Posts Tagged ‘paraguai’

Viajeros – O país da informalidade

quarta-feira, julho 16th, 2008

Uma característica paraguaia quase sempre esteve presente: a informalidade. Assunção provavelmente concentra o maior índice de vendedores ambulantes por metro quadrado. Chipas – um tipo de broa bem típica do Paraguai -, maçãs, chicletes, óculos escuros, capas de celular, cigarros – ou seja, quase tudo que se possa imaginar sendo vendido nas ruas. E nos ônibus. Os vendedores podem entrar sem pagar passagem, oferecem seus produtos e descem. É muito bom quando se está cansado e com fome e aparece um vendedor com chipas quentinhas, mas as altas taxas de trabalho informal refletem a difícil condição do país, que não é capaz de gerar empregos suficientes para sua população.

O Paraguai é informal também em outro sentido – no jeito de ser do seu povo. Um exemplo: encontramos María Esperanza Ortiz, filha de Demétrio Ortiz, um tradicional músico paraguaio, numa homenagem a seu pai no museu de Ypacaraí. Ao fim da cerimômia ela convidou todos a visitar o museu que mantém em sua casa em Assunção. Conversamos com ela, que nos passou seu endereço e telefone. Disse que estaria nos esperando sábado à tarde e pediu para ligarmos para confirmar a visita. Eu liguei no sábado, como marcado, e Nicolás, seu marido, atendeu: “Ah, é a brasileira? Vocês não querem vir aqui hoje à noite, vai ter música, churrasco…”, falou ele em português, com forte sotaque paraguaio. Obviamente nós aceitamos o convite.


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María, filha de Demétrio Ortiz, e seus convidados.

Pensamos que não passaria de alguns amigos tomando cerveja e cantando à memória de Demétrio Ortiz – o que foi, no final das contas. Mas nos surpreendemos quando percebemos que estávamos num jantar com importantes músicos. Tratava-se do aniversário de trinta anos da morte do homenageado. Inclusive maestros estavam presentes para tocar a música tradicional paraguaia, e em especial, um pouco da obra de Demétrio Ortiz. Os mais velhos talvez lembrem de Mis noches sin ti e Recuerdos de Ypacaraí, as mais regravadas músicas paraguaias. Aliás, o nosso renomadíssimo Caetano Veloso tem uma versão de Recuerdos de Ypacaraí no álbum Fina Estampa.

Demétrio iniciou sua carreira em 1943 no Trio Asunceno, com o qual excursionou pelo Brasil em 1946. No ano seguinte, uma sangrenta guerra civil conturbou o Paraguai. O músico, assim como muitos compatriotas, migrou para Buenos Aires, onde integrou-se a diversos conjuntos, além de dar aulas de dança folclórica na Casa Paraguaia. Faleceu em 1975 na capital argentina, pouco depois de concluir sua autobiografia Una guitarra, un hombre… Demétrio Ortiz.


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Lucio Marín no violão; atrás Nicolás, marido de Maria.

Harpa, violões, maracas e várias vozes. Não sabíamos se tirávamos fotos ou simplesmente apreciávamos a boa música. Tentamos fazer os dois. E mesmo entre artistas renomados fomos muito, muito bem recebidos. O músico Lúcio Marín e sua esposa fizeram questão de passar o telefone e o endereço de sua casa, para que possamos visitá-los da próxima vez que estivermos em Assunção. Ele nos contou (algumas vezes, depois de alguns vinhos) da vez que conheceu Pelé, mas concordou comigo que o melhor jogador da história foi de fato Garrincha. Foi uma noite maravilhosa, que me deixou encantada com a cultura e com o povo paraguaio.

 

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Viajeros – Amém

segunda-feira, junho 30th, 2008


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Igreja em Ypacaraí, Paraguai. Agosto de 2006.

 

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Viajeros – A lenda do ñanduti

quarta-feira, junho 25th, 2008

Baseado em um conto lido no Café Literário em Assunção, que por sua vez foi inspirado em uma lenda guarani.

Um jovem índio, apaixonado e desesperançado. Sua mãe lastima a dor de seu rebento. Ele crê que perdeu de vez a chance de passar a vida ao lado do seu amor.

A moça, demasiado bela, é cobiçada por vários rapazes. Uma anciã, com certa maldade, contou-lhe que outro fez à moça a mais linda oferenda – pulseiras e braceletes de um metal branco e brilhante, que segundo dizem, ganhou da própria lua, sua madrinha.

Em desespero, o jovem índio fugiu à floresta, queria esconder-se de seu medo, correr sua dor. Encontrou um tronco tombado, e ao tocá-lo, um lindo broto floresceu. Subiu sua vista e se defrontou com um esplendoroso tecido, delicado e brilhante.

O fogo se reascendeu em seu coração – essa seria a oferenda perfeita para sua amada, nada poderia ser mais belo! Mas nesse instante seu rival apareceu. Travou-se o combate pelo amor. A luta foi intensa. O corpo morto parecia deixar certo seu êxito. Ele estendeu sua mão para finalmente pegar sua oferenda, mas o caprichoso destino mostrou-se irredutível: o belo emaranhado de fios se desfez em baba, escorrendo por suas mãos.

O sofrimento jamais foi tão grande – não haveria outra oportunidade. Vagou entre árvores até acabarem suas forças. De volta à casa, caiu em doença; estava febril e falava coisas sem sentido. Sua mãe o acordou, foram à beira do rio. Ele contou tudo o que passara e ao final de sua história ela, com muita candura, disse-lhe: me leve lá. O jovem encontrou nova esperança no semblante de sua mãe.

Caminharam. Acharam o corpo, coberto por folhas e vermes. O tecido estava novamente lá. O índio, tomado pelo cansaço da noite anterior, dormiu sobre a relva. Sua mãe, mirando o tecido, agora ainda mais belo ao refletir a luz do sol, pegou suas linhas e foi tecendo, copiando o modelo.

Quando seu filho despertou, viu um lindo vestido nos braços de sua mãe – o mais lindo que pudera haver. Agora sua alegria era completa: teve certeza que seria feliz ao lado de sua adorada índia.

Hoje este artesanato é tradição guarani, símbolo da cultura paraguaia. O ñanduti se encontra nas feiras, ruas e casas de cultura. Ñandu é como os índios guaranis chamam a aranha; ñanduti, sua teia.

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Toalha em ñanduti

 

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Viajeros – Patriotismo Multinacional

quarta-feira, junho 25th, 2008


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Coca-cola desenhada em ñanduti, na Casa de Cultura da capital paraguaia.

 

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Viajeros – Ruínas e “progresso”

quinta-feira, junho 12th, 2008

Partimos de Assunção e fomos a Encarnación, na fronteira paraguaia com a Argentina. Uma pequena cidade, com sinais de “desenvolvimento”: supermercados, ruas pavimentadas e praças. As outras cidadezinhas eram mais roots – algumas abandonadas, outras com a graça e a paz interioranas. A riqueza de Encarnación vem em grande parte do agronegócio, subsidiado pelo governo. O município exporta trigo e soja.

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Perto de Encarnación se localizam as ruínas de uma antiga missão jesuítica. Lá as paredes só faltam falar. Provavelmente seriam histórias tristes de um povo que sofreu imposição cultural e religiosa, e depois de perder a “proteção” dos jesuítas foi escravizado pelos bandeirantes, aqueles “nobres desbravadores” dos quais ouvimos falar nas aulas de História.

Lindas imagens. Pedras corroídas pelo tempo e estátuas de santos já sem cabeças em contraste com o céu azul, sem uma nuvem sequer. Ruínas de todo um tempo, de toda uma história e de muito sofrimento. Mas afinal, os jesuítas cumpriram sua missão. É na América Latina que hoje se encontra o maior rebanho da Santa Madre Igreja Católica. Amém.


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Viajeros – Malabares

quinta-feira, junho 12th, 2008

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Thiago e seu malabares nas ruínas – Paraguai, agosto de 2006.

 

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Viajeros – Pobre (e rico) Paraguai

domingo, maio 18th, 2008

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Hoje fomos a duas cidades próximas de Assunção, Areguá e Ypacaraí. Areguá é a capital do departamento central (os departamentos são equivalentes aos estados no Brasil), o mesmo ao qual pertence Assunção, a capital federal. Ironicamente não passa de uma vila, uma cidadezinha típica de interior, constituída por uma praça, uma igreja, a prefeitura e poucas ruas. Muito charmosa, é repleta de artesanato típico, construções pertencentes ao Patrimônio Histórico Cultural e uma gente muito receptiva.  Também estivemos em Ypacaraí.

Com poucas exceções, como Assunção e Cidade de Leste, os municípios paraguaios são pequenos e pouco “desenvolvidos”. Existem somente duas rodovias no país, e quase todas as cidades localizam-se às suas margens. Beirando Assunção, várias cidades compõem a região metropolitana. Todas residenciais, alimentam-se da capital. Uma delas é Lambaré, onde estamos hospedados na casa da Ali.

A divisão das classes sociais é nítida: pelo modo de vestir, agir e falar – em grande parte devido à influência do guarani. Nos colégios elitizados, os estudantes são repreendidos quando usam expressões em guarani. Os pertencentes às classes sociais mais baixas têm o guarani como língua-mãe, e mesmo quando aprendem o espanhol suas origens continuam aparentes. Eles são discriminados, não conseguem bons empregos. Nem mesmo podem ser telefonistas ou atendentes, porque não são considerados apresentáveis.

O espantoso é que grande parte da população não fala o espanhol, o que demonstra quão estreitas são as portas da ascensão social. Os únicos que têm chance são aqueles que, por sua aparência, passam por ricos e modernos. Mesmo aqueles que têm um bom nível econômico, mas moram no interior, ocupam posição subalterna na escala social. É uma questão de se saber portar – “ter classe”.

Aqui a corrupção é firmemente institucionalizada. O ex-ditador Stroessner morreu, mas a hegemonia de quatro décadas do Partido Colorado continua, assim como a concentração de renda, as situações precárias de educação e saúde, os problemas de infraestrutura e a ineficácia do governo. Infelizmente são essas as expectativas para os países latino-americanos. Um povo com uma cultura tão rica, marcado pela exploração histórica, que “sofre com os dentes cerrados”, como disse Eduardo Galeano – mas que, apesar de tudo, resiste. E a diversidade cultural, que em meio a tantas dificuldades persiste e floresce, é sintoma e resultado desse contínuo re-existir.

 

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Viajeros – Borboletas no estômago

terça-feira, maio 13th, 2008

Ontem estava lendo um livro no Express Café – o cara saiu de Curitiba para percorrer alguns países da América do Sul, e definiu bem esse sentimento pré-partida: borboletas no estômago.

Correria, dúvidas, procuração, saco de dormir, câmera digital e frutas secas para a viagem – detalhes que parecem infinitos, cronograma apertado nesses últimos dias no aconchego do lar.

No mais, estou indo embora…

 

Enfim, Assunción

Depois de meses de expectativa, em 13 de agosto de 2006 nos encontramos nessa cidade quente, que não sei porque me faz pensar no Brasil uns trinta anos atrás – engraçado, memória de um tempo que não vivi. Estou numa sorveteria, onde a Ali trabalha, inclusive aos domingos. Ela deixou o seu posto para nos buscar na rodoviária e cá estamos.

Consegui o contato da Ali com um amiga que mora em Floripa e é presidente de um comitê da AFS, uma organização que promove intercâmbios culturais; ela recebeu a Ali por alguns dias em sua casa. Assim é a rede que conecta os viajantes. Pelo pouco que já conversamos, pude ver que é uma pessoa muito hospitaleira e dedicada.

Graças a Deus enfiei as roupas de frio bem no fundo da mala. 37°C. Acho que vou tomar um sorvete.

 

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