos na saída da cidade, logo depois de um cruzamento com uma linha de trem – os carros eram obrigados a baixar a velocidade, impossível nos ignorar. Cerca de duas horas depois um caminhão parou. Horácio, o motorista, disse que podia nos deixar uns 100 km mais para frente. Aceitamos a carona.

O relevo sempre plano. Plantações de soja e trigo. Pasto. Ele, que tinha idade para ser meu pai, foi nos falando do problema da concentração de terra, dos grandes latifúndios, do mal que fazem os agrotóxicos, das diferenças regionais do país. O norte é a região mais pobre e a maior parte da riqueza do país se concentra em Buenos Aires.

Ele nos deixou na entrada de uma cidade. Almoçamos pão com queijo, especialidades argentinas, e seguimos nosso caminho. Tínhamos que andar até a saída da cidade e voltar à rodovia que leva a Córdoba. Caminhamos em torno de 7 km com as mochilas nas costas. Chegamos exaustos e o sol, mais uma vez, estava próximo de se por. Paramos perto de um posto – nosso abrigo, caso não conseguíssemos carona.

Mal levantamos o dedo e um caminhão parou. Walter era o nome do motorista. Estava indo para Córdoba. Muito simpático desde o início, nos ajudou a botar as mochilas na traseira do caminhão. Nos ofereceu mate e bolachas, mostrou a foto de seus filhos e nos contou um pouco da sua história.

Filho de italiano, sustenta sua família com o seu trabalho. Um de seus irmãos foi tentar a sorte na Itália – faz anos que não tem contato com ele. Seu irmão mais novo trabalha numa empresa que paga seus estudos. Ele é caminhoneiro desde os quinze anos, costumava viajar com seu pai, também caminhoneiro. Gosta dessa vida, apesar de ser cansativa.

Perguntei a todos os caminhoneiros que conheci se gostavam do seu trabalho. E todos responderam que sim, e se orgulhavam de conhecer o país quase por inteiro. Walter parou num posto na entrada de Córdoba. Nos despedimos e tomamos um ônibus até o centro.

Encontramos o albergue que um amigo tinha me indicado. Deixamos nossas coisas lá, saímos para comer, tomamos um banho e dormimos o bom sono dos cansados, depois de dois dias de caronas quase sem dormir. Mas valeu a pena. Percorremos mais de 1000 km gastando só com alimentação. Vida de mochileiro. Coração de viajante.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Itinerário Donde Miras – Sol, Mar e Natureza

quinta-feira, agosto 7th, 2008

Depois de Peruíbe, o planejado era cruzar a mata atlântica novamente, desta vez na reserva da Juréia. Para atravessar a reserva é necessária uma autorização, que infelizmente não nos foi concedida. O itinerário teve que ser mudado – a Barra do Una foi cortada do trajeto. A solução encontrada foi alugar uma van para ir até Barra do Ribeira, no município de Iguape, sendo que a distância era muito grande para ser percorrida a pé sem estrapolar o cronograma.


Na van de Peruíbe para Barra do Ribeira.

Lua cheia. Rio e mar. Calor no inverno, fogueira na areia. Momento de sentir, cheirar. O sol se pôs e a lua nasceu vermelha no mar. O concreto do cotidiano urbano da caminhada até então cedeu para a magia da natureza na Barra do Ribeira. Mais um sarau e mais uma oficina – teatro, com Gil Marçal – desta vez, à beira-mar. Novamente, hora de partir.


Binho cuidando da fogueira em Barra do Ribeira.

O percurso da Barra do Ribeira até o centro de Iguape é lindo – balsa, estrada de terra, asfalto sinuoso rodeado por mata, bica na montanha. Pôr-do-sol no mirante na entrada da cidade. O alojamento era uma estação do Ibama. A mata, o jardim do quintal. Os pingüins, nossos vizinhos de quarto. Eles foram encontrados na praia por estagiários do Ibama, exaustos da sua viagem desde o sul da Argentina até o litoral paulista. Eles vêm em busca de alimento e calor, por isso os estagiários os colocam dentro de uma caixa de papelão junto com garrafas de água quente – por mais absurdo que isso pareça. Na caminhada de Itanhaém a Peruíbe, havíamos encontrado um pingüim morto na praia. Mais uma vez eles faziam parte de nossa viagem.


Pingüim morto em Peruíbe.


Estação do Ibama em Iguape.

Em Iguape, saí com a Bicicloteca pela primeira vez, junto com outros Donde Miras. Pude percorrer essa linda cidade histórica doando e arrecadando livros, batendo de porta em porta e conhecendo de perto a população local. Pessoas sem medo de conversar com o outro, longe da paranóia da metrópole, da cultura da violência – crianças, poetas, escritores, vovós, comerciantes, operários. Pessoas que não temem outras pessoas.

O sarau em Iguape foi marcante. Participaram o grupo de percursão da cidade, formado por crianças, a companhia kiwi de teatro, que veio de São Paulo especialmente para essa noite, e poetas – gente se expressando, independente de títulos artísticos. O filme Leonel pé-de-vento de Jair Giacomini foi exibido, como em outros saraus, e mais uma vez encantou o público. No final uma linda roda, ritual sempre presente nesta caminhada, uniu todos os presentes, envolvidos com os cantos de Lívia e a energia do círculo. E a festa continuou na pastelaria dos taiwaneses – que diabos será uma porção de guioza?


Lívia na bicicloteca em Vila de Pedrinhas.

De Iguape atravessamos a ponte até o centro de Ilha Comprida. Mais um sarau, mais um companheiro – o colombiano Mono, que seguiu caminhada conosco até Vila de Pedrinhas e nos passou um pouco do seu vasto conhecimento sobre nossa América Latina. “A revolução latino-americana só acontecerá quando trocarem as armas pelas canetas”, disse o ex-guerrilheiro Mono, que atualmente trabalha para o governo venezuelano.


Comoção durante a fala de Mono – Mucho, Joana, Kátia e Marivone.


Mono sendo abraçado por Marivone.

O centro de Ilha Comprida não é nada do que se espera quando se vai a uma ilha – muitos carros e concreto, poucas árvores. Já Pedrinhas, povoado de Ilha Comprida, é um paraíso. Estrada de terra, vegetação abundante, pássaros e estrelas cadentes. Muita paz e, pela primeira vez na caminhada, chuva. Um viajante chegou de bicicleta desde Curitiba para nos encontrar – Thiago, com seus malabares de fogo. De São Paulo veio Allan da Rosa, com sua voz forte e seu olhar marcante, e coordenou uma oficina de literatura.


Crepúsculo em Vila de Pedrinhas.

No sarau, ao contrário do que acontece nas grandes cidades, a vila toda veio participar. Duas meninas conduziram a roda final com “tchu tchu ê, tchu tchu á”, um momento mágico em que todos voltaram a ser crianças e se permitiram brincar. Três músicos de São Paulo – Erik, Hugo e Douglas – casualmente se juntaram a nós em Pedrinhas, e seguimos até Cananéia, destino final de nossa caminhada.


Vagnão, Allan, Hugo e Erik fazendo um som.


Vanessa, nossa amiguinha de Pedrinhas, com a bandeira Donde Miras.

O trecho São Paulo – Cananéia da Expedição Donde Miras chegou ao fim em vinte e sete de julho. Hora da despedida. Foram vinte e três dias de muitos passos, aprendizado, compreensão e revolução – nos olhos, na consciência e no coração. A última roda, a última fogueira, o último sarau. Por enquanto. Novos projetos brotam e a vontade de seguir desbravando a América Latina e a nós mesmos cresce mais e mais. Avante, caminhantes! A jornada mal começou.


Thiago no sarau em Cananéia.


Hugo, Douglas, Thiago e Erik tocando a música que comporam para a expedição.

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Donde Miras – Quintal

quinta-feira, agosto 7th, 2008

Estação do Ibama, alojamento dos Donde Miras em Iguape.

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