Uma característica paraguaia quase sempre esteve presente: a informalidade. Assunção provavelmente concentra o maior índice de vendedores ambulantes por metro quadrado. Chipas – um tipo de broa bem típica do Paraguai -, maçãs, chicletes, óculos escuros, capas de celular, cigarros – ou seja, quase tudo que se possa imaginar sendo vendido nas ruas. E nos ônibus. Os vendedores podem entrar sem pagar passagem, oferecem seus produtos e descem. É muito bom quando se está cansado e com fome e aparece um vendedor com chipas quentinhas, mas as altas taxas de trabalho informal refletem a difícil condição do país, que não é capaz de gerar empregos suficientes para sua população.
O Paraguai é informal também em outro sentido – no jeito de ser do seu povo. Um exemplo: encontramos María Esperanza Ortiz, filha de Demétrio Ortiz, um tradicional músico paraguaio, numa homenagem a seu pai no museu de Ypacaraí. Ao fim da cerimômia ela convidou todos a visitar o museu que mantém em sua casa em Assunção. Conversamos com ela, que nos passou seu endereço e telefone. Disse que estaria nos esperando sábado à tarde e pediu para ligarmos para confirmar a visita. Eu liguei no sábado, como marcado, e Nicolás, seu marido, atendeu: “Ah, é a brasileira? Vocês não querem vir aqui hoje à noite, vai ter música, churrasco…”, falou ele em português, com forte sotaque paraguaio. Obviamente nós aceitamos o convite.
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María, filha de Demétrio Ortiz, e seus convidados.
Pensamos que não passaria de alguns amigos tomando cerveja e cantando à memória de Demétrio Ortiz – o que foi, no final das contas. Mas nos surpreendemos quando percebemos que estávamos num jantar com importantes músicos. Tratava-se do aniversário de trinta anos da morte do homenageado. Inclusive maestros estavam presentes para tocar a música tradicional paraguaia, e em especial, um pouco da obra de Demétrio Ortiz. Os mais velhos talvez lembrem de Mis noches sin ti e Recuerdos de Ypacaraí, as mais regravadas músicas paraguaias. Aliás, o nosso renomadíssimo Caetano Veloso tem uma versão de Recuerdos de Ypacaraí no álbum Fina Estampa.
Demétrio iniciou sua carreira em 1943 no Trio Asunceno, com o qual excursionou pelo Brasil em 1946. No ano seguinte, uma sangrenta guerra civil conturbou o Paraguai. O músico, assim como muitos compatriotas, migrou para Buenos Aires, onde integrou-se a diversos conjuntos, além de dar aulas de dança folclórica na Casa Paraguaia. Faleceu em 1975 na capital argentina, pouco depois de concluir sua autobiografia Una guitarra, un hombre… Demétrio Ortiz.
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Lucio Marín no violão; atrás Nicolás, marido de Maria.
Harpa, violões, maracas e várias vozes. Não sabíamos se tirávamos fotos ou simplesmente apreciávamos a boa música. Tentamos fazer os dois. E mesmo entre artistas renomados fomos muito, muito bem recebidos. O músico Lúcio Marín e sua esposa fizeram questão de passar o telefone e o endereço de sua casa, para que possamos visitá-los da próxima vez que estivermos em Assunção. Ele nos contou (algumas vezes, depois de alguns vinhos) da vez que conheceu Pelé, mas concordou comigo que o melhor jogador da história foi de fato Garrincha. Foi uma noite maravilhosa, que me deixou encantada com a cultura e com o povo paraguaio.
Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.
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