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Viajeros – Vida de mochileiro

quinta-feira, agosto 14th, 2008

Em Resistencia, capital da província do Chaco, empreendemos nossa primeira tentativa de vender artesanato. Até então estávamos produzindo para juntar quantidade suficiente para expor. Paramos numa esquina movimentada, estendemos nosso pano, colocamos os colares e malabares e timidamente cumprimentávamos as pessoas que dirigiam alguma atenção ao nosso trabalho. Fizemos isso uns dois ou três dias, por cerca de duas horas. Não vendemos nada.

Nos alojamos no Parque Municipal e Camping Dos de Febrero. Lá conhecemos três artesãos – Keko e Andrés de Córdoba e a chilena Maribel. Eles nos falaram da Festa do Dourado, que iria acontecer em Isla de Cerrito no fim de semana, com a promessa de que lá seria bom para vender artesanato.


Festival em Isla de Cerrito. A bandeira do Brasil, nosso mostruário.

Isla de Cerrito é uma cidadezinha do interior, a 60 km de Resistencia. A Festa do Dourado é o grande acontecimento da cidade. Chegamos lá no dia 31 de agosto, uma quinta-feira. A festa iria de sexta a domingo. Durante todo o festival vendemos um colar. Cinco pesos, equivalente a cerca de três reais. Conhecemos vários artesãos de diversas partes do país. Uma vida simples, porém livre. Eles percorrem a Argentina vendendo seu trabalho e conhecendo gente. “É uma vida boa, para quem não é materialista”, me disse Santiago, um dos artesãos que conheci. Vivem com pouco e dividem o pouco que têm. Desprezam o luxo, amam a liberdade.


Artesãos malabaristas na Festa do Dourado.

De volta à estrada
Segunda-feira nos despedimos de nossos novos amigos. Pegamos o ônibus até Resistencia para pedir carona mais uma vez, com destino a Córdoba. Já era final de tarde; junto com a noite se aproximava a possibilidade de dormirmos mais uma vez na loja de conveniência do posto de gasolina, o mesmo onde tínhamos passado a noite há cerca de uma semana atrás depois de um dia inteiro pedindo carona sem sucesso. Quando já estávamos na expectativa de mais uma noite mal dormida, um caminhão que transportava gado parou. Impossível descrever a sensação de alívio que esse momento propicia.

Histórias de caminhoneiro
Marcelo era seu nome. Seu caminhão era bem equipado, moderno. Não parecia querer muita conversa. Entretinha-se com seus dois celulares, fazendo ligações e mandando mensagens. Tentei puxar assunto, mas ele não respondeu. Não sei se não me ouviu ou simplesmente me ignorou. De qualquer maneira, entendi o recado e fiquei na minha.

Uma foto pendurada chamava a atenção – uma linda mulher de tranças loiras e olhos claros. Devia ser alguma modelo ou atriz famosa, pensei. Até que ele nos perguntou: “Quantos anos vocês acham que ela tem?”. Chutamos uns vinte e poucos. “Ela tem dezoito anos, é a filha do meu patrão”, disse ele.

Eles se conheceram há três anos pela internet. Foram conversando sem saber suas identidades. Um dia ela comentou que seu pai era dono de uma empresa de caminhões – a empresa onde Marcelo trabalhava. Eles passaram a se encontrar e ela demonstrou interesse por ele. Ela tinha só quinze anos e era filha de seu patrão. Ela era rica, ele pobre. Marcelo sabia que isso traria problemas e tentou evitar o romance. Mas ela era tão linda…

Namoraram uns cinco meses escondidos. Como era inevitável, um dia ele foi falar com os pais dela, os seus patrões. “Eu estou com um problema amoroso”, disse ele. “Qual problema?”, perguntou a mãe. “É com sua filha, esse é o problema”, respondeu Marcelo. Os pais dela disseram que isso não era um problema. Disseram que ele era honesto, trabalhador, isso que importava. Eles mesmos já tinham sido pobres e aceitaram bem o romance da filha com o empregado.

Faz três anos que eles estão juntos. Ela lhe deu um carro e um caminhão novo, mas ele diz que isso não interessa, quem tem dinheiro é ela, ele continua pobre. E continua a tratar seu patrão da mesma maneira enquanto trabalha, mantendo o relacionamento patrão-empregado. Fora da empresa ele é seu genro, mas continua sendo seu chefe. Ela quer casar, diz ele que não tem pressa. E passou toda a viagem falando de sua namorada.

Nos deixou na cidade de Sé Pereira, em Santa Fé, perto da província de Córdoba. Confesso que em alguns momentos desconfiei do conto de fadas do rapaz. Talvez aquela foto fosse de uma modelo famosa e todo o resto, fantasia. Talvez.

Eram sete horas da manhã. Lindo nascer do dia. Fazia muito frio, o capim estava congelado. Paramos na saída da cidade, logo depois de um cruzamento com uma linha de trem – os carros eram obrigados a baixar a velocidade, impossível nos ignorar. Cerca de duas horas depois um caminhão parou. Horácio, o motorista, disse que podia nos deixar uns 100 km mais para frente. Aceitamos a carona.

O relevo sempre plano. Plantações de soja e trigo. Pasto. Ele, que tinha idade para ser meu pai, foi nos falando do problema da concentração de terra, dos grandes latifúndios, do mal que fazem os agrotóxicos, das diferenças regionais do país. O norte é a região mais pobre e a maior parte da riqueza do país se concentra em Buenos Aires.

Ele nos deixou na entrada de uma cidade. Almoçamos pão com queijo, especialidades argentinas, e seguimos nosso caminho. Tínhamos que andar até a saída da cidade e voltar à rodovia que leva a Córdoba. Caminhamos em torno de 7 km com as mochilas nas costas. Chegamos exaustos e o sol, mais uma vez, estava próximo de se por. Paramos perto de um posto – nosso abrigo, caso não conseguíssemos carona.

Mal levantamos o dedo e um caminhão parou. Walter era o nome do motorista. Estava indo para Córdoba. Muito simpático desde o início, nos ajudou a botar as mochilas na traseira do caminhão. Nos ofereceu mate e bolachas, mostrou a foto de seus filhos e nos contou um pouco da sua história.

Filho de italiano, sustenta sua família com o seu trabalho. Um de seus irmãos foi tentar a sorte na Itália – faz anos que não tem contato com ele. Seu irmão mais novo trabalha numa empresa que paga seus estudos. Ele é caminhoneiro desde os quinze anos, costumava viajar com seu pai, também caminhoneiro. Gosta dessa vida, apesar de ser cansativa.

Perguntei a todos os caminhoneiros que conheci se gostavam do seu trabalho. E todos responderam que sim, e se orgulhavam de conhecer o país quase por inteiro. Walter parou num posto na entrada de Córdoba. Nos despedimos e tomamos um ônibus até o centro.

Encontramos o albergue que um amigo tinha me indicado. Deixamos nossas coisas lá, saímos para comer, tomamos um banho e dormimos o bom sono dos cansados, depois de dois dias de caronas quase sem dormir. Mas valeu a pena. Percorremos mais de 1000 km gastando só com alimentação. Vida de mochileiro. Coração de viajante.

 

Esse texto faz parte do livro Viajeros, que foi publicado em posts nesse blog.

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Viajeros – Haciendo Dedo

sábado, julho 26th, 2008

Saímos de Encarnación e fomos para Posadas, cidade argentina na fronteira com o Paraguai, com o objetivo de pegar nossa primeira carona. Hora de levantar o dedo – ou “hacer dedo”, como dizem por lá.

Fizemos uma plaquinha – o destino era Santa Fé, no norte argentino. Ficamos nos revezando no acostamento com o braço estendido e o dedo levantado e nada. Até que um senhor que estava passando de bicicleta parou para falar com a gente: “Olha, eu não quero ofender, mas vocês não vão conseguir carona para Santa Fé, muito menos aqui. Peçam carona para Corrientes, que é caminho, e lá vocês tentam ir para Santa Fé. E é melhor vocês irem um pouco mais para a frente, porque aqui vai ser difícil”.

Pegamos nossas mochilas e fomos caminhando, com a língua de fora, até encontrarmos umas lojinhas de beira de estrada. Mudamos nossa placa, ficamos em posição e nada. Depois de um tempo um carro parou, mas não era para dar carona. “Aqui não é bom para pedir carona, vocês vão ficar parados aí até amanhã. Vocês têm que andar umas quinze quadras e parar logo depois da saída da cidade.”

E fomos. O sol já estava quase se pondo quando chegamos lá. Mas não desistimos. Na casa à frente um senhor sentado na varanda admirava o lindo por do sol alaranjado. Na esquina, na entrada para o aeroporto, um rapaz fazia flexões (!). Carros foram chegando e estacionando no outro lado da rua. Não entendi o que estava acontecendo, era uma região bem remota. Depois pude ver que se tratava de uma reunião de amigos atrás do ponto de ônibus na entrada para o aeroporto (!?). A coisa estava ficando surreal. E nada de carona.


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Thiago haciendo dedo ao por do sol

Lá pelas oito horas da noite tivemos visita. Era Sergio, um estudante de música que veio pegar carona também para Corrientes, onde sua família mora. Também era a primeira vez que pedia carona. Ofereceu cigarros, tocou violão e perguntou se tomávamos mate. À nossa afirmativa ele saiu correndo, foi até a festa-atrás-do-ponto-de-ônibus e voltou com sua térmica cheia de água quente. Ficamos tomando chimarrão até ele ir tentar carona mais para a frente. Nós ficamos. E nada.

Já devia ser tarde e estava frio – hora de procurar algum lugar para passar a noite. O Thiago queria acampar, mas eu não achei o lugar que ele sugeriu muito seguro e ele achou o mesmo do lugar que eu indiquei. Fomos dormir no aeroporto – felizmente, porque caiu o maior temporal de madrugada.


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Thiago e Sergio.

Dormimos mal, comemos mal (comida de aeroporto é cara…), mas fomos tentar mais uma vez. Depois de algumas horas na estrada um carro parou. Estávamos os dois em pé, pedindo carona com a mochilona nas costas – uma tentativa deseperada de impressionar, de chamar atenção e gerar compaixão nos motoristas. Parece que deu certo. Quase não acreditamos. Eu fui até o carro e o cara perguntou aonde queríamos ir. “Para Corrientes”, eu respondi. “Então vamos”, disse ele. E desceu do carro para ajudar a guardar a bagagem.

Era uma caminhonete fechada. Hugo era o nome do rapaz. Ele falava português, já tinha viajado oito meses pelo Brasil numa experiência parecida com a nossa. Estava indo visitar seu filho de sete anos. “Se não fosse por ele, eu me mandava para o Brasil”, confessou. Acho que ele se reconheceu em nós.

Eu dormi quase todos os 400 km – estava exausta. Ele foi muito legal, passou seu contato para mandarmos notícia e nos deu de presente um mapa rodoviário da América do Sul. Nos deixou na rodovia em Resistencia, logo depois de Corrientes, já na província do Chaco. A ideia era tentar outra carona rumo a Santa Fé, mas o dia se foi e nada.

Passamos a noite na loja de conveniência de um posto de gasolina e, depois do segundo dia pedindo carona sem sucesso, desistimos. Seguimos o conselho de um policial que tentou nos ajudar a conseguir carona (sim, na Argentina é possível encontrar policiais que fazem a intermediação entre caroneiros e motoristas!) e ficamos em Resistencia mesmo. “Uma cidade bonita, com muita cultura”, disse ele. Nos convenceu.


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Eu pedindo carona – Resistencia, Chaco. Foto de Thiago.

 

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Viajeros – O país da informalidade

quarta-feira, julho 16th, 2008

Uma característica paraguaia quase sempre esteve presente: a informalidade. Assunção provavelmente concentra o maior índice de vendedores ambulantes por metro quadrado. Chipas – um tipo de broa bem típica do Paraguai -, maçãs, chicletes, óculos escuros, capas de celular, cigarros – ou seja, quase tudo que se possa imaginar sendo vendido nas ruas. E nos ônibus. Os vendedores podem entrar sem pagar passagem, oferecem seus produtos e descem. É muito bom quando se está cansado e com fome e aparece um vendedor com chipas quentinhas, mas as altas taxas de trabalho informal refletem a difícil condição do país, que não é capaz de gerar empregos suficientes para sua população.

O Paraguai é informal também em outro sentido – no jeito de ser do seu povo. Um exemplo: encontramos María Esperanza Ortiz, filha de Demétrio Ortiz, um tradicional músico paraguaio, numa homenagem a seu pai no museu de Ypacaraí. Ao fim da cerimômia ela convidou todos a visitar o museu que mantém em sua casa em Assunção. Conversamos com ela, que nos passou seu endereço e telefone. Disse que estaria nos esperando sábado à tarde e pediu para ligarmos para confirmar a visita. Eu liguei no sábado, como marcado, e Nicolás, seu marido, atendeu: “Ah, é a brasileira? Vocês não querem vir aqui hoje à noite, vai ter música, churrasco…”, falou ele em português, com forte sotaque paraguaio. Obviamente nós aceitamos o convite.


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María, filha de Demétrio Ortiz, e seus convidados.

Pensamos que não passaria de alguns amigos tomando cerveja e cantando à memória de Demétrio Ortiz – o que foi, no final das contas. Mas nos surpreendemos quando percebemos que estávamos num jantar com importantes músicos. Tratava-se do aniversário de trinta anos da morte do homenageado. Inclusive maestros estavam presentes para tocar a música tradicional paraguaia, e em especial, um pouco da obra de Demétrio Ortiz. Os mais velhos talvez lembrem de Mis noches sin ti e Recuerdos de Ypacaraí, as mais regravadas músicas paraguaias. Aliás, o nosso renomadíssimo Caetano Veloso tem uma versão de Recuerdos de Ypacaraí no álbum Fina Estampa.

Demétrio iniciou sua carreira em 1943 no Trio Asunceno, com o qual excursionou pelo Brasil em 1946. No ano seguinte, uma sangrenta guerra civil conturbou o Paraguai. O músico, assim como muitos compatriotas, migrou para Buenos Aires, onde integrou-se a diversos conjuntos, além de dar aulas de dança folclórica na Casa Paraguaia. Faleceu em 1975 na capital argentina, pouco depois de concluir sua autobiografia Una guitarra, un hombre… Demétrio Ortiz.


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Lucio Marín no violão; atrás Nicolás, marido de Maria.

Harpa, violões, maracas e várias vozes. Não sabíamos se tirávamos fotos ou simplesmente apreciávamos a boa música. Tentamos fazer os dois. E mesmo entre artistas renomados fomos muito, muito bem recebidos. O músico Lúcio Marín e sua esposa fizeram questão de passar o telefone e o endereço de sua casa, para que possamos visitá-los da próxima vez que estivermos em Assunção. Ele nos contou (algumas vezes, depois de alguns vinhos) da vez que conheceu Pelé, mas concordou comigo que o melhor jogador da história foi de fato Garrincha. Foi uma noite maravilhosa, que me deixou encantada com a cultura e com o povo paraguaio.

 

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Viajeros – Amém

segunda-feira, junho 30th, 2008


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Igreja em Ypacaraí, Paraguai. Agosto de 2006.

 

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Viajeros – A lenda do ñanduti

quarta-feira, junho 25th, 2008

Baseado em um conto lido no Café Literário em Assunção, que por sua vez foi inspirado em uma lenda guarani.

Um jovem índio, apaixonado e desesperançado. Sua mãe lastima a dor de seu rebento. Ele crê que perdeu de vez a chance de passar a vida ao lado do seu amor.

A moça, demasiado bela, é cobiçada por vários rapazes. Uma anciã, com certa maldade, contou-lhe que outro fez à moça a mais linda oferenda – pulseiras e braceletes de um metal branco e brilhante, que segundo dizem, ganhou da própria lua, sua madrinha.

Em desespero, o jovem índio fugiu à floresta, queria esconder-se de seu medo, correr sua dor. Encontrou um tronco tombado, e ao tocá-lo, um lindo broto floresceu. Subiu sua vista e se defrontou com um esplendoroso tecido, delicado e brilhante.

O fogo se reascendeu em seu coração – essa seria a oferenda perfeita para sua amada, nada poderia ser mais belo! Mas nesse instante seu rival apareceu. Travou-se o combate pelo amor. A luta foi intensa. O corpo morto parecia deixar certo seu êxito. Ele estendeu sua mão para finalmente pegar sua oferenda, mas o caprichoso destino mostrou-se irredutível: o belo emaranhado de fios se desfez em baba, escorrendo por suas mãos.

O sofrimento jamais foi tão grande – não haveria outra oportunidade. Vagou entre árvores até acabarem suas forças. De volta à casa, caiu em doença; estava febril e falava coisas sem sentido. Sua mãe o acordou, foram à beira do rio. Ele contou tudo o que passara e ao final de sua história ela, com muita candura, disse-lhe: me leve lá. O jovem encontrou nova esperança no semblante de sua mãe.

Caminharam. Acharam o corpo, coberto por folhas e vermes. O tecido estava novamente lá. O índio, tomado pelo cansaço da noite anterior, dormiu sobre a relva. Sua mãe, mirando o tecido, agora ainda mais belo ao refletir a luz do sol, pegou suas linhas e foi tecendo, copiando o modelo.

Quando seu filho despertou, viu um lindo vestido nos braços de sua mãe – o mais lindo que pudera haver. Agora sua alegria era completa: teve certeza que seria feliz ao lado de sua adorada índia.

Hoje este artesanato é tradição guarani, símbolo da cultura paraguaia. O ñanduti se encontra nas feiras, ruas e casas de cultura. Ñandu é como os índios guaranis chamam a aranha; ñanduti, sua teia.

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Toalha em ñanduti

 

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Viajeros – Patriotismo Multinacional

quarta-feira, junho 25th, 2008


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Coca-cola desenhada em ñanduti, na Casa de Cultura da capital paraguaia.

 

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Viajeros – Ruínas e “progresso”

quinta-feira, junho 12th, 2008

Partimos de Assunção e fomos a Encarnación, na fronteira paraguaia com a Argentina. Uma pequena cidade, com sinais de “desenvolvimento”: supermercados, ruas pavimentadas e praças. As outras cidadezinhas eram mais roots – algumas abandonadas, outras com a graça e a paz interioranas. A riqueza de Encarnación vem em grande parte do agronegócio, subsidiado pelo governo. O município exporta trigo e soja.

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Perto de Encarnación se localizam as ruínas de uma antiga missão jesuítica. Lá as paredes só faltam falar. Provavelmente seriam histórias tristes de um povo que sofreu imposição cultural e religiosa, e depois de perder a “proteção” dos jesuítas foi escravizado pelos bandeirantes, aqueles “nobres desbravadores” dos quais ouvimos falar nas aulas de História.

Lindas imagens. Pedras corroídas pelo tempo e estátuas de santos já sem cabeças em contraste com o céu azul, sem uma nuvem sequer. Ruínas de todo um tempo, de toda uma história e de muito sofrimento. Mas afinal, os jesuítas cumpriram sua missão. É na América Latina que hoje se encontra o maior rebanho da Santa Madre Igreja Católica. Amém.


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Viajeros – Malabares

quinta-feira, junho 12th, 2008

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Thiago e seu malabares nas ruínas – Paraguai, agosto de 2006.

 

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Viajeros – Troca de pele

quarta-feira, junho 4th, 2008

É uma tarefa muito árdua a que me proponho: perceber e refletir culturas. A subjetividade da vida me surpreende, me assusta e, acima de tudo, me fascina. Como posso transmitir algo que só eu percebo? Como posso chamar meu ponto de vista de realidade? Quem sou eu para julgar, mesmo que nesse caso o julgamento tenha aspecto de análise?

Conhecer a dor, a luta e a força dos Sem-Terra já mudou a cor de meus olhos. Quem dirá um ano cruzando continentes?! Já fui muitas Micheles, ainda encarnarei muitas outras, até chegar a ser nenhuma. Queria apreender a alma do povo paraguaio, mas nem sei se tal coisa existe – fronteiras artificiais que separam os humanos são romantizadas e enaltecidas, mas no fim geram mais guerras que unidades.

Sei que quero conhecer pessoas, sentir o outro – quem sabe até ser o outro, descobrir terras nunca dantes desbravadas dentro de mim. Sei que há uma hegemonia parasita mundial. Acredito na união latino-americana para que tenhamos autonomia e possibilidade. Mas a revolução, aquela que sensibilizará a mesquinhez da Terra (ou terra) não se fará com armas. A verdadeira revolução se dará (ou, infelizmente, não) na consciência. As armas não acabam com o medo e o egoísmo. O auto e alter conhecimento, creio que sim.

Estou abrindo minha pele, expondo minhas entranhas – no meio de tantos questionamentos, esse é agora meu norte. Mas minha bússola é caprichosa (ou despretenciosa) e pode apontar sua seta para qualquer direção a qualquer momento.


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Viajeros – Pobre (e rico) Paraguai

domingo, maio 18th, 2008

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Hoje fomos a duas cidades próximas de Assunção, Areguá e Ypacaraí. Areguá é a capital do departamento central (os departamentos são equivalentes aos estados no Brasil), o mesmo ao qual pertence Assunção, a capital federal. Ironicamente não passa de uma vila, uma cidadezinha típica de interior, constituída por uma praça, uma igreja, a prefeitura e poucas ruas. Muito charmosa, é repleta de artesanato típico, construções pertencentes ao Patrimônio Histórico Cultural e uma gente muito receptiva.  Também estivemos em Ypacaraí.

Com poucas exceções, como Assunção e Cidade de Leste, os municípios paraguaios são pequenos e pouco “desenvolvidos”. Existem somente duas rodovias no país, e quase todas as cidades localizam-se às suas margens. Beirando Assunção, várias cidades compõem a região metropolitana. Todas residenciais, alimentam-se da capital. Uma delas é Lambaré, onde estamos hospedados na casa da Ali.

A divisão das classes sociais é nítida: pelo modo de vestir, agir e falar – em grande parte devido à influência do guarani. Nos colégios elitizados, os estudantes são repreendidos quando usam expressões em guarani. Os pertencentes às classes sociais mais baixas têm o guarani como língua-mãe, e mesmo quando aprendem o espanhol suas origens continuam aparentes. Eles são discriminados, não conseguem bons empregos. Nem mesmo podem ser telefonistas ou atendentes, porque não são considerados apresentáveis.

O espantoso é que grande parte da população não fala o espanhol, o que demonstra quão estreitas são as portas da ascensão social. Os únicos que têm chance são aqueles que, por sua aparência, passam por ricos e modernos. Mesmo aqueles que têm um bom nível econômico, mas moram no interior, ocupam posição subalterna na escala social. É uma questão de se saber portar – “ter classe”.

Aqui a corrupção é firmemente institucionalizada. O ex-ditador Stroessner morreu, mas a hegemonia de quatro décadas do Partido Colorado continua, assim como a concentração de renda, as situações precárias de educação e saúde, os problemas de infraestrutura e a ineficácia do governo. Infelizmente são essas as expectativas para os países latino-americanos. Um povo com uma cultura tão rica, marcado pela exploração histórica, que “sofre com os dentes cerrados”, como disse Eduardo Galeano – mas que, apesar de tudo, resiste. E a diversidade cultural, que em meio a tantas dificuldades persiste e floresce, é sintoma e resultado desse contínuo re-existir.

 

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